Emanuela afastou Fabrício com ímpeto. Fabrício
olhou para os olhos dela e o olhar de Emanuela o surpreendeu. Não havia raiva,
nem qualquer sentimento de repulsa, apenas um sentimento que Fabrício não
conseguiu distinguir, mas que fez com que desviasse o olhar rapidamente. Os
dois ficaram em silêncio por alguns segundos, mas para Fabrício parecia que se
tinha se passado uma eternidade.
— Por quê... – disse ela, quebrando o
silêncio de repente e olhando diretamente nos olhos de Fabrício. – Por que fez
isso?
Fabrício não sabia como responder. Precisava dizer
algo.
— Porque eu gosto de você... – disse ele, tentando
se aproximar. – Você não sente o mesmo?
Emanuela se afastou, mantendo certa distância.
— Desculpa. – disse ela, desviando o olhar do
rapaz. – Acho que você deve ter entendido errado...
Fabrício ficou confuso de repente.
— Não é possível... – disse ele confuso.
— Então, você me ajudou com esse tipo de intenção?
– disse ela, olhando nos olhos dele como que percebendo algo.
— É claro que não! – disse ele um pouco magoado –
Eu lhe ajudaria independente de qualquer coisa.
— Como posso ter certeza?
Fabrício não acreditava no que estava ouvindo.
— Você... Você não confia em mim?
— Por que eu confiaria? Eu já aprendi há muito
tempo que não devo confiar em ninguém.
— Emanuela... Você realmente me magoa desse jeito.
Acho que depois de tudo, o mínimo que eu mereço é sua confiança, não é? Se
realmente pensa assim, você me decepcionou.
Emanuela virou-se de repente, olhando para
Fabrício. Parecia agitar-se por dentro. Por um momento, Fabrício pensou que Emanuela
reagiria. Mas esse momento logo passou e Emanuela pareceu se acalmar.
— Sinto muito... – disse ela por fim. – ...por ter lhe
decepcionado. Eu tenho que entrar agora. – disse ela, se afastando logo em
seguida e entrando em casa.
Ao entrar em casa, Mariana percebeu que a irmã
estava um pouco diferente.
— O que você tem, Manu? – perguntou à irmã.
— Nada. – respondeu. - Acho que só estou um pouco
cansada...
***
Fabrício estava segurando a guitarra e
tocava alguns acordes. Mais uma vez pensava consigo sobre o que acontecera.
Parecia que tinha se passado muito tempo, no entanto, acontecera naquela mesma
noite. Lembrava-se de beijar Emanuela sem que ela tivesse tempo de dizer ou
fazer qualquer coisa, e mais ainda, lembrava-se perfeitamente do que tinha
acontecido logo depois.
Enquanto Fabrício pensava nisso, alguém bateu na
porta. Era Verônica.
— O que você tem, Fabrício? – perguntou a irmã
preocupada.
Fabrício não respondeu.
— Tudo bem. – disse a irmã. – Se não quer falar,
não fale... Mas tenho algo que vai mudar o seu humor.
Fabrício permaneceu em silêncio. Verônica entregou
um envelope que tinha nas mãos ao irmão. Fabrício olhou.
— O que é isso? – perguntou ele, olhando para o
envelope nas mãos da irmã.
— Esse é o dinheiro que eu pude sacar sem levantar
suspeitas... Se não quiser, tudo bem. Eu posso ir para o shopping com a Vivi...
O rapaz tirou o envelope da mão da irmã.
— Pelo jeito você quer me ver longe daqui, não é? –
perguntou ele, voltando à guitarra.
Verônica fez um muxoxo.
— Claro que não! – disse, se fazendo de ofendida –
Mal agradecido.
Fabrício sorriu.
— Valeu. – e olhando para ela. – Prometo que vou
pagar tudo quando puder.
— Você sabe que não precisa... Fica como presente
de casamento antecipado.
— Casamento? – perguntou Fabrício, olhando para a irmã
de repente. – Que casamento?
Verônica riu.
— Foi uma brincadeira. – disse, sentando-se ao lado
do irmão. – Mas como vai o lance com aquela garota?
Fabrício olhou para a irmã.
— Desde quando eu lhe dei essa liberdade?
— Fabrício... – disse insistindo – Diz. Você está
namorando com ela?
Fabrício suspirou.
— Não. E acho que depois de hoje, vai ficar mais
difícil ainda. Não é a toa que dizem que as mulheres são complicadas.
— Por que está dizendo isso? Levou um fora e não
sabe por quê?
Fabrício ignorou a irmã.
— Você levou um fora mesmo? – disse Verônica
admirada.
— Não vou dizer. – disse ele sério.
— Ok. Mas se quer um conselho, não é que as
mulheres são complicadas... É porque os homens acham que todas as mulheres são
iguais.
— E você não diz o mesmo? Que todos os homens são
iguais?
Verônica riu-se.
— E são! Porque homens são como uma fórmula
matemática e mulheres como poesia.
Fabrício olhou intrigado para a irmã.
— Não vejo lógica no que disse.
— Viu? É isso que estou dizendo. Você está tentando
buscar lógica onde não tem. Mulheres lidam com sentimentos que os homens muitas
vezes ignoram. Eles acham que mulheres são como problemas matemáticos e que é
preciso apenas uma fórmula matemática para resolvê-las. E na verdade mulheres
são como poesia, onde cada uma tem sua própria interpretação, e às vezes mais
de uma interpretação.
— E depois você me diz que mulheres não são
complicadas?
Verônica suspirou.
— Ok. Eu admito que mulheres são um pouquinho
complicadas. E se for tão difícil de entender as mulheres, talvez o melhor
caminho seja aceitá-las do jeito que são. – disse ela, sorrindo.
— Como posso aceitar algo que não entendo?
Verônica balançou a cabeça negativamente.
— Está bem, Fabrício, eu desisto. – disse, saindo.
Fabrício retornou à guitarra, de repente, parou.
Parecia pensativo.
***
Dois dias depois (quinta-feira)
Rebeca acordou. O hospital parecia pouco
movimentado naquele dia. Sentia-se um pouco vazia. Não ter memórias, não
conhecer sobre si mesma, dava essa sensação. De repente, uma enfermeira entrou na
sala.
— Você está se recuperando muito rápido. – disse a
enfermeira, começando a trocar os curativos da cabeça. – Daqui a pouco, poderá
voltar para casa. – e percebendo seu equivoco. – Ah, desculpa.
— Não se preocupe. Você não tem que se lembrar de
todos os problemas dos pacientes. – disse Rebeca, rindo.
A enfermeira sorriu.
— É claro que sim. Afinal, você é uma das minhas
pacientes.
De repente, o Dr. Rafael entrou e pegou o
prontuário da paciente.
— Rebeca... – disse, olhando para o prontuário e,
logo depois, olhando para ela. – Não sentiu mais nenhuma dor de cabeça?
— Não... Quer dizer, apenas uma leve dor de cabeça,
mas nada que eu não pudesse suportar. – disse, sorrindo.
— Entendo. – disse ele. – Então, amanhã mesmo você
poderá sair do hospital.
De repente, o Dr. Rafael percebeu que tinha algo
para falar com Rebeca. Sentou-se em uma cadeira próxima.
— Eu conversei sobre sua condição com o diretor do
hospital e graças ao Dr. Fabiano, você não vai precisar arcar com as despesas.
— O Dr. Fabiano? Mas...? – perguntou confusa.
O Dr. Rafael sorriu.
— Bem... A família do Dr. Fabiano é proprietária do
hospital. – e mudando de assunto. – Em relação ao lugar onde você vai ficar,
uma enfermeira disse que poderá lhe emprestar um pequeno apartamento por uns
dois meses, isso até você recuperar a sua memória. Conversei com o Dr. Marcelo,
o seu médico responsável e ele me disse que a sua perda de memória não deve ser
definitiva... Mas, possivelmente, terá que fazer consultas periódicas no
psiquiatra por conta disso. Isso também foi resolvido. No geral, não terá
problemas quando sair daqui.
Rebeca parecia confusa com aquele bombardeio de
informações.
— Obrigada. Mas... Por que está fazendo isso tudo?
— Não agradeça a mim. Agradeça ao Dr. Fabiano. Ele
está realmente preocupado com você. – disse, levantando-se e saindo.
***
A segunda aula de Neurofisiologia estava
terminando. Depois disso, os alunos seriam liberados para assistirem as
apresentações da Quinta Cultural da faculdade que começariam daqui a pouco, e
por causa disso, teriam que ter aula no sábado também.
“Não sei por que eles inventaram essa quinta
cultural...” – pensou Viviane, já pensando no sábado perdido.
A aula terminou e os alunos saíram. Viviane
levantou-se. De repente, o professor, Dr. Jardel, a chamou. Viviane se
aproximou.
— Sim, professor?
— Viviane, me parece que você está desatenta às
aulas... Não pense que por ser neta do presidente do Grupo Demontieux, você
terá qualquer privilégio. Se você tirar notas baixas, poderá ser reprovada como
qualquer outro.
Viviane suspirou.
— Claro, professor.
O professor estava se retirando da sala, quando
pareceu lembrar-se de algo.
— A propósito, soube que vai se apresentar hoje...
– disse. – Boa sorte.
— Obrigada.
Viviane saiu, enquanto ainda havia algumas alunas na
sala. Enquanto estava no corredor, lembrou-se de que havia esquecido um dos
seus livros na sua carteira. Gabriel a avistou de longe e vendo-a, a
acompanhou.
Antes que Viviane entrasse na sala, ela ouviu seu
nome sendo falado. Ao invés de entrar na sala, Vivi encostou-se na parede perto
da porta e ouviu o que algumas garotas falavam.
— Você viu o professor falando com a Viviane? –
disse uma das garotas.
— Eu vi. Bem feito para ela. – disse a outra,
rindo. – Aquela lá acha que é melhor do que todo mundo só por que o avô dela é
dono do Grupo Demontieux. Não presta atenção na aula e acha que vai passar do
mesmo jeito.
— Você não acha que ela vai pedir ao avô dela para
demitirem o professor? – perguntou a terceira.
— Possivelmente. Nesse país, quem tem mais dinheiro
ganha. Só tenho pena do professor, ele só está fazendo o trabalho dele.
— É verdade. – disse uma delas, fazendo um muxoxo –
E aquele blog? Quem será que fez? Eu até senti um pouco de pena dela por causa
daquilo.
Uma das garotas riu.
— Você não sabe quem foi?
— Quem? – perguntou uma delas.
— A própria Viviane! Quem mais? Ela é a única que
gosta de chamar atenção. E ainda colocou para todo mundo ver que ela pode
conseguir o cara que quer. Que idiota!
— Nossa, agora que falou faz sentido. Garota
insuportável. Acho que ela anda assistindo filmes americanos demais.
— Vamos, meninas? Hoje vai ter apresentação. Se não
me engano, ela também vai se apresentar.
— Sabe o que me passou pela cabeça agora? Imagina
se a corda do violino quebra na hora. Seria perfeito.
As garotas saíram da sala. Viviane virou-se para
não ser vista pelas garotas e deu de cara com Gabriel.
— Ai, que susto! – disse ela, ficando pálida de repente.
– Não tem vergonha de pegar as pessoas desprevenidas?
Gabriel parecia mais quieto.
— O que foi? O gato comeu sua língua?
— Bem... Queria desejar boa sorte na apresentação
de hoje. – disse ele, meio sem jeito. – Apesar de não sermos amigos, desejo que
se dê bem.
— Hum... Pelo menos você é melhor que certas
pessoas invejosas. Desejo o mesmo para você também. – disse, indiferente, saindo
em seguida.
Gabriel a observou, enquanto se afastava.
— Ou essa garota é insensível demais ou sabe
disfarçar muito bem.
***
A Quinta Cultural acontecia uma vez ao mês no
teatro da faculdade. Segundo o diretor, apesar dos alunos serem dos cursos
relacionados às ciências biológicas, o objetivo da faculdade era também
difundir a cultura. Nesse sentido, os alunos se apresentavam individualmente ou
em grupos. Algumas vezes, alunos da mesma universidade, mas de cursos
diferentes, também vinham se apresentar. Uma das alunas da faculdade chamada
Ágata era responsável por apresentar cada pessoa ou grupo.
Verônica tomou um dos últimos lugares, pois as
apresentações já tinham começado e o local estava lotado.
— Pessoal - disse Ágata ao microfone - agora um
grupo de lindos alunos dos cursos de Engenharia Civil e Arquitetura vão se
apresentar. Vamos aplaudir o grupo Feeling cantando Promisse do Simple Plan!
Verônica ouviu uma gritaria, parecia que, de
repente, estava em um show.
Depois da apresentação, a garota estava
anunciando alguém. De repente, Verônica percebeu que se tratava de Viviane, ela
iria tocar violino junto com alguns alunos do curso de música. Viviane entrou e
tocou uma música totalmente diferente do tipo de música tocada anteriormente.
"Como esperado da minha amiga" - pensou
Verônica, enquanto ouvia o som do violino ecoando
pelo teatro. O ambiente de repente mudou. Todos pareciam encantados pela música
que Viviane tocava. E todos em silêncio ouviam.
“Ela tem um talento incrível...”– pensou.
De repente, Verônica percebeu que Gabriel tinha se
juntado a plateia e estava em pé um pouco atrás. Ele olhava para Viviane,
enquanto ela se apresentava e o jeito como olhava surpreendeu Verônica.
“Isso...” – pensou Verônica. – “Se eu pudesse
avisar a Vivi”
Viviane terminou a apresentação e Ágata se
aproximou para apresentar outro grupo. No entanto, antes que dissesse qualquer
coisa, foi chamada por Viviane que sussurrou algo em seu ouvido. Vivi entregou
o violino para que Ágata pudesse guardar e depois pegou o microfone dela.
— Pessoal... – disse Viviane ao microfone. – Eu tenho
algo para falar com vocês.
Algumas pessoas que estavam conversando se calaram
para prestar atenção no que Viviane estava falando. Ela olhou para o teatro e
viu que realmente estava lotado.
“Tudo perfeito para a minha vingança” – pensou.
— Eu gostaria de chamar aqui o vocalista da banda
Felling que se apresentou há pouco.
Alguns membros da banda que estavam próximos a
Gabriel olharam para ele. Meio sem jeito e sendo, de alguma forma, pressionado
pelos outros, ele se dirigiu ao palco.
Viviane olhou para ele e sorriu.
— Vocês devem ter tido conhecimento de um blog
chamado “O blog da princesinha”... – continuou ela. - E eu afirmo que não fui
eu que fiz o blog, mesmo que muitos achem que eu goste de chamar a atenção. –
disse Viviane.
Algumas pessoas cochichavam umas com as outras,
enquanto umas poucas riam.
— O fato é que esse blog disse coisas não muito
legais sobre mim. E depois de muitas investigações, realmente, muitas
investigações... – enfatizou fazendo com que Verônica risse de onde estava. - Eu
descobri que esse blog foi criado por alguém dessa universidade,
especificamente do curso de Engenharia Civil. – disse enquanto olhava para
Gabriel. – O nosso querido herdeiro do Grupo Arantes, Gabriel Arantes de
Vasconcelos!
Ouviu-se um murmurinho que pareceu se tornar maior
por causa da acústica do teatro. Gabriel olhava para a platéia, como que
querendo se explicar, mas todos olhavam para ele de forma interrogativa.
— Para mim, só existe dois motivos para que uma
garota como eu sofra bullying de um garoto como ele. – continuou ela. –
Ou ele é gay e ele tem inveja de mim ou ele não resistiu e está apaixonado por
mim! – disse, olhando para Gabriel.
Todos pareciam muito surpresos com o que Viviane
acabara de falar. Gabriel estava tão surpreso quanto os outros. De repente, ele
pode ouvir alguns alunos rindo.
— E aí, qual dos dois vai ser? – alguém perguntou
dentre a platéia, incitando os demais.
Gabriel parecia estar sem saída. Se negasse estar
apaixonado por Viviane, simplesmente diriam que ele era gay. Viviane olhava
para Gabriel e apenas sorria.
“Quem mandou mexer comigo...” – pensou ela.
Súbito, Gabriel sorriu. Viviane ficou um pouco
atônica com a reação repentina do rapaz. Ele se aproximou de Viviane, fazendo
com que todos ficassem em silêncio. Viviane olhou para ele espantada.
— O que você vai fazer? Me agredir na frente de todo mundo? – perguntou Viviane,
sorrindo nervosa.
Gabriel sorriu. E mais uma vez, Viviane não gostou
daquele sorriso. De repente, na presença de toda a faculdade, Gabriel puxou Viviane
pela cintura e a beijou sem que ela pudesse ter qualquer reação.
Todos ficaram em silêncio e Verônica de onde estava
não acreditava no que estava vendo.
— Isso... Isso não está acontecendo! – sussurrou
para si mesma, surpresa.
***
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