XLIV
Na
manhã seguinte, decidiram ir de carro, para a fazenda. Claude alugou um veículo e partiram para
Aquidauana. Borboletinha protestou ao ser acomodada na cadeirinha, pois não
poderia “andar” pelo carro, como fizera no avião.
Isso
lhe rendeu uma advertência do pai: fora ela mesma quem pedira pra passear de
carro até a fazenda. Mas tão logo saíram
da cidade, passou a se distrair com a paisagem e logo o seu bom humor voltou.
Quanto
a Rosa, preferiu manter em segredo dos pais,
o suposto resultado do teste, até que confirmasse com sua médica.
Despediram-se
prometendo voltar em breve. Giovanni toca no assunto com Amália.
-
Serafina parecia diferente hoje pela manhã, Amália... Mais tranquila, como se
um peso tivesse saído de cima dela.
-
Você notou também? – Concorda Amália. –
Eu acho que não insistirmos na gravidez a tranquilizou. Bem, eu vou arrumar os
quartos.
Quando
entrou no quarto, balançou a cabeça. Rosa havia deixado tudo em ordem,
inclusive trocado os lençóis da cama e colocado os usados no cesto de roupa no
banheiro.
Ao
se abaixar para pegar o lixo, Amália
sorriu e entendeu tudo ao ver um copo descartável no cesto de lixo do banheiro
e a sua Cândida, esquecida num canto do balcão da pia.
Como
era uma longa viagem, revezaram na direção do carro por vários quilômetros, até
que precisaram parar para Borboletinha ir ao banheiro, para o número “dois” e
os enjoos de Rosa voltaram. Claude precisou assumir sozinho como motorista. As
paradas pareciam cronometradas: a cada quarenta minutos de estrada, Rosa
passava mal.
Com
isso, acabaram entrando numa cidadezinha
para pernoitar. Tomaram um banho, jantaram e até saíram para dar uma volta com
Fernanda. Na manhã seguinte, Rosa amanheceu enjoada, com náuseas, sem conseguir
evitar o vômito.
Estavam
no jardim de entrada do hotel, prontos para partirem. Rosa tentava arrumar
coragem para entrar no carro e enfrentar o restante da viagem, enquanto Claude
distraía Borboletinha.
“Se
tia Elisabeth estivesse por aqui, já teria me mostrado um caminho...” – Pensa Rosa,
distraidamente.
A
gerente do hotel, de repente, vem até ela:
-
Se a senhora me permite, eu tinha dois “truques” pra fugir desses incômodos!
-
Ah, é? Quais? – Pergunta, realmente interessada.
-
O primeiro é muito simples: limão! A senhora já experimentou cheirar limão? Era
a única coisa que aliviava a minha
náusea.
-
Limão? – Pergunta Rosa, curiosa.
-
É, o cheiro do limão ameniza a náusea e o gengibre ou a bala de gengibre, acalma o estômago. Mas a senhora não deve
exagerar no gengibre!
-
Oh, obrigada! Eu vou passar em algum
lugar para comprar antes de ir. Foi muita gentileza sua! – Diz, levantando-se
para chamar Claude.
-
Espere! Caso queira algo mais... “esotérico”, pode comprar uma pulseira
anti-enjoo.
-
Como disse? – Pergunta, espantada.
-
É uma opção alternativa, pra quem
acredita no poder do pensamento, na
energia que nos envolve, na força da natureza... Você está bem? Ficou
tão pálida, está com náuseas de novo?
-
Não!... É que eu tenho uma tia, quero dizer ela é tia do meu marido, é toda
“zen” e eu estava pensando nela nesse momento!
Deixa pra lá... Diga-me, do que se trata?
-
Trata-se de um tipo de pulseira de algodão, encontrada em farmácias e muitas
vezes em lojas de produtos náuticos. Colocada no pulso, ela tem um botão de
plástico, no meio, que exerce uma suave pressão em um ponto de acupuntura do corpo,
responsável por produzir a náusea no cérebro. É conhecida como pulseira de
acupressão.
-
Bem... O Claude não acredita muito
nessas coisas...
-
O que foi, Rosa? Se non está disposta
podemos ficar até amanhã por aqui. – Diz Claude, aproximando-se das duas com Fer
no colo.
-
Não, eu já estou melhor e vou seguir o conselho dessa moça, ela é a gerente do hotel...
Ela me deu algumas opções e nós vamos providenciar todas elas!
-
O senhor devia acreditar mais no que não vê! – Fala a gerente, sem pestanejar -
Na energia da natureza...
-
Meu papai acredita, ele conhece até a Fada do Dente! – Fala Fernanda,
impulsivamente, levando todos a rirem, desviando o foco da conversa.
-
Se está bem, chérie, enton... podemos ir?
-
Claro! - Diz, caminhando para o carro -
Mais uma vez obrigada... que mal educada
eu fui! Nem perguntei seu nome! –
completa, já entrando no carro, enquanto agerente ficava na porta do hotel.
-
Meu nome é Elisabete, mas todos me chamam de Bete apenas! Faça uma boa viagem e
voltando aqui, estamos à disposição!
-
Eu entendi direito? – Pergunta Claude, pasmo – o nome dela é Elisabete?
-
Foi o que ela disse! – Responde Rosa, sorrindo. – Surreal, não acha?
Compraram
limão,as tais balas de gengibre facilmente. Mas a tal pulseira deu um pouco
mais de trabalho. A essa altura, já haviam atrasado a viagem em várias horas.
Em
pouco tempo, Rosa estava disposta e voltou a revezar a direção com Claude.
Pararam apenas para o almoço de Borboletinha e no meio da tarde já cruzavam o
limite entre São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Fernanda
alternava momentos: dormia e despertava. Perguntava onde estavam, se já haviam
chegado, se ia demorar muito e, cansada, voltava a adormecer.
-
A gente tá chegando em casa, papai? – Insistia
Fernanda.
-
Non, filha! Pra chegar em casa, falta muito ainda, hã?
-
Mas eu tô cansada de ficar nessa cadeirinha!
-
Mas tem que ficar, meu anjo! Pra sua segurança, ok? – Rosa explica mais uma vez
a importância da cadeirinha.
-
Mas eu quero deitar! O meu bumbum tá cansadinho de ficar sentado! – Diz
“revoltada”.
-
Borboletinha, foi você mesma quem pediu pra voltarmos de carro, porque estava
cansada de “voar”, hã? – Fala Claude, calmamente.
-
Não paramos todas as vezes que você pediu? – Fala Rosa - Só mais um pouquinho,
hum?
-
Você falou isso lááááááá atrás! – Diz, cruzando os braços - E o papai prometeu
me mostrar a casa da Mamãe Natureza! –
Completa em tom de acusação infantil.
-
E eu non esqueci, mocinha! – Fala Claude, olhando-a pelo retrovisor -Tenha um
pouco mais de paciência, d’accord?
-
Por que não paramos pra comer alguma coisa? Assim, você descansa o seu
bumbum... rsrsrsrrs. Que tal? – Diz,
brincando com Fernanda.
-
Ebaaaa!!!! Posso comer bolo de chocolate, bolachinha e Toddynho? E tomar sorvete de morango? E mm
mmm...
-
Pode! – Respondem juntos Claude e Rosa, sabendo que ela não conseguiria terminar sua lista...
Pararam
em Castilho, a última cidade de São Paulo pelo caminho que faziam, antes de entrarem
literalmente em solo sul-matogrossense. De lá, seguiriam praticamente em linha
reta, chegando em Campo Grande, até
alcançar, enfim, Aquidauana.
Era
ainda uma longa jornada. E Claude optou por passar pela Barragem de Três
Lagoas, para deleite de Fernanda, afinal
era caminho mesmo e isso a distrairia mais.
Ao
anoitecer, já estavam além de Campo Grande e procuraram um hotel para passar a
noite. Ligaram para a fazenda, avisando o atraso, explicando que tudo estava
bem. Borboletinha dormia, tranquila, no
outro quarto da suíte. Claude e Rosa também estavam deitados.
-
A pulseira funciona mesmo! Não tive mais enjoos, você percebeu?
-
Oui... – Responde, cruzando os braços sob a cabeça.
Haviam
comprado um mapa, como alternativa, caso o GPS falhasse e Rosa marcava o
caminho que havia feito, anos atrás.
-
Mon Dieu... – Claude diz, pegando o mapa das mãos de Rosa - Você foi muito
corajosa, fazendo esse percurso sozinha, gatinha!
-
Ah! Eu estava tão feliz por ver meu projeto sair do papel, que nem pensei nos
perigos que corria.
-
O maior perigo foi ser atropelada por um motoqueiro irresponsável, “grosso, estúpido e aproveitador de mulheres
indefesas” – Claude diz, lembrando-se das palavras que um dia ela lhe
dissera.
-
Como fui capaz de dizer isso? – Rosa sorri - Você foi o melhor dos perigos desse caminho... – Ela se aconchega lateralmente
ao corpo do marido.
-
Voilá! Isso me alegra muito, hã? –
Responde, livrando-se do mapa e passando o braço em volta dela. - Por que você
non tinha nada de indefesa! Eu nunca tinha
visto uma mulher mais segura, mesmo coberta de lama...
-
E eu nunca tinha visto alguém tão prepotente e arrogan... – Os lábios dele em sua boca sufocaram a
última sílaba.
-
Que foi que estava dizendo? – Sussurrou Claude, ainda roçando seus lábios nos
dela.
-
Que você era cínico, irritante, mal humorado... – Outro beijo e as mãos de
Claude a acariciaram, discretamente - Atrevido, decidido, extremamente sexy e viril...
– Murmurou, totalmente perdida nos braços do marido – Claude, Borboletinha...
-
No outro quarto, chérie... Ela non vai acordar antes do amanhecer...
Na
manhã seguinte, após o desjejum, continuaram a viagem, que estava chegando ao
fim. Num dos entroncamentos de estradas, Rosa observou Claude desviar do caminho.
Fernanda
se divertia com uma revista com figuras e concentrava-se para pintar
corretamente, com todo o capricho.
-
Por que está saindo da estrada principal? - Pergunta Rosa. – Algum problema?
-
Nenhum problema, gatinha! Borboletinha quer conhecer a Mamãe Natureza, que
respondeu ao pedido dela. E conhecer o lugar onde “a pedimos”.
-
Claude, não vá se zangar comigo... Da outra vez, os testes também deram
positivo e eu tive os mesmos sintomas. E na hora do ultrassom... – Para de falar,
soltando um soluço sentido.
-
Rosa, eu entendo que você se lembre daquela gravidez psicológica e fique com o
“pé atrás”, mas isso foi há muito tempo,
hã? Você se fixou na ideia e seu
organismo deu uma resposta...
infelizmente, falsa. Mas agora
non, nosso filho está aqui, d’accord? – Diz firme, colocando a mão sobre o
ventre dela, enquanto esperavam para cruzar um trevo.
-D’accord...
– Murmurou baixinho. - E para onde está nos levando? – Pergunta, limpando as
lágrimas e respirando fundo.
-
Por que non olha o mapa? – Responde, dando uma piscada de olho – Eu marquei,
tentando explicar pra Fernanda, enquanto você tomava banho.
Rosa
pega o mapa que estava dobrado sobre o painel do carro e um sorriso toma conta
de seus lábios ao ver o que ele havia desenhado no mapa.
-Vamos
até a cabana do Pimpinone? Mas é apenas uma trilha, como chegaremos até lá?
-
Era uma trilha, hoje é uma pequena estrada, que corta a Estância. Eu me
informei com o Freitas, ainda quando estávamos em São Paulo.
Alguns
quilômetros depois, estavam entrando na estância, seguindo pela estrada,
conforme Freitas orientara Claude e, em pouco tempo, avistaram a cabana.
-
Pronto, filha, chegamos onde você queria, a casa da Mamãe Natureza! -Fala
Claude, parando o carro.
O
tempo pareceu voltar atrás. A cabana estava impecável. Exceto alguns reparos,
estava tudo igual, como se esperasse pelo retorno deles...
Fernanda
ficou encantada com o lugar. Mas observou que a casa da árvore era mais legal.
Andou pela cabana toda e ao redor dela, voltando para perto dos pais:
-
Por que ela tá escondida, papai? – Pergunta, desapontada.
-
Quem está escondida, filha?
-
A Mamãe Natureza!!! Eu não tô vendo ninguém aqui pra entregar o meu irmãozinho!
Rosa
e Claude sorriem diante da ingenuidade de Borboletinha.
-
É porque ele ainda não está pronto, oui.
Ele ainda tem que crescer, dentro da barriga da mamãe, lembra-se? –
Claude havia lhe explicado alguma coisa sobre isso na França.
-
Então, eu não vou ver a Mamãe Natureza? – Era evidente sua decepção.
-
Meu anjo! – Exclama Rosa – A Mamãe Natureza não é uma pessoa. Ela é assim, como
diria Tia Elisabeth, uma energia, uma força muito boa...
-Ahhhhh!
– Os olhinhos de Fernanda votaram a brilhar – Ela é uma fada! Por isso que não
dá pra ver ela!
-
Isso mesmo, Borboletinha. Ela é invisível como uma fada, não dá pra “vê-la”. Quando
ela fala conosco, fala com o nosso coração, hã? – Confirma Claude, deixando
Rosa admirada.
-
Legal!!!! Será que ela já falou com o coração da sementinha de vocês?
-
Papai e mamãe tem certeza que sim, hã? – Responde Claude - Por que non vamos
até a cachoeira para um banho? - Completa, mudando sutilmente o foco da
conversa.
-
Mas não trouxemos roupa pra isso.... – Argumenta Rosa.
-
Non acha que demorei todo aquele tempo só para comprar revistinhas para
Fernanda, acha? – Pergunta, abrindo a mochila que tirara do carro.
Minutos
depois, enquanto desciam para a cachoeira, Rosa comenta, baixinho, aproveitando
que Fernanda estava à frente deles.
-
Você contou a história da sementinha para ela?
-
Oui. Antes de você fazer aquele teste na França. Ela quis saber como tinha sido
encomendada e como os bebês vão parar dentro da
barriga da mãe...
-
Poxa! – Exclama Rosa, espirituosamente, divertindo-se - E eu perdi essa?
Claude
lhe devolve a careta, respondendo:
-
Non se preocupe! Você vai ter sua
chance, quando ela quiser saber
como eles saem da barriga, hã?
Rosa
pensou numa resposta, mas antes de falar, ouviu Fernanda rindo:
-
Ihhhh!!!! A água tá muito fria, papai! -
E tentava colocar o pezinho na beira da água, tremendo.
-
Voilá! – Respondeu Claude, alcançando-a e entrando até a água chegar em seus
joelhos. Enton, eu acho que non devemos molhar sua mãe! – Concluiu, piscando
para Fer, deslizando suas mãos pela superfície do rio, formando uma onda, atingindo
Rosa, deixando-a totalmente molhada.
-
Mon Dieu! Pardon, chérie, foi sem querer, hã? – Disse, inocentemente, enquanto
Fernanda gargalhava, mas continuava na margem do rio, sem coragem de se molhar.
-
Tenho certeza que foi, amor! - Rosa
respondeu, calma, também piscando para a filha – É claro que eu te perdoo! –
Completou, revidando a brincadeira com Claude.
-
Chérie! Que pardon foi esse que você me deu? Espera! – Diz, olhando para Rosa e
depois para Fernanda – Eu acho que tem alguém muito sequinha ainda, hã?
Quando
Fernanda entende, já era tarde. Jatos
suaves de água a deixaram tão molhada quanto seus pais. Claude a pegou nos
braços e passaram um bom tempo por ali.
Fernanda
perdeu o medo e acostumou-se à temperatura da água. E o que ela mais gostou foi
descobrir a cachoeira com sua ducha de
água cristalina, onde fora encomendada.
O
sol já se escondia no horizonte, atrás de nuvens e de montanhas, tingindo a
tarde de dourado, povoando de sonhos
coloridos o sono de Borboletinha, quando, finalmente, chegavam à fazenda
Pappilon Blue.
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