quinta-feira, 8 de agosto de 2013

FIC - BORBOLETAS NO CORAÇÃO - CAPÍTULO 44 - SÔNIA FINARDI

XLIV

Na manhã seguinte, decidiram ir de carro, para a fazenda.  Claude alugou um veículo e partiram para Aquidauana. Borboletinha protestou ao ser acomodada na cadeirinha, pois não poderia “andar” pelo carro, como fizera no avião.
Isso lhe rendeu uma advertência do pai: fora ela mesma quem pedira pra passear de carro até a fazenda.  Mas tão logo saíram da cidade, passou a se distrair com a paisagem e logo o seu bom humor voltou.
Quanto a Rosa, preferiu manter em segredo dos pais,  o suposto resultado do teste, até que confirmasse com sua médica.
Despediram-se prometendo voltar em breve. Giovanni toca no assunto com Amália.
- Serafina parecia diferente hoje pela manhã, Amália... Mais tranquila, como se um peso tivesse saído de cima dela.
- Você notou também? – Concorda Amália.  – Eu acho que não insistirmos na gravidez a tranquilizou. Bem, eu vou arrumar os quartos.
Quando entrou no quarto, balançou a cabeça. Rosa havia deixado tudo em ordem, inclusive trocado os lençóis da cama e colocado os usados no cesto de roupa no banheiro.
Ao se abaixar para pegar o lixo,  Amália sorriu e entendeu tudo ao ver um copo descartável no cesto de lixo do banheiro e a sua Cândida, esquecida num canto do balcão da pia.
Como era uma longa viagem, revezaram na direção do carro por vários quilômetros, até que precisaram parar para Borboletinha ir ao banheiro, para o número “dois” e os enjoos de Rosa voltaram. Claude precisou assumir sozinho como motorista. As paradas pareciam cronometradas: a cada quarenta minutos de estrada, Rosa passava mal.
Com isso, acabaram  entrando numa cidadezinha para pernoitar. Tomaram um banho, jantaram e até saíram para dar uma volta com Fernanda. Na manhã seguinte, Rosa amanheceu enjoada, com náuseas, sem conseguir evitar  o vômito.
Estavam no jardim de entrada do hotel, prontos para partirem. Rosa tentava arrumar coragem para entrar no carro e enfrentar o restante da viagem, enquanto Claude distraía Borboletinha.
“Se tia Elisabeth estivesse por aqui, já teria me mostrado um caminho...” – Pensa Rosa, distraidamente.
A gerente do hotel, de repente, vem até ela: 
- Se a senhora me permite, eu tinha dois “truques” pra fugir desses incômodos!
- Ah, é? Quais? – Pergunta, realmente interessada.
- O primeiro é muito simples: limão! A senhora já experimentou cheirar limão? Era a única coisa que aliviava a  minha náusea.
- Limão? – Pergunta Rosa, curiosa.
- É, o cheiro do limão ameniza a náusea e o gengibre ou a bala de gengibre,  acalma o estômago. Mas a senhora não deve exagerar no gengibre!
- Oh, obrigada! Eu vou  passar em algum lugar para comprar antes de ir. Foi muita gentileza sua! – Diz, levantando-se para chamar Claude.
- Espere! Caso queira algo mais... “esotérico”, pode comprar uma pulseira anti-enjoo.
- Como disse? – Pergunta, espantada.
- É uma opção alternativa, pra quem  acredita no poder do pensamento, na  energia que nos envolve, na força da natureza... Você está bem? Ficou tão pálida, está com náuseas de novo?
- Não!... É que eu tenho uma tia, quero dizer ela é tia do meu marido, é toda “zen” e eu estava pensando nela nesse momento!  Deixa pra lá... Diga-me, do que se trata?
- Trata-se de um tipo de pulseira de algodão, encontrada em farmácias e muitas vezes em lojas de produtos náuticos. Colocada no pulso, ela tem um botão de plástico, no meio, que exerce uma suave pressão em um ponto de acupuntura do corpo, responsável por produzir a náusea no cérebro. É conhecida como pulseira de acupressão.
- Bem...  O Claude não acredita muito nessas coisas...
- O que foi, Rosa?  Se non está disposta podemos ficar até amanhã por aqui. – Diz Claude, aproximando-se das duas com Fer no colo.
- Não, eu já estou melhor e vou seguir o conselho dessa moça, ela é a gerente do hotel... Ela me deu algumas opções e nós vamos providenciar todas elas!
- O senhor devia acreditar mais no que não vê! – Fala a gerente, sem pestanejar - Na energia da natureza...
- Meu papai acredita, ele conhece até a Fada do Dente! – Fala Fernanda, impulsivamente, levando todos a rirem, desviando o foco da conversa.
- Se está bem, chérie, enton... podemos ir?
- Claro!  - Diz, caminhando para o carro - Mais uma vez obrigada...  que mal educada eu fui!  Nem perguntei seu nome! – completa, já entrando no carro, enquanto agerente ficava  na porta do hotel.
- Meu nome é Elisabete, mas todos me chamam de Bete apenas! Faça uma boa viagem e voltando aqui, estamos à disposição!
- Eu entendi direito? – Pergunta Claude, pasmo – o nome dela é Elisabete?
- Foi o que ela disse! – Responde Rosa, sorrindo. – Surreal, não acha?
Compraram limão,as tais balas de gengibre facilmente. Mas a tal pulseira deu um pouco mais de trabalho. A essa altura, já haviam atrasado a viagem em várias  horas.
Em pouco tempo, Rosa estava disposta e voltou a revezar a direção com Claude. Pararam apenas para o almoço de Borboletinha e no meio da tarde já cruzavam o limite entre São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Fernanda alternava momentos: dormia e despertava. Perguntava onde estavam, se já haviam chegado, se ia demorar muito e, cansada, voltava a adormecer.
- A gente tá chegando em casa,  papai? – Insistia Fernanda.
- Non, filha! Pra chegar em casa, falta muito ainda, hã?
- Mas eu tô cansada de ficar nessa cadeirinha!
- Mas tem que ficar, meu anjo! Pra sua segurança, ok? – Rosa explica mais uma vez a importância da cadeirinha.
- Mas eu quero deitar! O meu bumbum tá cansadinho de ficar sentado! – Diz “revoltada”.
- Borboletinha, foi você mesma quem pediu pra voltarmos de carro, porque estava cansada de “voar”, hã? – Fala Claude, calmamente.
- Não paramos todas as vezes que você pediu? – Fala Rosa - Só mais um pouquinho, hum?
- Você falou isso lááááááá atrás! – Diz, cruzando os braços - E o papai prometeu me mostrar a casa da  Mamãe Natureza! – Completa em tom de acusação infantil.
- E eu non esqueci, mocinha! – Fala Claude, olhando-a pelo retrovisor -Tenha um pouco mais de paciência, d’accord?
- Por que não paramos pra comer alguma coisa? Assim, você descansa o seu bumbum... rsrsrsrrs.  Que tal? – Diz, brincando com Fernanda.
- Ebaaaa!!!! Posso comer bolo de chocolate, bolachinha e  Toddynho? E tomar sorvete de morango? E mm mmm...
- Pode! – Respondem juntos Claude e Rosa, sabendo que ela não  conseguiria terminar sua lista...
Pararam em Castilho, a última cidade de São Paulo pelo caminho que faziam, antes de entrarem literalmente em solo sul-matogrossense. De lá, seguiriam praticamente em linha reta, chegando em  Campo Grande, até alcançar, enfim, Aquidauana.
Era ainda uma longa jornada. E Claude optou por passar pela Barragem de Três Lagoas, para deleite de  Fernanda, afinal era caminho mesmo e isso a distrairia mais.








Ao anoitecer, já estavam além de Campo Grande e procuraram um hotel para passar a noite. Ligaram para a fazenda, avisando o atraso, explicando que tudo estava bem.  Borboletinha dormia, tranquila, no outro quarto da suíte. Claude e Rosa também estavam deitados.
- A pulseira funciona mesmo! Não tive mais enjoos, você percebeu?
- Oui... – Responde, cruzando os braços sob a cabeça.
Haviam comprado um mapa, como alternativa, caso o GPS falhasse e Rosa marcava o caminho que havia feito, anos atrás.
- Mon Dieu... – Claude diz, pegando o mapa das mãos de Rosa - Você foi muito corajosa, fazendo esse percurso sozinha, gatinha!
- Ah! Eu estava tão feliz por ver meu projeto sair do papel, que nem pensei nos perigos que corria.
- O maior perigo foi ser atropelada por um motoqueiro irresponsável, “grosso, estúpido e aproveitador de mulheres indefesas” – Claude diz, lembrando-se das palavras que um dia ela lhe dissera.
- Como fui capaz de dizer isso? – Rosa sorri - Você foi o melhor dos perigos desse caminho... – Ela se aconchega lateralmente ao corpo do marido.
- Voilá! Isso me alegra muito, hã?  – Responde, livrando-se do mapa e passando o braço em volta dela. - Por que você non tinha nada de indefesa!  Eu nunca tinha visto uma mulher mais segura, mesmo coberta de lama...
- E eu nunca tinha visto alguém tão prepotente e arrogan...  – Os lábios dele em sua boca sufocaram a última sílaba.
- Que foi que estava dizendo? – Sussurrou Claude, ainda roçando seus lábios nos dela.
- Que você era cínico, irritante, mal humorado... – Outro beijo e as mãos de Claude a acariciaram, discretamente - Atrevido, decidido, extremamente sexy e viril... – Murmurou, totalmente perdida nos braços do marido – Claude, Borboletinha...
- No outro quarto, chérie... Ela non vai acordar antes do amanhecer...


Na manhã seguinte, após o desjejum, continuaram a viagem, que estava chegando ao fim. Num dos entroncamentos de estradas, Rosa observou Claude  desviar do caminho.
Fernanda se divertia com uma revista com figuras e concentrava-se para pintar corretamente, com todo o  capricho.
- Por que está saindo da estrada principal? - Pergunta Rosa. – Algum problema?
- Nenhum problema, gatinha! Borboletinha quer conhecer a Mamãe Natureza, que respondeu ao pedido dela. E conhecer o lugar onde “a pedimos”.
- Claude, não vá se zangar comigo... Da outra vez, os testes também deram positivo e eu tive os mesmos sintomas. E na hora do ultrassom... – Para de falar, soltando um soluço sentido.
- Rosa, eu entendo que você se lembre daquela gravidez psicológica e fique com o “pé atrás”, mas  isso foi há muito tempo, hã?  Você se fixou na ideia e seu organismo deu uma resposta...  infelizmente, falsa.  Mas agora non, nosso filho está aqui, d’accord? – Diz firme, colocando a mão sobre o ventre dela, enquanto esperavam para cruzar um trevo.
-D’accord... – Murmurou baixinho. - E para onde está nos levando? – Pergunta, limpando as lágrimas e respirando fundo. 
- Por que non olha o mapa? – Responde, dando uma piscada de olho – Eu marquei, tentando explicar pra Fernanda, enquanto você tomava banho.
Rosa pega o mapa que estava dobrado sobre o painel do carro e um sorriso toma conta de seus lábios ao ver o que ele havia desenhado no mapa.


-Vamos até a cabana do Pimpinone? Mas é apenas uma trilha, como chegaremos até lá?
- Era uma trilha, hoje é uma pequena estrada, que corta a Estância. Eu me informei com o Freitas, ainda quando estávamos em São Paulo.
Alguns quilômetros depois, estavam entrando na estância, seguindo pela estrada, conforme Freitas orientara Claude e, em pouco tempo, avistaram a cabana.
- Pronto, filha, chegamos onde você queria, a casa da Mamãe Natureza! -Fala Claude, parando o carro.
O tempo pareceu voltar atrás. A cabana estava impecável. Exceto alguns reparos, estava tudo igual, como se esperasse pelo retorno deles...
Fernanda ficou encantada com o lugar. Mas observou que a casa da árvore era mais legal. Andou pela cabana toda e ao redor dela, voltando para perto dos  pais:
- Por que ela tá escondida, papai? – Pergunta, desapontada.
- Quem está escondida, filha?
- A Mamãe Natureza!!! Eu não tô vendo ninguém aqui pra entregar o meu irmãozinho!
Rosa e Claude sorriem diante da ingenuidade de Borboletinha.
- É porque ele ainda não está pronto, oui.  Ele ainda tem que crescer, dentro da barriga da mamãe, lembra-se? – Claude havia lhe explicado alguma coisa sobre isso na França.
- Então, eu não vou ver a Mamãe Natureza? – Era evidente sua decepção.
- Meu anjo! – Exclama Rosa – A Mamãe Natureza não é uma pessoa. Ela é assim, como diria Tia Elisabeth, uma energia, uma força muito boa...
-Ahhhhh! – Os olhinhos de Fernanda votaram a brilhar – Ela é uma fada! Por isso que não dá pra ver ela!
- Isso mesmo, Borboletinha. Ela é invisível como uma fada, não dá pra “vê-la”. Quando ela fala conosco, fala com o nosso coração, hã? – Confirma Claude, deixando Rosa admirada.
- Legal!!!! Será que ela já falou com o coração da sementinha de vocês?
- Papai e mamãe tem certeza que sim, hã? – Responde Claude - Por que non vamos até a cachoeira para um banho? - Completa, mudando sutilmente o foco da conversa.
- Mas não trouxemos roupa pra isso.... – Argumenta Rosa.
- Non acha que demorei todo aquele tempo só para comprar revistinhas para Fernanda, acha? – Pergunta, abrindo a mochila que tirara  do carro.
Minutos depois, enquanto desciam para a cachoeira, Rosa comenta, baixinho, aproveitando que Fernanda estava à frente deles.
- Você contou a história da sementinha para ela?
- Oui. Antes de você fazer aquele teste na França. Ela quis saber como tinha sido encomendada e como os bebês vão parar dentro da  barriga da mãe...
- Poxa! – Exclama Rosa, espirituosamente, divertindo-se - E eu perdi essa?
Claude lhe devolve a careta, respondendo:
- Non se preocupe! Você vai ter sua  chance, quando ela  quiser saber como eles saem da barriga, hã?
Rosa pensou numa resposta, mas antes de falar, ouviu Fernanda rindo:
- Ihhhh!!!! A água tá muito fria, papai!  - E tentava colocar o pezinho na beira da água, tremendo.
- Voilá! – Respondeu Claude, alcançando-a e entrando até a água chegar em seus joelhos. Enton, eu acho que non devemos molhar sua mãe! – Concluiu, piscando para Fer, deslizando suas mãos pela superfície do rio, formando uma onda, atingindo Rosa, deixando-a totalmente molhada.
- Mon Dieu! Pardon, chérie, foi sem querer, hã? – Disse, inocentemente, enquanto Fernanda gargalhava, mas continuava na margem do rio, sem coragem de se molhar.
- Tenho certeza que foi, amor!  - Rosa respondeu, calma, também piscando para a filha – É claro que eu te perdoo! – Completou, revidando a brincadeira com Claude.
- Chérie! Que pardon foi esse que você me deu? Espera! – Diz, olhando para Rosa e depois para Fernanda – Eu acho que tem alguém muito sequinha ainda, hã?
Quando Fernanda entende, já era tarde.  Jatos suaves de água a deixaram tão molhada quanto seus pais. Claude a pegou nos braços e passaram um bom tempo por ali.
Fernanda perdeu o medo e acostumou-se à temperatura da água. E o que ela mais gostou foi descobrir a cachoeira com sua  ducha de água cristalina, onde fora encomendada.


O sol já se escondia no horizonte, atrás de nuvens e de montanhas, tingindo a tarde de dourado, povoando  de sonhos coloridos o sono de Borboletinha, quando, finalmente, chegavam à fazenda Pappilon Blue.


Nenhum comentário:

Postar um comentário