quinta-feira, 22 de agosto de 2013

FIC - BORBOLETAS NO CORAÇÃO - CAPÍTULO 46 (ÚLTIMO) - SEGUNDA PARTE - AUTORA: SÔNIA FINARDI

XLVI

Sua última tarefa a estava deixando estressada. Havia feito um edital, há dias e publicado nos principais jornais, num anúncio, que a Fazenda  estaria selecionando candidatos à vaga de médico para o  ambulatório do parque e até agora nenhum dos  interessados na vaga detinha todos os requisitos. A maioria era ainda estudante e queria apenas um estágio, que contasse como residência ou não dispunham de tempo integral.
Recebera uma inscrição, na verdade um email, de um médico do Rio de Janeiro interessado na vaga. Enviou resposta, marcando uma videoconferência, para a entrevista, mas não pudera fazê-la pessoalmente. Pimpinone o entrevistara e tinham acertado tudo para sua chegada. Mas ele estava atrasado.  Com certeza, por causa das festas de  fim de ano. Ninguém gosta de passá-las longe da família e o interessado teria que iniciar imediatamente.
E seu tempo estava acabando, pois Pimpinone, que cuidara disso desde a abertura do parque, estava se aposentando de vez. E ficar sem esse atendimento, poderia significar a interdição temporária do parque. Tera não podia nem sonhar com isso!
Então, João Marcos irritou-se e resmungou em sua língua, por não conseguir abrir o copo e, usando toda força que tinha, finalmente, conseguiu. E sorriu.  Mas o sorriso durou pouco: a boca do copo bateu em seu próprio queixo. Choramingou e não quis saber dos agrados da mãe nem da irmã. Só parou quando Claude o distraiu, brincando de cavalinho.
Pouco depois, Terezinha chegou e juntou-se a eles, para uma xícara de café. Depois, insistiu em levar os sobrinhos até o parque, a poucas quadras dali.
- Claude – Começou Rosa, enquanto entravam em casa, depois de dar tchau às crianças– Já se decidiu sobre ser candidato? Não é agora no fim do ano que tem que dar o passo final?
- É sim, gatinha.  A maioria do partido está insistindo muito para que eu aceite. Mas eu non sei... Ainda tenho dúvidas. Será que isso será bom pra você e para as crianças?
- Como diz tia Elisabeth, faça o que seu coração mandar. Eu estarei ao seu lado, qualquer que seja sua decisão, ok? – Diz Rosa, segurando a mão do marido. – Eu e seus dois filhos.
- Eu ainda tenho alguns dias para me decidir. A convenção final é depois do aniversario de Ursinho... – Diz, envolvendo-a pela cintura. – No momento, estou pensando seriamente em outra coisa.
- Ah, é? No que, na festa do Ursinho?
- Non... Em beijar você, chérie.  – Diz, beijando-a levemente nos lábios -  E quem sabe dá tempo de  uma festinha particular, hã? – Completa antes de aprofundar o beijo.
***
Terezinha chegou na esquina e  olhou para todos os lados.  Era uma linda manhã de domingo e o trânsito praticamente vazio. Não havia sinal de carro vindo naquela direção. O parquinho era do outro lado da rua. Segurou firme na mão de Fernanda e começou a atravessar  na faixa, segurando João no outro braço, tranquilamente.  De repente, viu um carro surgir do nada e deu uma olhada no sinal para pedestres, vendo horrorizada que ele acabava de mudar!
Correu os dois metros que faltavam, o coração aos  saltos. Ouviu a brecada seca e uma exclamação logo atrás de si.
-Sua louca! O que pretendia atravessando a rua desse jeito? – Começa a falar o motorista, abrindo a porta, erguendo-se e  encarando-a – Matar você e seus dois filhos?
- Louca, eu? – Respondeu, mal vendo o rosto do homem que gritava com ela - O sinal estava aberto para mim e eu estava na faixa! E eles não são meus filhos!
- “Estava” - passado. – Responde grosseiramente, fazendo uma careta, como se sentisse dor - E quem foi o incauto que os deixou sobre os seus  cuidados?
- Oras, seu...  – Encarou-o também e um arrepio percorreu sua espinha – Onde pensa que está? Num circuito de fórmula um? Vem cá, quanto você pagou pra ter sua habilitação liberada? 
- Muito menos do que você deve ter pago pra conseguir a sua de “pedestre”!  - Rebate o estranho, entrando no carro, batendo a porta e saindo, cantando o pneu.
- Tia Tera, porque  esse homem gritou com você? – Pergunta Fernanda.
- Por que é um mal-educado, Fer! Um estúpido que não sabe respeitar as regras de trânsito, nem uma mulher com duas crianças... Vamos balançar e brincar na areia? – Pergunta, tirando o assunto do foco e entrando no parque.
Ainda bem que a rua estava vazia, pensou. Uma vergonha a menos. Contou o acontecido à Rosa, quando chegou e naquela noite sonhou que era atropelada por um certo desconhecido de olhos azuis.
***
Dois dias depois, Rosa estava com as crianças numa consulta rotineira. Claude a acompanhava. Terezinha havia combinado de voltar ali para encontrá-los. Iria dar uma olhada nas vitrines.
Olhou tantas, que perdeu a hora. Quando percebeu, já passara da hora marcada. Correu até a clínica e entrou, apressada.
Dirigiu-se à atendente, perguntando sobre Rosa. A resposta a tranquilizou. As consultas estavam atrasadas e Rosa ainda estava com o pediatra.
- Obrigada! Agradeceu, dando um passo para trás na intenção de sentar, pisando em algo macio. Escutou uma exclamação de dor logo acima de sua cabeça e, tarde demais, percebeu aquela figura masculina, estranhamente familiar.
Girou o corpo e tudo aconteceu muito depressa: mãos fortes e firmes agarraram seus braços e quase a tiraram do chão.
O estranho a mantinha presa, agora bem mais próxima de seu corpo. Só, então, o encarou e encontrou aquele par de olhos azuis, fitando-a com hostilidade.
- Algumas mulheres deviam avisar suas más intenções. Principalmente ao usarem salto alto – Disse ele com os dentes cerrados – Assim nos defenderíamos melhor!
Terezinha o olhou melhor e seu cérebro registrou a imagem de uma forma  cuidadosa: camisa branca bem  cortada, moldando o porte atlético do tórax, cabelos castanhos claros, o rosto bronzeado, levemente vermelho nas bochechas no momento...  E uma boca muito sensual, apesar de totalmente crispada pela raiva, pensou.
Não era possível!  Aquele era o motorista de outro dia! Respirou fundo e respondeu o mais controlada possível:
- Se não estivesse tão colado em mim, jamais teria experimentado isso! Mas se me soltar– E lançou um olhar para as mãos dele, que ainda a seguravam - prometo ficar longe de você, para sempre!
O estranho a soltou imediatamente. Alguém apareceu em seu campo de visão, segurando uma bengala de madeira, entregando-a ao estranho que a pegou sem desviar os olhos de Terezinha.
Nesse instante, ela desejou virar fumaça. Havia pisado com um salto nada modesto no pé dele... Um pé machucado! Seu rosto esquentou e ficou sem saber como pedir desculpas.
-Você não é uma enfermeira, é? Porque eu me recusaria a ser atendido por você!
- Eu... Desculpe-me, não tinha reparado em seu pé! – Disse, sentindo culpa realmente.
- Desculpa por qual motivo? Por não ser enfermeira, por ter pisado no meu pé? –Perguntou ele sem se comover. – Ou por atravessar uma rua sem olhar? Ah, e “para sempre” é muito tempo!
Então, ele também a reconhecera! Terezinha deixou de lado o sentimento de culpa. Ergueu a cabeça e o seu lado Rosa Petroni agiu rapidamente:
- Quer saber mesmo?  Por nenhum dos três! E que pena que não pisei em seu outro pé!
E sem lhe dar tempo de  retrucar, caminhou em direção a Claude, Rosa e  as crianças, que saíam do consultório, batendo os saltos altos com força no chão, sem deixar de notar os olhares de todos sobre si. Que diabos tinha acontecido com ela? Nunca fora tão mal educada e impertinente!
Essas eram  “qualidades” atribuídas à Rosa.
Ele bem que mereceu! Precisava ter feito toda aquela tempestade por um incidente tão pequeno?Alto, bonito, bronzeado... Grosso, arrogante  e antipático, isso sim, Terezinha!
Saiu da clínica, de mãos dadas com Fernanda, sem olhar para o desconhecido.
- Tia Tera, o papai vai levar a gente pra tomar sorvete, você quer ir também?
- Claro que sim! Eu adoro sorvete!
Mas se tivesse olhado, o veria seguir seus movimentos atentamente e com um certo interesse.
***
A festa de aniversário de João Marcos foi fantástica. A presença dos avós, de ambos os lados e todos os demais parentes abrilhantou ainda mais as  travessuras do pequeno, ao lado de Borboletinha, que não perdia o posto de princesa e dos primos, tão arteiros quanto ela.
Desta vez, contrataram a decoração do salão. O tema não poderia ser outro: ursinhos. E muito azul e branco, para preservar a tradição das cores. Mas docinhos, bolo e salgadinhos ficaram por conta de Dadi, Elisa, Joanna e Amália. Entre os convidados, estavam o prefeito, Afrânio Marques, que havia sido  reeleito e agora apoiava a  pretensa candidatura de Claude; Rodrigo e Sílvia;  Freitas e  esposa, entre outros amigos.



João Marcos, apesar de passar de colo em colo, quando colocado no chão dava seus passinhos hesitantes,  ainda de mãos dadas, principalmente com o pai. Lutava contra a falta de confiança e equilíbrio do próprio corpo. Caminhava devagar, desfilando seus sapatinhos especiais -  um dos presentes da tia-avó  Elisabeth.


Todos partiram para a fazenda ao findar da festa de aniversário. Apenas Terezinha iria no outro dia, pois seu carro estava  na oficina, para uma revisão. Esperava voltar e encontrar o tal médico do Rio de Janeiro
Já havia verificado no site do CRM e nas clínicas indicadas e as  referências eram as melhores. Se ele não viesse mais, teria que arrumar alguém em caráter emergencial. Talvez vários estagiários, com horários alternados. Mas não era a solução ideal. Precisava de alguém efetivo, que se dedicasse exclusivamente ao parque.
Claude e Rosa iriam no dia seguinte, após a reunião, a um jantar com o  partido,  a convenção interna;  onde Claude  assumiria sua candidatura à prefeito, tendo Freitas como vice. Conversara muito com Rosa e com o pai e decidira pela disputa.
***
- Pronto, Terezinha. Está tudo aí dentro, hã? – Disse Claude, fechando o porta-malas do carro dela.
- Obrigada, Claude! Nos vemos amanhã, então? –Pergunta, abraçando-o, depois a Rosa.
- Amanhã, Tera! E, então, será a minha vez de ter férias! Eu nem acredito! Um mês inteirinho na fazenda!
- Muito bem, podemos ir, Terezinha! – disse tia Elisabeth, saindo da casa – Terminei seu mapa astral! Segundo ele, sua alma gêmea está mais perto do que  você pensa.
- Mon Dieu! Tia Elisabeth, Terezinha precisa apenas de companhia para a viagem, hã?  Non de simpatias e previsões cabalísticas!
- E foi por isso que fiquei, meu anjo! – Diz, apertando as bochechas dele. – Au revoir, darlings! –
- Titia, isso ainda dói, d’accord?  - Diz Claude, esfregando o local, sob o olhar divertido de todos.
Elisabeth entra no carro e antes que Terezinha saia, ainda a escutam falar:
- Se você seguir os meus conselhos, honey, não se arrependerá! Já lhe contei sobre Claude e Rosa? O mapa deles era perfeito, nasceram  um para o outro e mm ..mmm..mm...
Assim que o carro vira a esquina, Claude abraça Rosa.
- Que tal mais um café, antes que eles acordem? – Diz, enquanto caminham para dentro de casa.
- Ah, eu acho que eles não acordam tão cedo! Farrearam até tarde da noite com os brinquedos, Tera e tia Elisabeth.
- Nesse caso, depois do café, a gente podia inventar o que fazer, hã? – Diz, segurando-a pela cintura firmemente, já dentro da sala.
- Claude, ainda tenho que ajeitar a roupa do jantar para o futuro prefeito de Aquidauana.
- Voilá, está se adiantando, chérie! Eu nem me candidatei ainda, hã?
- Mas é unanimidade, não é? – Disse sorrindo.
- A única unanimidade que eu quero é você na nossa cama. E agora, d’accord? – Respondeu, pegando-a nos braços e caminhando para o quarto.
- Ei e quanto ao café? – Pergunta “ingenuamente”.
- Esqueça o café, d’accord? Eu tenho algo mais gostoso pra dividir contigo...
***
Terezinha diminuiu a velocidade do carro de repente.
- Droga! – Protestou - Tia Elisabeth, esqueci nossa água. Se importa se eu  parar por dois minutos pra comprar?
- Eu me importaria de não ter água, darling. – Diz simpática.
- Ótimo. Vou comprar nessa cafeteria mesmo. – Diz, estacionando o carro com uma balisa perfeita. – Quer alguma coisa?
- Não, meu bem! Mas a próxima parada fica por minha conta, ok? – Fala, referindo-se ao almoço pela estrada.
Terezinha entrou.  E foi então que o viu, sentado confortavelmente à mesa do canto. Estacou momentaneamente, perdendo a concentração. Ele a mediu dos pés à cabeça, enquanto levava a xícara até a boca. Então sorriu de forma enigmática e fez um gesto, oferecendo a ela.
Mas era só o que faltava! Depois de tanta grosseria, aquele estranho ainda tinha o desplante de flertar com ela! Girou os calcanhares e foi direto à geladeira, na lateral da loja. Pegou cinco garrafas de água e dirigiu-se ao caixa. Pagou, conferiu o troco e pegou a sacola onde embalaram o produto.
Então, notou a sombra e escutou aquela voz ligeiramente sarcástica.
- Eu deveria saber, para sempre não existe! Acho que se eu ficar ao seu lado não corro nenhum risco, não é? Afinal foi uma balisa e tanto a que fez!
Então, ele deixou uma cédula em cima do balcão e saiu mancando, mas sem o apoio da bengala. Voltou para o carro e, depois de entrar, notou pelo retrovisor que ele montava em uma moto potente, mais atrás.
- Algum problema, querida? –Perguntou Elisabeth.
- O quê? Ah, não tia Elisabeth... – Responde, sem tirar os olhos do retrovisor,  observando-o colocar o capacete.  Deu a partida no carro.
Mas que droga! Até parece que combinamos!” – Pensa ao vê-lo sair ao mesmo tempo.
Percorreu algumas quadras, que dariam  acesso à estrada e constatou que ele continuava logo atrás.
Era só o que faltava... Ser seguida por esse insuportável!” – Pensou com o coração acelerado. Mas então, no cruzamento seguinte, ele virou à esquerda. Respirou profundamente e não soube se foi de alívio ou de decepção...
***
- Droga de GPS! – Exclamou Beto, parando a moto no acostamento. – Olhou em volta e suspirou, soltando o ar, irritado.
Já não bastava a dor que sentia no pé, ainda essa! Fez uma careta ao descer da moto e  firmar o pé no chão.  Quase quebrara o pé quando derrapou para  desviar de um animal na pista, na entrada da cidade, prensando-o sob a moto. 
Por conta disso, estivera por quinze dias em Aquidauana, onde planejara  passar apenas uma noite. Seu pé e a moto necessitaram de consertos. Por sorte, o mecânico lhe emprestara um carro nesse período.
Não fosse aquela louca, presenteando-lhe com um pisão, por sinal nada fraco, depois de uma semana sem poder mexê-lo, já estaria em seu destino. Mas agora, estava atrasado em uma semana. Enviara um e-mail para a responsável  pela fazenda, mas  não tinha visto nenhum contato novo por parte dela. Talvez pensasse que tinha desistido.
Pensou tudo isso, enquanto tirou o capacete e olhou a sua volta. Estava literalmente perdido no meio do nada! Ou melhor, no meio de tudo! Era justamente aquilo que procurava: a calma e a tranqüilidade de um lugar perto da natureza.
O Rio de Janeiro tinha suas qualidades e facilidades, mas, com certeza, não sentiria falta do trânsito, nem dos arrastões e muito menos das balas perdidas, como aquela que  atingira Erci, dois anos atrás.
É, trabalhar nessa fazenda teria suas compensações, considerou. Contanto que não cruzasse com uma certa morena  de salto  alto... Mas que diabos estou pensando? É claro que não cruzaria, ela era uma moça da cidade.
Balançou a cabeça, como se tentasse jogar esses pensamentos pra fora dela e tentou entender o que acontecia com o GPS. Passou alguns minutos  apertando  os botões e  constatou que  o sistema  estava desconfigurado. Ficou tão alheio à sua volta, tentando arrumar, que só percebeu o  carro, quando ouviu:
- Boa tarde, com problemas, moço? – Perguntou Pimpinone ao desconhecido, sentado ao lado de uma moto. – Melhor não se arriscar, pois  vai escurecer rapidamente.
- Boa tarde!  – Respondeu Beto, erguendo a cabeça no susto -  Meu GPS pifou antes que eu chegasse ao meu destino, a  fazenda Papillon Blue. Pode me ajudar?
- Você não me é estranho, rapaz!  - Diz Pimpinone, estreitando os olhos -  Claro! Você é o médico que vai me substituir!
- E o senhor, o médico que me entrevistou! Que prazer conhecê-lo pessoalmente!
- Muita sorte a sua, hem? – Diz, sorrindo como era seu costume – Estou voltando pra ela agora mesmo! É só me seguir.
- E estamos esperando o quê? – Pergunta Beto, recolocando o capacete e subindo na moto.
Em segundos, estava de novo na estrada, seguindo Pimpinone rumo ao seu novo emprego. Quando finalmente chegaram à sede, já era noite e não havia ninguém na administração.
Notou o carro de Terezinha, mas sem querer incomodá-la pelo adiantado da hora, Pimpinone sugeriu então que ele passasse a noite em seu chalé, que seria dele mesmo dali para a frente e na manhã seguinte, resolveriam as pendências da contratação diretamente com Terezinha. Depois de  instalado, passaram boa parte da  noite, conversando, enquanto jantavam.
Antes de se deitar, Beto saiu na varanda do chalé, apreciando a noite: um céu estrelado e uma lua imensa. E no lugar da solidão, que muitos disseram que ia sentir, uma sensação de paz, de quem realmente chega em casa.

Continua...

NA PRÓXIMA SEMANA, NÃO PERCAM A PARTE FINAL DO ÚLTIMO CAPÍTULO DESSA FIC!

Nenhum comentário:

Postar um comentário