terça-feira, 21 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - CAPÍTULO 73 - TONI FIGUEIRA


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 73

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Glória Menezes
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Lia  -  Arlete Salles
Dirce  - Sônia Ferreira
Ivanzinho  - Rogério Pitanga


CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

A NOTÍCIA CORREU CÉLERE E, EM POUCAS HORAS, TODA A CIDADE TOMAVA CONHECIMENTO DO TRÁGICO INCIDENTE DE PORTO AZUL. LIA ACHOU MELHOR ESCONDER O FATO DE OTTO MULLER. SUAS CONDIÇÕES FÍSICAS NÃO LHE PERMITIAM SOFRER UM CHOQUE DE TAMANHA RUDEZA. A MORTE DO GAROTO PODERIA LEVÁ-LO AO DESESPERO, PENSAVA ELA.

PAULUS  -  (com um ar absolutamente neutro) O pior é que parece que Ester desapareceu com o menino. Foi a notícia que me trouxeram de lá.

LIA  -  (evitou encarar o advogado) Vou ficar com Otto. Não vamos dar esta notícia a ele agora.

PAULUS PEGOU O TELEFONE E DISCOU UM NÚMERO. SURPREENDEU-SE COM A PRESENÇA DESAGRADÁVEL DA ENFERMEIRA DO CHEFÃO. FITOU-A COM UMA RUGA DE INQUIETAÇÃO. DIRCE ADIANTOU-SE ATÉ O MEIO DA SALA E DIRIGIU-SE A ELE.

DIRCE  -  Dr. Paulus! Eu... preciso lhe dizer uma coisa!

ALGUÉM DO LADO DE LÁ DA LINHA ATENDEU AO CHAMADO DO ADVOGADO. ELE AJEITOU OS ÓCULOS ESCUROS E, MECANICAMENTE, DIALOGOU COM O INTERLOCUTOR.

PAULUS  -  Alô! É o detetive Homero? Ahn... Homero, é um caso pra ti, rapaz. Preciso que me encontre o causador de uma desgraça na praça de Porto Azul. Uma investigação particular. Desejo encontrar o miserável que atirou a esmo e acertou numa criança. Você já deve ter tomado conhecimento. Toda Florianópolis já sabe do fato. O que não falta é jornalista na esteira dos acontecimentos. Farejam tudo... Sim... encontre-se comigo na delegacia de Porto Azul, dentro de... (olhou o relógio de pulso) dentro de meia hora, mais ou menos. Vou pra lá de carro correndo. Tá?

DIRCE  -  (insistiu, encabulada) Dr. Paulus... eu preciso lhe fazer uma confissão!

PAULUS  -  Que confissão... mulher?

DIRCE  -  (mal podia falar; tremiam-lhe os lábios e o queixo) Ouça, Dr. Paulus! Eu necessito lhe dizer uma coisa... senão... senão, não tenho mais sossego... nunca mais na minha vida!

PAULUS  -  (impacientou-se) Diga logo! Diga!

DIRCE  -  Tudo isto que está acontecendo... a revolta de Conceição... a consequente violência que atingiu Dona Ester... tudo isso... não tem razão de ser. Porque acusam o Dr. Cyro de um crime que ele não cometeu!

PAULUS  -  (ordenou, autoritário) Explique-se!

DIRCE  -  Dr. Cyro... está inocente. Aqueles exames... digo, as provas... que podem confirmar sua inocência no caso do doador... estão comigo!

A SURPRESA IMOBILIZOU POR ALGUNS SEGUNDOS O ASSECLA DE OTTO MULLER. ESTAVA PERPLEXO.

PAULUS  -  Com você?

DIRCE  -  É. Fui eu que roubei as provas do cofre do Hospital... a pedido de... Godoy!

PAULUS  -  Bem... até aí, nada demais. Godoy sabia o que estava fazendo.

DIRCE  -  Godoy só queria comprometer o Dr. Cyro! Eu acreditei nele... pensei que ajudando ia lucrar alguma coisa... Ele me fez mil promessas... que não cumpriu. Godoy me deu o fora e me abandonou. E eu não tenho mais nenhuma razão de continuar ocultando as provas a favor do Dr. Cyro.

PAULUS  -  (segurou com força as duas mãos da enfermeira) Tem sim, sua idiota. Nesta altura, você não vai salvar o Dr. Cyro de coisa nenhuma. Vai é complicar mais a história. Porque agora não interessa mais provar que Cyro é inocente. Interessa saber quem matou o filho de Ester!

O ADVOGADO DEU MEIA VOLTA E BUSCOU A PORTA DE SAÍDA. DIRCE CORREU E DETEVE-O.

DIRCE  -  Dr. Paulus... tudo isso faz parte de uma mesma trama, de um mesmo jogo... de um mesmo interesse!

PAULUS  -  (transtornado) O que você quer dizer com isso?

DIRCE  -  Godoy, o senhor e o senhor Otto Muller, os três tinham interesse em eliminar o Dr. Cyro!

PAULUS  -  Não seja estúpida! Eu não ia mandar atirar a esmo, como fizeram! Eu não ia atingir inocentes, para que pagassem pelos erros de Cyro!

DIRCE  -  Eu não quero acusar ninguém. Só desejo que todos saibam... eu tenho os exames comprovadores da inocência dele. Estão comigo... e eu não os darei a ninguém.

PAULUS  -  (possesso, agarrou-a pelo braço) Pois bem. Mostre os exames à polícia. Inocente Cyro. Sabe o que vai acontecer? (fez um X com os dedos) Irá parar no xadrez. Isto que você praticou tem um nome. Chama-se crime. Entendeu bem? Crime de calúnia e roubo!

AFASTOU-SE NUM REPELÃO. A JOVEM EQUILIBROU-SE PARA NÃO CAIR. PAULUS ABANDONOU A SALA, COLÉRICO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  CASA DE ESTER  -  SALA  INTERIOR  -  NOITE

ERA NOITE.

O TELEFONE TOCAVA INSISTENTEMENTE, MAS A MULHER IGNORAVA-O, COMO SE O RUÍDO NÃO ATINGISSE SEUS OUVIDOS. APENAS A LUZ BAÇA DE UM ABAJUR ILUMINAVA A SALA BEM DECORADA.

ESTER AJOELHARA-SE E FIXAVA UM PONTO QUALQUER NO ALTO DA PAREDE, ENQUANTO SEUS PENSAMENTOS DESORDENAVAM-SE, RETROCEDENDO AOS ÚLTIMOS DIAS.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CASA DE BÁRBARA  -  JARDIM  -  EXTERIOR  -  NOITE

CYRO OLHOU UM PONTO QUALQUER NOS CÉUS. NA TELA ESCURA DA NOITE, A IMAGEM DA MULHER APARECEU-LHE NÍTIDA, AJOELHADA, DESESPERADA. CYRO VALDEZ FORÇOU O PENSAMENTO. ERA PRECISO COMUNICAR-SE COM ELA, ONDE ESTIVESSE. OS OLHOS DO MÉDICO PERMANECIAM PRESOS NO HIPOTÉTICO PONTO ESPACIAL. E SEUS LÁBIOS COLADOS. EXPRESSÃO SEVERA.

CYRO  -  Ester! Ester! Eu sei que você está aí...

CORTA PARA:

CENA 4  -  CASA DE ESTER  -  EXTERIOR  -  NOITE

EM POUCOS MINUTOS, O CARRO FREOU DIANTE DA LUXUOSA RESIDENCIA DO OUTEIRO. CYRO DESCEU E COMO UM ALUCINADO, LANÇOU-SE PORTÃO ADENTRO, ATÉ A PORTA DE ENTRADA. BATEU COM FORÇA.

CYRO  -  Ester! Abra, por favor! Se você não abrir, eu vou arrombar a porta!

CENA 5  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

ELA LEVANTOU-SE LENTAMENTE E RODOU A CHAVE NA FECHADURA. O MÉDICO APROXIMOU-SE, COM A PERNA FERIDA, ANDANDO COM DIFICULDADE. O FERIMENTO O INCOMODAVA MUITO. TENTOU ABRAÇAR A ESPOSA. ELA RECUOU, ENOJADA.

ESTER  -  Não me toque!

CYRO  -  Me deixe fazer alguma coisa por você.

ESTER  -  Por mim não há nada a fazer. Faça por ele. (apontou o corpinho inerte no sofá) Examine-o.

CYRO DEBRUÇOU-SE SOBRE O PEITO DO MENINO. AUSCULTOU-O POR ALGUNS SEGUNDOS. INÚTIL, SABIA DE ANTEMÃO. HAVIA HORAS QUE A BALA ASSASSINA O ATINGIRA NO CORAÇÃO. UM FURO DE NADA.

CYRO  -  (sem mentir) Não adianta mais, Ester!

ESTER  -  Você pode ressuscitá-lo!

CYRO  -  Impossível!

ESTER  -  Para você... existe o impossível?

CYRO LEVANTOU-SE, GEMENDO COM A DOR NA PERNA FERIDA.

CYRO  -  Ester... eu... sou um homem! Não sou Deus!

ESTER  -  Eu sei que você não é um deus... mas em outras ocasiões tem mostrado não ser um homem comum. Você pode, quando você quer!

PELO OLHAR DESVAIRADO, O MÉDICO DIAGNOSTICARA O ESTADO DE EXCITAÇÃO, DE LOUCURA, QUE DOMINAVA A JOVEM MULHER. O CHOQUE ABALARA-A PROFUNDAMENTE. FÔRA FORTE DEMAIS.

CYRO  -  Você está louca, Ester! Então, se eu pudesse não faria? Por você? Por ele? Fiz o que pude por um homem que me detesta e só deseja o nosso mal! Por que não faria por ele... Ivanzinho... a quem eu amava como um filho?

ESTER  -  Eu não sei... mas, ao menos, tente! Tente, por Deus!

CYRO  -  (angustiado) Mas... como? Ele está morto! Se eu pudesse,  daria  até  a  minha  vida  para  salvá-lo!  Mas  não  há nenhuma maneira, nenhum recurso humano.. que eu possa tentar!

ESTER  -  (não se dava por vencida) Quando você quer uma coisa, você obtém! Concentre-se... queira... faça como você fez, quando me quis! Quando me arrastou para você! Quando me obrigou a ser sua pela sua vontade, pelo seu poder!

CYRO SENTIU OS MÚSCULOS IMPELIREM-NO PARA O CADÁVER DO MENINO. OLHOU-O EM DESESPERO. A FORÇA DE VONTADE DA MÃE ENLOUQUECIDA ESTIMULAVA-O.

ESTER  -  Queira, Cyro! Ordene que ele volte à vida! Apele para Deus! Para os seres de outro planeta que o mandaram aqui... para as forças misteriosas que você domina, quando quer... sei lá... eu não acreditava em nada disso! Mas estou desesperada, Cyro! Eu quero que meu filho viva, seja lá como for! Venha esse milagre de onde vier!

CYRO  -  Eu também não creio, Ester. Eu também não creio em nada disso. Não creio que eu seja um deus ou um ser vindo de outro planeta. Mas, se for preciso crer, se for preciso aceitar esse destino para salvar seu filho, eu lhe digo, Ester... neste momento, creio! Creio firmemente e estou disposto a assumir o meu destino. Seja quem for que me deu esses poderes... eu suplico... que agora faça com que eles sejam capazes de restituir a vida desta criança!

CYRO DESCANSOU A MÃO DIREITA SOBRE A CABEÇA DE IVANZINHO, FITANDO-O DEMORADAMENTE. OLHOS ANGUSTIADOS. FEIÇÕES INTEIRAMENTE TRANSTORNADAS PELA DOR FÍSICA E MORAL QUE O CONSUMIA. DURANTE VÁRIOS MINUTOS OS OLHOS DE AMBOS FIXARAM-SE NO ROSTO SERENO DO MENINO. ESTER CHORAVA BAIXINHO, SEGURANDO AS MÃOS DO FILHO MORTO.

CYRO  -  (ergueu-se, derrotado) Eu lhe disse! Não posso fazer nada! É inútil! Não tenho poder nenhum!

ESTER  -  (olhou-o, desarvorada) Você acha que basta isto?

CYRO  -  (franzindo a testa) Basta o quê?

ESTER  -  Basta dizer isso... voltar as costas e ir embora? Não há nenhum peso em sua consciência?

CYRO  -  (apertando ambas as mãos contra o peito) Ester, eu não tenho culpa!

ESTER  -  (gritou, histérica) Foi por sua causa! Na verdade, foi você quem o matou!

CYRO  -  Ester... você não sabe o que diz... está desatinada!

COMO UMA FERA ACUADA, A MULHER ENCAROU O HOMEM A QUEM HAVIA AMADO. O ÓDIO MOSTRAVA-SE POR INTEIRO EM SUAS FEIÇÕES.

ESTER  -  Eu sei o que estou dizendo. Sei agora que meu filho não teria morrido, se você não tivesse surgido em minha vida. Se eu não me tivesse deixado arrastar pela loucura de amá-lo. Se eu não tivesse esquecido de mim mesma... e dele... para me entregar a você. Eu também tenho culpa... eu também o matei!

CYRO  -  Quando você voltar a raciocinar...

ESTER  -  Nunca raciocinei tão bem em minha vida, desde que o conheci! Nunca estive tão consciente dos meus atos! Nunca tive tanta certeza!

CYRO  -  Ester... volte a si! Você está ficando louca!

ESTER  -  Os tiros eram para você! Ele morreu no seu lugar! E agora não é capaz de lhe restituir a vida!

CYRO  -  Isso independe de eu fazer milagres!

ESTER  -  Você alimentou... aquilo que o matou! Desapareça da minha vida, Cyro! Estou dizendo isso... e não estou fora de mim! Eu não quero mais ver você!

O MÉDICO VOLTOU-LHE AS COSTAS E SAIU DA RESIDENCIA, DESATINADO. ESTER AJOELHOU-SE JUNTO AO CORPINHO DO FILHO E OROU BAIXO, TENTANDO CONTER AS LÁGRIMAS QUE LHE BROTAVAM DOS OLHOS.

ESTER  -  Perdão... perdão, meu filho! Perdão... perdão... perdão!

FIM DO CAPÍTULO 73

... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!

2 comentários:

  1. Pobre Ester, quanto sofrimento! Quem será que deu o tiro que matou Ivanzinho? Vamos ver que rumo tomará essa história.


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  2. Que triste Ester culpar Cyro, só falta agora se juntar a Otto.

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