XC
Quando finalmente eles chegam, ela
corre ao encontro dos dois. Roberta, ainda por lá, só observava a cena.
- Mamãe, papai!!!! - Fala Fer alto,
sorrindo - Eu pensei que você tinham... Por que vocês demoraram
tanto e estão molhadinhos?
- Porque o papai foi pescar com a
mamãe, Borboletinha...
- Hummmm – Diz, não acreditando muito
- E cadê o peixinho?
- Pois é o rio non tava pra peixe!
Mas me deu essa sereia aqui, hã? – Disse, beijando Rosa com paixão.
Roberta solta chispas de raiva no
olhar
- Conforme-se, moça – Disse Gideon
para Roberta, percebendo a inveja – Nunca vai ter esse amor pra
você!
- Isso é o que veremos! – Responde
Roberta entre os dentes e andando em direção à Claude continua com a voz
rouca e afetada e ignorando Rosa - Claude, até que enfim você
chegou!
E disse isso jogando os braços em
torno do pescoço dele, sem chance de desvio. Rosa reparou que Roberta
havia trocado de roupa. Estava com um vestido vermelho muito justo e decotado.
E segurou-se para não dar vexame na frente da filha.
Mas então, Roberta encostou
seus lábios na boca de Claude e o beijou.
“Mas é muito abusada e
ordinária!”– Pensa – “Se não fosse por Borboletinha, você ia ver sua...
sua... piriguete francesa!”
Claude reage, segurando os braços de
Roberta e afastando-a bruscamente de si, ao mesmo tempo em que Fernanda, vendo
toda a cena, pergunta:
- Por que você tá beijando meu papai
na boca? – Segurando e puxando como dava a saia do vestido de Roberta,
onde o drapeado pemitia pegar, na intenção de separá-los – Solta ele, só a
minha mamãe que pode! E puxava com toda sua força de criança. Talvez por ser
tão justo, uma parte da costura se desfez, na lateral do vestido
- Borboletinha, cuidado, não faça
isso... – Pedia Rosa ao mesmo tempo, mas não conseguiu evitar...
Roberta, furiosa, segurou a mãozinha
de Fernanda e soltou-a no ar, bruscamente:
- Sua garotinha feia e malvada! Olha
só o que você fez no meu vestido! – Gritou Roberta, quase histérica.
- Não/Non fala assim da/de minha
filha! – Exclamam Rosa e Claude ao mesmo tempo – E Claude segura a mão de
Roberta, antes que ela alcance Fernanda, enquanto Rosa se coloca na frente da
filha.
- Nunca mais levante a mão para minha
filha, Roberta! – Exclama Claude e segura com força o pulso dela.
Assustada, Fer dá alguns
passinhos para trás e começa a chorar. Gideon rapidamente a pega no colo e leva
para dentro, enquanto a discussão aumentava:
- Com certeza, essa pivetinha
brasileira nem é sua filha! Olha só o estrago que ela fez na minha
roupa!
- Mas é muito abusada e... vulgar! –
Devolve Rosa, num tom mais alto que o normal de sua voz. – como ousa
insinuar que...
- Insinuar? – Roberta fala com
desdém - Eu estou afirmando! Você deu o golpe da barriga no Claude e ele
caiu direitinho, porque sempre quis ter filhos... Você só omitiu que
a barriga era de outro, não é, meu bem?
- Ah, sua... – Disse Rosa, deixando a
raiva tomar totalmente conta de sua pessoa e partindo em direção
à Roberta, mas é segura pela cintura por Claude, que a coloca atrás dele:
- Non, chérie... - e é interrompido
por Roberta.
- Então, agora você percebeu o
erro que cometeu, casando-se com ela? Você me ama, Claude, sempre me
amou! Eu sei que a Nara foi apenas um passatempo em sua vida... É só você
se divorciar e voltar pra mim... Eu posso te dar filhos também...
- Mon Dieu, quanta sandice! - E volta
a segurar nos pulsos de Roberta, mantendo-a longe de si. - Você
foi um erro, Roberta! Talvez até da natureza, hã? Eu nunca poderia amar
uma mulher invejosa, fútil e inescrupulosa como você, capaz de ameaçar
uma criança! E se segurei Rosa, foi para non deixá-la descer ao seu
nível de baixaria. Ela é minha mulher, a mulher da minha vida e
nunca vai haver outra, mas se houvesse, com certeza non seria você!
- Oh, God! Mas o que está
acontecendo? Eu estava meditando, quando escutei o choro de Fernanda e
vocês com as vozes alteradas... Claude, porque está segurando Roberta dessa
forma? O que foi que você aprontou, honey?
- Nada, Elisabeth... Seu sobrinho é
que se doeu pela mulherzinha dele...
- Mas é muita petulância de sua
parte! – Explode Claude, apertando as mãos, para não ser violento com Roberta.
– Com licença, tia Elisabeth ou non respondo por meus atos! Vem, chérie,
precisamos de um banho e nada melhor que tomarmos juntos, hã? – E abraçando
Rosa, entra na casa.
- Well! – Fala Elisabeth séria -
Roberta, eu nunca fiz isso, mas gostaria que você se retirasse de minha
propriedade, por favor. Sempre prezei a nossa amizade e de seus pais, mas você
abusou dela hoje. Fui condescendente até onde deu, honey...
- Mas Elisabeth...
- Por gentileza, Roberta, retire-se.
Você não é mais bem vinda aqui.
- Está me expulsando da sua casa? –
Questiona indignada.
- Estou pedindo gentilmente que
saia... Seus pais continuam sendo bem vindos, mas você, não!
- Engraçado! Não são vocês que pregam
o amor livre e desprezam estereótipos? Que acreditam no amor
sem posse, sem controle? É só isso que eu estou propondo ao Claude!
- Darling, darling... – Diz
Elisabeth, balançando a cabeça - O amor livre é
anarquista em sua natureza sim. Mas não defende relações de curto prazo
ou de múltiplos parceiros sexuais. Defende relações monógamas de longo prazo e
até o celibato... Fala de amor, dos triunfos do amor, da liberdade de amar.
- Exatamente o que estou
defendendo... – Revida Roberta, cinicamente. - Em meu benefício próprio,
naturalmente.
Elisabeth respira fundo, antes de
continuar:
- Para defender o princípio de amor
livre se necessita de doses iguais, Roberta: uma de inocência
e outra de experiência. Poderia afirmar que Rosa é a
inocência, pura na experiência. Assim como você é a pura experiência
sem nenhuma inocência. Consegue perceber a diferença?
Então, a atenção das duas é desviada
para a porta da casa, onde Fernanda se encontrava com os pais, abraçando Rosa e
pedindo o colo do pai.
- E aquele é o bem maior do
amor, o verdadeiro amor à primeira vista.
- Tolice! – Responde Roberta, andando
até o carro e abrindo a porta - O amor é apenas um jogo.
- Discordo de você, honey, mas
mesmo que fosse, todo jogo tem suas regras e, nesse caso, você
estaria fora, pois quebrou as regras deste jogo!
- Só porque você está sendo “o juiz”.
Mas sempre podemos ter revanches... Adeus, Elisabeth. – E dando a partida
no carro, sai cantando o pneu.
Já dentro de casa, Fernanda mais
calma, mas ainda assustada, pergunta ansiosa:
- Mamãe, porque aquela moça
ficou zangadinha comigo? Eu só não queria que ela beijasse o papai! Por
que ela te beijou, papai? –Pergunta, olhando para o pai.
- Porque... Ela quis fazer uma
brincadeira, foi isso, filha! – Responde Rosa.
- E ela non ficou zangada contigo,
pequena. Mas com o vestido, oui? Agora fique um pouco mais com seus tios que eu
e sua mãe temos que tomar um banho, d’accord? – Emenda rapidamente, colocando-a
no chão, tentando encerrar o assunto.
- Mas ela ia me bater...
- Não ia não, Borboletinha... – Diz
Elisabeth, entrando. – Ela estava com tanto medo que o vestido rasgasse
que nem viu o que fazia, querida... Ela foi embora, mas deixou um pedido
de desculpas para você, ok?
- Que tal irmos até a cozinha, Fernandinha,
e dar uma provadinha no jantar?– Pergunta Gideon com o sotaque carregado,
provocando uma gargalhada da menina, que aceita o convite.
Assim que deixam a sala, Elisabeth se
volta para Rosa e diz:
- Rosa, my darling, eu quero
que me perdoe... Nunca imaginei que Roberta fosse capaz de um papel desses e de
não respeitar as etiquetas sociais pelo menos.
- Eu sei, tia Elisabeth. Não é sua
culpa. Nós não demoraremos! – Diz, sorrindo rapidamente e subindo a escada com
Claude
Os dois dias seguintes foram de
organização: separar as roupas e fazer as malas. Em menos de vinte e
quatro horas, estariam voando para Paris.
***
Voar sempre é uma experiência única e
sempre tem aquele friozinho gostoso na barriga, pensava Rosa, enquanto o avião
subia. Por estar tão distante do chão, dá uma sensação inexplicável de
liberdade. Voar é algo muito especial, que sempre nos leva ao encontro de
pessoas queridas e lugares diferentes, de forma mais rápida e segura...
Bem, rápida, mas nem tanto. Seriam no mínimo dez horas de voo.
Haviam optado por um voo noturno e
estariam chegando em Paris pela manhã. Sendo um voo internacional, quando
fizeram a reserva, avisaram a companhia aérea da presença de Fernanda,
pois sendo ela uma criança tem direito à um menu especial e algumas
companhias aéreas têm kits para crianças com lápis para desenhar, brindezinho,
coisas para distraí-los.
Era com esse kit que
Borboletinha se distraía. Havia mais uma ou duas crianças no avião, mas um
pouco mais velhas que Fernanda.
- Crianças sempre demoram um
pouco para “desligarem”, ficam excitadas com tudo - Dizia Rosa à
Claude, observando a filha desenhar, enquanto uma das outras
crianças andava pelo avião o tempo todo.
- Logo, eles servirão o jantar, chérie, antes
de apagar as luzes. E uma vez as luzes apagadas, em geral, elas dormem…
- Há bastante coisa para distraí-los: desenhar,
livros, quebra-cabeça, joguinhos... Por que esses pais não tomam uma atitude e
acalmam o ânimo dessa criança?
- Relaxe, gatinha. Lembre-se
que as crianças sentem a ansiedade dos pais. Talvez seja o primeiro voo deles,
hã? E o primeiro, a gente nunca esquece! E elas podem surpreender no final e
essa viagem ainda pode ser tranquila.
Poucos minutos depois, o jantar era
servido e, após o tempo regular, foi anunciado que as luzes seriam apagadas.
Fernanda acomodou-se numa poltrona
entre os pais e apoiou sua cabeça no colo de Claude. Rosa tirou o tênis
dos pés da filha para que dormisse mais à vontade e cobriu-a com o seu
casaco. O sono vinha implacável e a garotinha lutava contra ele. Depois de
um tempo, ouviu-se a voz de Fernanda:
- Mamãe, porque você não aproveita
agora que a gente tá no céu e pede o meu irmãozinho, encomenda ele?
Claude sorri da ingenuidade da filha
e vai comentar algo com Rosa, quando percebe que ela dormira.
- Borboletinha, sua mãe dormiu. Por
que você mesma non pede a Papai do Céu o seu irmãozinho, hã?
- Mas você disse que só os adultos
podem encomendar um bebê!
- Touchê! - Murmura Claude ,
acariciando os cabelos da filha - Você tem razon, eu disse isso. Só os
adultos podem encomendar, mas as crianças podem pedir a ele,
d’accord? Eu tenho certeza que se você pedir, Ele vai ouvir e nos ajudar... –
Completa, piscando para ela.
- E Papai do Céu ouve as crianças?
- D’accord... Com muita
atençon, pode ter certeza! Ele gosta que vocês, as crianças, conversem
com ele.
- E como é que a gente fala com Papai
do Céu? Pelo celular?
- Non, sua danadinha... Eu acho que
ele non tem celular e se tiver, o papai non tem o número dele, d’accord?
Ele prefere que usem a oraçon, que rezem. Porque criança que reza, é criança
feliz.
- E como é que se reza, papai?
- Fernanda parecia realmente preocupada com isso.
Claude ficou surpreso com a pergunta
da filha. Rosa e ele nunca se preocuparam com religião, embora acreditassem em
Deus. Talvez estivesse na hora de passar alguns conceitos para a
filha, mesmo que de maneira lúdica. Conversaria com Rosa sobre isso.
- Fala papai, como é que a gente faz
isso? – Insiste Fernanda.
Pensou rapidamente, tentando lembrar do
que sua mãe lhe dizia ou de alguma coisa que tia Elisabeth tivesse dito e
que fizesse sentido.
- Eu acho, filha, que a oração é
aquela vozinha que vem do coraçon, quando a gente agradece por ter um lar,
uma família, por ser feliz, por ter o que comer, o que vestir, por ter amigos, por
ter amor, sem esquecer de pedir por quem ainda non tem nada disso...
– Disse por fim. – Será que você entendeu?
- Aham... Eu vou tentar então...
Querido Papai do Céu, eu queria que você me escutasse porque eu acho que
ainda não sei rezar, mas meu coração tá feliz. Porque eu tenho o amor do meu papai
e da minha mamãe. Só tá faltando o meu irmãozinho... Será que dá pra Você pegar
a encomenda deles? “Merci”. Ficou bom, papai?
- Ficou maravilhoso, chérie. –
Diz Claude emocionado. – Mas por que você agradeceu em francês?
- Porque a gente tá indo pra
França... – Diz, fechando os olhinhos - E lá, o Papai do Céu deve
falar francês, por isso não tá entendendo a mamãe... – E segurando a
mão de Claude adormeceu.
O hotel reservado por Frazão e
Janete, era o Adagio Tour Eiffel, um apart hotel que tinha cozinha com
utensílios domésticos, para alguma emergência. Ficava praticamente a quatro
quadras da Torre Eiffel e assim podiam tomar o café da manhã no apart com pão
fresquinho.
Almoçavam na rua e na maioria das
noites, jantavam no apart: uma comida rápida e boa, o que além de cômodo e
prático, levou Rosa a ver Claude dando uma de cheff com Fernanda como sua
assistente.
Paris tem uma rede de metro invejável
que corta toda a cidade de ponta a ponta, de fácil acesso e Claude fez questão
de mostrar tudo que Paris podia oferecer de bom e algumas cidades
próximas.
Em pleno outono parisiense, as
temperaturas médias eram de 9°a 13°, muito frio e muitos dias foram com
chuva leve e constante, com períodos de melhora, mas sempre nublado; mesmo nos dias
claros e com sol não se dispensava o casaco...
Os dias nublados e chuvosos foram destinados
à museus, galerias, igrejas e os dias com sol à passeios abertos:
Disney, Torre e Versailes. Não haviam feito um roteiro, cada dia era
uma programação surpresa, dependendo do clima. Iam aonde queriam.
Viam o que queriam ver, sem desespero com datas ou tempo, apenas adaptando
tudo às necessidades de Fernanda, alternando os passeios fechados e abertos.
Borboletinha adorou conhecer a
Monalisa e se divertiu com a ala egípcia do Louvre. Claude contou várias histórias
sobre sua mãe, que era bióloga, quando visitaram o Jardim das Plantas, onde há
um museu da história da evolução das espécies.
Tia Elisabeth havia indicado
uma babá, filha de uma antiga empregada, totalmente confiável. Simpática e
prestativa, logo ganhou a simpatia de todos e conquistou Borboletinha. Acompanhou
alguns passeios, ajudando e cuidando de Fernanda e, em algumas ocasiões, cuidou
dela para que Rosa e Claude curtissem a noite parisiense.
Haviam visitado a Torre várias vezes. Foi o lugar que Fernanda
mais gostou:
E era lá que estavam outra vez, na estação de metrô Trocadero, no
penúltimo dia de Paris.
- Aqui é, indiscutivelmente, o melhor local para tirar fotos da Torre Eiffel,
chérie. – Dizia Claude - O cenário é perfeito para uma foto dessa
viagem.
- Papai, que horas vamos subir nela? – Perguntou Fernanda - Você
prometeu que hoje ia levar agente lááááááá em cima!
- Voilá... tem certeza que querem ir?
São três andares! O primeiro é de graça, se subirmos de escada e nos outros
dois é obrigatório o uso do elevador, hã?
- A fila está grande... –
Comentou a babá - tanto para subir, quanto para descer. Eu acho melhor o
senhor comprar o ingresso que dá direito ir até o topo... E vocês podem
reservar umas quatro horas de passeio para dizer que aproveitaram bem.
- Claude, se estiver cansado de ser nosso
“guia turístico”, eu vou entender... Podemos voltar pro hotel e descansar,
já viemos até aqui tantas vezes!
- Pois, sim! – Responde, sorrindo
enigmaticamente - Quem non quiser encarar a fila, pode ficar por aqui. Eu já reservei
os ingressos pela internet, hã? Temos apenas que seguir à risca o horário
marcado. Alguém quer desistir? – Pergunta, tirando os ingressos do bolso e
balançando-os no ar.
Depois de um sonoro “não” para quem
quisesse ouvir, eles entram na fila e esperam pacientemente. Ou quase, porque se
tinha uma coisa que Borboletinha não tinha era paciência...
Quando finalmente subiram, a noite já
caía. A torre foi totalmente iluminada, coberta de azul, um espetáculo de
luz, que fazia o céu de Paris parecer mais negro ainda.
A babá havia ido comprar água para
Fernanda. Estavam os três de mãos dadas com Fernanda no meio.
- Papai, o vovô trazia você aqui
também? – Pergunta Fer, encantada. - Com a Torre Eiffel assim
azulzinha?
- Non, Borboletinha... Quando o
papai morava aqui, a torre non tinha esse encanto todo. E sabem por quê?
- Não! – Responderam Fernanda e Rosa
ao mesmo tempo.
- Porque eu non tinha vocês na minha
vida. – disse, olhando-as profundamente e acariciando-as no rosto, uma após a
outra.
Então, Fernanda soltou sua mão e
juntou os dois, fazendo-os darem as mãos. E abraçou os dois pelas pernas.
Depois pediu o colo dos dois, ao mesmo tempo, num abraço a três. Uma brisa fria
os envolveu, de repente, e os três estremeceram e se apertaram mais...
Fernanda olhava para baixo, sem temer
a altura em que estavam. Sorrindo, disse bem baixinho entre os ouvidos
dos dois:
- Nossa, aqui é alto, né? Eu acho que
o Papai do Céu tá quase ouvindo a minha oração...
Continua
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