XLI
O
dia estava ensolarado. Mas o ar frio e a brisa suave o embalava. Artistas de
rua, turistas, comerciantes se misturavam, aproveitando o sol da manhã. Foi o
que encontraram, Claude, Rosa e Fernanda, assim que saíram do Metrô
Abbesses, linha 12. Enquanto
atravessavam a rua, ouviram Claude:
-
Enton preparem-se gatinhas... Nosso último passeio a três, em Paris! Le “mursdesje t’aime”.
Cruzaram
o portão que dava entrada a um pequeno jardim, muito bem cuidado e organizado.
Árvores antigas lançavam suas sombras pelo chão e o canto dos pássaros competia
com a música do acordeon francês, que um senhor tocava na entrada do jardim.
Fernanda
soltou das mãos dos pais e saiu correndo por entre os canteiros.
-
Não corra assim, Fernanda! - Falou Rosa, chamando a atenção da filha – Você
pode cair ou mesmo colidir com alguém, filha! Tenha modos! Muro do amor? - Pergunta
para o marido, enquanto Fer voltava para eles, sorrindo, o rostinho
corado pela corrida e pelo vento.
-
Oui! O “muro dos apaixonados”. Nunca ouviu falar? É um local onde casais fazem
seu voto e entrelaçam os seus sentimentos. – Diz ao se aproximarem do muro.
-
É muito lindo! – Exclama Rosa, enquanto Claude pegava Borboletinha no colo, para
que apreciasse melhor. - Talvez esse seja o muro mais romântico do mundo!
-
O que é românico, mamãe?
-
Romântico, filha. A mamãe disse romântico,
oui? - A corrige Claude, contendo o riso.
-
Ahhh! E o que é?
-
Romântico é ter algo de apaixonado, meu amor. – Explica Rosa – é ser poético,
sentimental... É gostar muito de alguém...
-
É como ser o herói dos contos de fada,
Borboletinha!
-
Ahhhh... É ser príncipe e princesa, igual você e a mamãe, quando você fala “eu
te amo”? - Pergunta olhando para o pai.
-
Touché! Acertou em cheio, hã? E este muro, o muro do "Eu te amo" tem
quarenta metros quadrados. A frase "eu te amo" está escrita mais de
mil vezes em mais de trezentas línguas diferentes. Ela foi inaugurada em doze
de outubro de dois mil.
*A praça desAbesses, associada a passeios
românticos, ficou ainda mais conhecida depois que os artistas Frédéric Baron,
Claire Kito e Daniel Boulogne realizaram o muro dos apaixonados, já com mais de
mil declarações de amor em diversos idiomas” .
Depois
de andarem por toda extensão do muro, Claude continua:
-
Havia um costume, quase uma lenda, que, depois de passarem por aqui, os
apaixonados colocavam um cadeado em uma das
grades da ponte sobre o rio Sena, depois de trancar o cadeado, jogava-se a
chave no rio e o casal ficaria junto e
feliz para sempre.
-
E iremos fazer isso? – Pergunta Rosa, enquanto observam as várias formas linguísticas de se escrever eu te amo.
-
Infelizmente non. Chegamos tarde, chérie. Eram milhares de cadeados com nomes
ou iniciais de casais pendurados na grade da ponte. Eles ocuparam toda a grade
da Pont des Arts. Nos mais variados estilos. Mas esses cadeados começaram a
atrair ladrões, pelo metal. Eles usavam cortadores de fio, o que causava danos
estruturais. Enton, estão sendo retirados desde o começo de dois mil e treze.
-
Que pena, que uma demonstração de amor acabe por conta de pessoas
oportunistas...
-
E como é que faz pra ser romântico agora? – Pergunta Fer, que prestara atenção
no que Claude dizia e surpreendendo aos dois.
-
De outras maneiras, por exemplo, podemos escrever poemas, fazer programas ao ar
livre, dar flores, preparar um almoço ou jantar, fazer uma viagem, ou
simplesmente dizer “eu te amo”. D’accord?
-
D’accord,papai! A gente pode ir comer agora?
-
Podemos, minha princesinha. O que você quer comer?
-
Eu gostei daquele pãozinho todo enroladinho e recheado...
-
Hummm, você quer dizer que gostou dos croissant!
Voilá! Vamos até eles. Aqui perto tem um Bistrô e mm mmmmmm...
Horas
mais tarde, no hotel.
-
Térese, qualquer contratempo, você liga pra gente, d’accord? –Orienta Rosa para
a babá.
-
Oui, madame Geraldy. Non se preocupem, eu tomarei conta da Borboletinha como se
fosse minha irmã.
-
Tenho certeza que sim. Se ela acordar, reforce que voltaremos logo...
-
Não se preocupem! Eu saberei contornar a situação. Divirtam-se tranquilamente.
Claude
abraça Rosa pela cintura e ambos saem para a noite. Seria a última noite deles
na França.
Quando
descem do elevador, Rosa pergunta:
-
Qual o nosso destino? Você não disse aonde vamos...
-
Bien... – Responde Claude, sorrindo enigmaticamente - Um simples passeio em
volta do Sena já seria muito romântico, hã? Mas vamos para um lugar ainda mais
apaixonante.
Um
táxi já os aguardava na porta do hotel. Depois de entrarem, Rosa continua:
-
Tudo que fizemos e vimos foi apaixonante – Diz suspirando – O passeio pelo Sena em Paris ao pôr-do-sol; piqueniques aos pés da torre Eiffel, visita à Montmartre, um bairro boêmio, com seus artistas de rua ...
-
Non esqueça a visita ao Monte Saint
Michel, o jantar no Guinguette Du Vieux
Moulin a beira do Rio Rhone em Avignon, o passeio em Les Baux de Provence e Saint Remy, com seus campos de lavanda e girassóis... Mas tudo
isso foi só para entrarmos" no clima", gatinha.
-
Está sendo uma aventura incrível, principalmente para Borboletinha. Ela adorou
o porto de Cassis... Lembra só como
ela ficou se banhando naquela praia? E
as falésias de Marseille, então? Verdadeira obras de arte da natureza!
-
Nossa filha non tem medo de altura, chérie, percebeu? Non teve no passeio de
carro que fizemos na MoyenneCorniche,
entre Monaco, La Turbie e Éze, com
aquela vista inacreditável sobre o Mediterrâneo e non teve na torre.
-
Ela fez uma estranha analogia: disse que quanto mais perto do céu, mais fácil
de sua oração ser ouvida pelo “Papai do
Céu”...
-
E o que tem isso?
-
Ela disse que você a ensinou a rezar, pra ela pedir a Ele que aceite a
encomenda do seu irmãozinho...
-
Voilá! Ela queria falarcom ele pelo celular, hã? Eu apenas disse que tinha que
falar com uma oraçon...
-
Não, foi muito mais que isso! Você a ensinou a falar com o coração! – disse,
encostando sua cabeça no peito do marido, sentindo que ele a abraçava, protetora
e carinhosamente. Perderam-se num silêncio, cúmplice do amor que sentiam.
Há
algo místico e romântico na Europa, o friozinho incessante, os séculos de
histórias, os castelos que nos lembram as histórias de contos de fadas. Um
clima de romance único.
As
luzes de Paris,que iluminam o Rio Sena, a lua brilhando no horizonte competindo
em beleza com a Torre Eiffel fazem o clima perfeito para um casal em busca de
romantismo. E não foi isso que fizemos?
Pensava Rosa, olhando pela janela, enquanto o táxi seguia. Claude ainda não
falara para onde estavam indo. Mas fosse onde fosse, tinha certeza que
seria inesquecível.
Como
havia sido passear de mãos dadas, se deliciar com os croissants das cafeterias
e depois aproveitar o entardecer na famosa Champs-Élysée, sempre adornada por
flores em seus canteiros...
A
arte, a boemia, a liberdade e, sem dúvida, o amor. Paris era isso para os
apaixonados. – Concluiu de si para si. Então, Claude a tirou dos devaneios:
-
Hummm, ton quietinha! O que foi, com
sono?
-
Não! Eu estava pensando, recordando tudo que já fizemos por aqui...
-
Nada comparado ao que vai ver ainda, chérie! Bien, chegamos! – Exclama, quando
o táxi para em frente a uma construção.
Rosa
observou enquanto descia do táxi. Parecia um hotel de luxo. Construído à margem
de um rio, aproveitava as rochas para servirem de pilastras e sustentarem os
quatro ou cinco andares acima de suas cabeças.
Claude
segurou a mão de Rosa e juntos atravessaram o amplo saguão, chegando até a
recepção, elegantemente decorada com móveis em mogno. Incrivelmente planejado,
os balcões seguiam a linha das rochas, que
haviam sido preservadas, embora desgastadas em sua superfície, formando uma linha reta e continua. Duas das quatro paredes eram de rochas puras
também. A iluminação era o ponto alto do ambiente, deixando-o acolhedor e
misterioso. Seria um cenário perfeito para O
Conde de Montecristo, romance de Alexandre Dumas, pensa Rosa.
A
recepcionista lançou um olhar de interesse para Claude, logo substituído por
inveja, seguido de indiferença, ao notar as alianças, que Rosa fez questão de
exibir, pousando discretamente sua mão sobre a de Claude, enquanto ele
assinava o livro de registro.
Assim
que pegou as chaves reservadas, da suíte nupcial, ao contrário do que imaginava
Rosa, desceram em vez de subirem com o elevador.
-
Eu pensei ter entendido que íamos ocupar a
suíte nupcial..
-
D’accord, entendeu certo, gatinha.
-
Pensei também que ficasse na
cobertura... – Comenta Rosa.
-
Geralmente ficam, mas é nossa última noite em Paris. Tinha que ser... especial
e marcante, d’accord?
-
D’accord, diz, imitando-o - Vai ser
muito marcante passar a nossa última
noite no subsolo deste prédio, que deve estar cheio de “animaizinhos do mal”.
-
Xiiiiii... Tenha calma, hã?
-
Ter calma?!?!? Sinceramente, Claude, eu não vou fazer amor num lugar repugnante
e mal cheir... – Claude a beija com paixão. Então, o elevador para e as portas
se abrem.
E
o que Rosa vê a deixa deslumbrada. Não havia subsolo. O subsolo era a suíte
nupcial e dava de frente para o rio. Uma bancada de madeira ficava entre o
quarto e as rochas da beira do rio. Um
perfume sedutor pairava no ar, uma cama com lençóis dobrados convidavam ao
amor...
-
Mas... como foi que achou esse lugar? – Exclamou, extasiada, sem acreditar
no que via, chegando próxima ao balcão
de madeira
-
Eu o projetei, há alguns anos atrás, antes de ir para o Brasil. Ficou pronto
recentemente e Pierre, o proprietário, a guardou para nossa segunda lua de
mel... Seremos os primeiros amantes a passar por aqui... – Responde Claude,
envolvendo-a por trás.
-
Devo um pedido de desculpas... Eu fui impulsiva e... Aquilo ali é uma mesa? –
Pergunta, olhando para um dos braços que
as pedras faziam para dentro do rio.
-
Oui... Non te lembra alguma coisa? Esse detalhe eu acrescentei depois de nosso jantar
de dois anos. Tudo pela internet. Enton,
jantaremos primeiro, madame Geraldy! Tenha a gentileza de me acompanhar, hã?
-
Ficarei encantada, monsieur. E depois?
-Bien,
depois nos despediremos à altura da cidade dos amantes como amantes, gatinha!
Continua...
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