Capitulo 14 -
Proposta
Verônica
e Viviane saíam da primeira aula da faculdade, na segunda feira. Ambas cursavam
medicina em uma das mais caras faculdades do país. As duas se encontraram no
corredor principal da faculdade e aproveitaram para conversar.
— Oi,
Verônica! Como foi a sua aula?
— Bem...
E a sua?
Viviane
suspirou.
— A mesma
de sempre... Cada vez me convenço de que não nasci para ser médica.
— Não me diga
que ainda pensa em fazer transferência de curso?
Viviane
fez que não entendeu a pergunta da amiga.
— Não sei
por que ainda pergunta... Você, mais do que ninguém, sabe que por mim já
estaria longe desse curso.
— E vai
querer mesmo cursar Administração? Você tem certeza disso? Quer dizer, mesmo
nessa faculdade, não importa o quanto você tenha em dinheiro, cursar medicina é
realmente um privilégio...
Viviane
suspirou.
— Eu sei
disso. Mas por mais que eu esteja apaixonada por um médico, eu não sinto o
mesmo pela medicina.
— Isso
tudo porque acha que seu avô quer que você siga a área da Medicina. Você devia
ser sincera com ele. Não é porque ele sempre falava que queria que fosse médica
que ele vai querer lhe obrigar a isso.
Viviane
fez um muxoxo.
— Bem,
isso é verdade. Mas, além disso, tem o meu tio Marcos.
— Aquele
que está morando nos EUA? O que ele tem a ver com isso?
— Bem...
Um dia, quando eu ainda estava no ensino médio, ele praticamente me disse que
eu estava proibida de fazer Administração. Ele é realmente assustador, sabia? Até
meu avô cede às vontades do Tio Marcos... Bem, no final, acho que fazer
Medicina é o melhor para a família. – e andando um pouco mais devagar. - Mas
mudando de assunto, você tem ficado muito amiga do Gabriel, não é?
Verônica
riu.
— Por que
isso de repente? – riu-se. - Não, se preocupe, não tenho qualquer interesse
nele. Afinal, ele é seu prometido, não é? – e olhando para Vivi com
curiosidade. – Não me diga que você está com ciúmes?
— Muito
engraçado. Eu quero manter distancia dele. Se ele mudasse para outro país seria
melhor. Não, eu até pagaria uma passagem para ele ir para outro planeta.
Verônica
não entendia a reação exagerada de Viviane ao nome Gabriel.
— Você o
detesta tanto assim? Não acha que está exagerando um pouco só por causa de um
beijinho de nada?
Viviane
ficou calada por alguns segundos. As duas sentaram-se em um banco na área de
convivência da faculdade.
— Acho
que não foi só por aquilo. Talvez o problema não seja ele exatamente... É
porque sinto que se eu ficar com ele seria como fazer o que minha família quer.
Já não basta ter a profissão que é melhor para a família, não quero namorar e
casar com alguém só porque minha família, em especial minha mãe, quer, não é?
— Bem, nisso
você tem razão. Mas, acho que não deveria ficar descontando sua frustração em
alguém que não tem nada a ver...
— Bem, de
qualquer forma, ele não é nada em comparação ao Rafael...
Verônica
riu-se.
— O
coroa?
— É muita
maldade chamá-lo assim, afinal ele não tem nem trinta anos ainda.
— E você
ainda continua insistindo nisso? Na
minha opinião, você deveria deixar ele de lado e procurar outra pessoa...
Aquele médico vive fugindo de você.
— Isso
por que eu ainda não tenho 18 anos. Quando eu completar, você vai ver como eu
vou ser correspondida!
Verônica
começou a rir.
— A única
coisa que sei, é que quando você completar 18 aninhos, se cometer algum crime,
você vai ser responsável pelos seus próprios atos. Ou seja, se você não tomar
cuidado, o médico vai lhe denunciar por perseguição.
Viviane
olhou para Verônica assustada e as duas começaram a rir. De repente, alguém
tocou no ombro de Verônica, que se virou.
—
Gabriel? – perguntou assustada.
— Sou eu
mesmo... Mas, porque está tão assustada... Por acaso, vocês estavam falando de
mim?
Verônica
tentou desconversar.
— Mas o
que está fazendo aqui na faculdade de medicina? - perguntou ela - Você não
cursa Engenharia Civil?
— Vim
resolver algumas coisas... Mas, você não me respondeu. Estavam falando de mim?
Viviane, que
estava sentada de costas, virou-se e olhou para ele.
— Você
realmente se acha o centro das atenções, não é? Não se iluda tanto... Não
gastamos nosso tempo falando de coisas tão insignificantes.
O rapaz
se fez de admirado como se só naquele momento tivesse notado Viviane.
— Ora,
ora... Se não é a princesinha mimada do castelo Demontieux... – e fazendo-se de
admirado mais uma vez. – Ah! Eu não tinha percebido que era você. Afinal, você
é uma garota tão comum. Desculpa, eu não
estava falando com você. – disse, sorrindo sarcástico.
Viviane
sorriu com o mesmo sentimento.
— Mas eu
estava. – disse parando. – Agora, será que é certo o principezinho do grupo
Arantes interromper a conversa dos outros? Não parece educação de quem estudou
nas melhores escolas da Europa... E falando nisso, porque você não volta para
lá? – disse, levantando-se e puxando Verônica pelo braço. – Vamos.
Gabriel
ficou parado. De repente, um amigo dele chamado André se aproximou.
— O que
foi? Levou o fora de alguma garota? Por que está assim?
— Do que
está falando?
— Bem,
você não estava interessado em uma daquelas garotas que estavam aqui agora?
Gabriel
achou aquela idéia absurda.
— Como se
eu fosse gostar de uma garota tão irritante... – disse. – Mas ela não perde por
esperar... Ah, com certeza. Aquela garota irritante nunca mais vai me tratar
desse jeito.
André
pareceu curioso.
— O que
você está planejando?
— Nada de
mais. Só uma brincadeirinha que ela nunca vai esquecer... – disse sorrindo.
— Isso
tem a ver com o fato de você ter passado por aqui hoje?
—
Elementar, meu caro Watson. – disse, rindo.
Fabiano
se encontrava mais uma vez no hospital. Estava bastante cansado. Não dormira
bem. Ficara pensando em muitas coisas do passado. De repente, enquanto andava,
percebeu que parara em frente ao quarto de Rebeca. Bateu à porta e entrou. Ela
estava acordada e olhava pela janela do quarto, admirando algo. Súbito, ela
percebeu que o médico estava de pé junto a sua cama. Ele ficou observando-a por
alguns segundos até que ela percebeu a sua presença.
— Doutor.
Bom dia. Não o ouvi entrar.
Dr.
Fabiano acordou de seus pensamentos. A paciente que a pouco tempo estava em
coma, parecia cada vez melhor. Apesar da cabeça ainda estar enfaixada, o
semblante dela ainda o admirava.
—
Desculpa... – começou ele - Eu nem sei por que eu estou aqui. Apesar de não ser
seu médico responsável, vim ver como estava. Parece que já está bem melhor. –
disse, pronto para sair.
Ela
sorriu.
— Por que
não fica e me faz um pouco de companhia? Quer dizer, se puder, é claro... Às
vezes, sinto falta de conversar com alguém... – disse.
— Bem,
acho que não há nenhum problema em ficar alguns minutos.
Fabiano
voltou-se e sentou-se ao lado da cama na qual ela estava deitada.
— É
incrível a sua recuperação... O que o seu médico responsável falou sobre a sua
perda de memória?
Ela
desviou o olhar da janela novamente e olhou para ele.
— Ele
disse que pode durar pouco tempo, mas não tem certeza disso... Há também a
possibilidade de ser permanente, mas isso só o tempo dirá. – e
observando-o atentamente. – Mas é sobre isso que queria falar? Parece que está
com algum problema...
Fabiano
se sentia constrangido. Não sabia por que, mas sentia a necessidade de
conversar com aquela pessoa que mal conhecia, mas por alguma razão se sentia
bem quando estava com ela. Mesmo antes de ela acordar, já percebera isso.
— Eu não
sei por que, eu nem te conheço... Eu não deveria...
— Você
não deveria falar sobre seus problemas com uma paciente... Eu entendo. – disse,
interrompendo-o. – Então, vamos ser amigos. Assim está melhor? – concluiu
sorrindo.
Fabiano
não conseguiu evitar sorrir.
— Que bom
que sorriu... – disse ela. – Aquelas rugas na testa não combinam com o senhor,
Dr...
—
Fabiano. – Fabiano completou, informando o seu nome.
Os dois
ficaram em silêncio por alguns instantes. De repente, olhando aquela paciente,
Fabiano percebeu que nem sabia o motivo pelo qual viera aquele quarto. Depois,
lembrou-se de Érica.
— Como é
possível uma pessoa não mudar nunca? – perguntou a si mesmo.
— Não é
possível. – respondeu Rebeca.
Fabiano
teve um pequeno sobressalto, pois não havia percebido que falara em voz alta
seus pensamentos.
— As pessoas
sempre mudam. – continuou ela, sem desviar o olhar da janela onde se via alguns
pássaros em cima de uma árvore. – Todos os dias, toda hora... – e olhando para
ele. - É como um rio que corre, atravessá-lo uma vez não é o mesmo que
atravessá-lo uma segunda vez... Por mais que seja o mesmo rio, as mesmas
pedras, o mesmo caminho, as águas não são as mesmas. Encontrar uma pessoa em um
dia não é o mesmo que encontrá-la em outro dia.
Fabiano
sorriu.
— Onde
aprendeu isso?
— Não
sei... – disse um pouco desconcertada. - Apenas me vem à cabeça... O cérebro
humano é fascinante, não? Eu me pergunto que tipo de vida eu vivi para que
esses tipos de pensamentos venham tão naturalmente a mim. – disse com o mesmo
sorriso.
Fabiano
ficou um pouco mais sério e com o olhar um pouco vago.
— Não se
lembrar de nada... Sinto um pouco de inveja de você...
— Não
sinta. – disse ela.
Fabiano
percebeu que falara demais. Não tinha o costume de falar sem pensar, mas aquela
jovem tinha o poder de fazê-lo dizer o que realmente sentia.
— Um dos
médicos que me examinou para o relatório da polícia disse que eu tinha muitas
marcas no meu corpo que não foram causadas pelo acidente. Falou também que
existe uma possibilidade muito grande de eu ter sofrido várias agressões de
forma frequente.
— Por que
está me dizendo isso? – perguntou Fabiano um pouco confuso.
Rebeca
sorriu distante.
— Sei que
pode parecer bom eu não me lembrar de nada. Qualquer um diria isso. Afinal,
parece que eu não tenho um bom passado. Mas, acho que não foi de todo ruim. Com
certeza, teve momentos em que eu me senti feliz... É por isso que eu disse para
não sentir inveja. Por mais que algumas lembranças te deixem triste, outras têm
exatamente o efeito contrário. Até mesmo as pessoas, por mais lembranças ruins
que elas tenham trazido, há sempre lembranças boas relacionadas a elas.
— Mesmo
que uma pessoa apenas fingiu?
Rebeca
sorriu suavemente. Por um momento, Fabiano pensou que nunca havia conhecido uma
garota tão diferente.
— Não
existe ninguém capaz de fingir completamente. Sempre haverá algo de verdadeiro,
um sorriso, um comentário, um gesto.
Fabrício
sorriu.
— Me
parece ser um modo simplista de pensar. – comentou Fabiano.
Rebeca
retribuiu o sorriso.
— Na
verdade, as coisas são simples... Nós, humanos, é que temos a mania de
complicar tudo.
— Estou
começando a pensar que você leembrou de tudo e está nos enganando. – disse ele,
fazendo uma brincadeira.
Ele
levantou-se para sair e se aproximou da porta.
— Você
disse que as pessoas sempre mudam. Mas, acho que há algo que nunca muda afinal.
– disse ele da porta, enquanto a
observava.
Rebeca
pareceu intrigada com a afirmação do Dr. Fabiano e ele continuou:
— Por
mais que sejam outras águas, no final das contas, sempre vai ser água. – disse,
saindo com um sorriso enigmático. – A essência de algo nunca muda, não é?
Fabiano
saiu e Rebeca ficou imersa em pensamentos.
— Pode
ser... Mas, e se as águas ficarem turvas? – falou para si mesma.
O dia
havia passado rápido. Emanuela estava fechando a porta de casa. Tomava cuidado
para ver se algum dos capangas de Fernandes não a estava seguindo. Passara a
noite com a irmã no hospital. Voltara ali para pegar algumas roupas, mas já
estava voltando. Ela e a irmã combinaram revezar durante a permanência do
Rogério no hospital. Sabia que Mariana, assim como ela, estava cansada. Estava
preparando-se para sair, quando, de repente, um carro preto importado parou em
frente a sua casa. De dentro do carro saiu uma mulher bem vestida e com uma bolsa
a tiracolo. Olhou para o número da casa de Emanuela e depois olhou para a
garota.
— Com
licença. – disse, se aproximando de Emanuela. – É aqui que moram as gêmeas Emanuela
e Mariana?
— Sim. –
respondeu Emanuela um pouco desconfiada. – Por que você está procurando por
elas?
— Eu
tenho um assunto muito importante para falar... É somente com elas.
— Eu sou
uma das gêmeas. Meu nome é Emanuela.
A mulher
não demonstrou qualquer reação de surpresa.
— Certo, Emanuela.
Você me convidaria para entrar? É realmente um assunto muito importante.
Emanuela
pareceu um pouco desconfiada, mas, resolveu acreditar nela.
— Claro.
– Emanuela concordou, abrindo a porta.
Emanuela
abriu a porta e, em poucos instantes, as duas estavam sentadas no sofá da sala.
— O que a
senhora deseja? Por que quer falar comigo? – perguntou interessada.
— Eu
tenho uma proposta para você e para a sua irmã. – disse, sendo direta.
Emanuela
ficou surpresa com a sinceridade da mulher.
— P-proposta?
Que tipo...? Você não veio enviada pelo Fernandes, não foi?
—
Desculpe, mas eu não sei quem é Fernandes... Então, não posso ter sido enviada
por ele.
Emanuela
respirou um pouco mais aliviada, mas ainda não estava totalmente convencida.
— Então,
o que veio me propor? Eu ainda não estou entendendo quem é você e o que quer
comigo e minha irmã.
— Ah,
desculpe, esqueci de me apresentar. Pode me chamar de Elisa.
— Elisa?
— Sim,
apenas Elisa.
Emanuela
olhou ainda desconfiada para aquela mulher. Não sabia ao certo, mas havia algo
de realmente falso nela.
— Bem, o
que tenho para lhe falar não é nada ilegal... Na verdade, sou do conselho
tutelar. Estaria disposta a me ouvir?
—
Conselho tutelar? Eu e minha irmã já temos 18 anos, o que temos a ver com o
conselho tutelar?
— Bem,
como eu posso dizer... Você deve conhecer o Grupo Demontieux, não é?
— Sim...
A senhora está falando daquele enorme Grupo Empresarial...
— Sim,
esse mesmo.
— E o que
isso tem a ver comigo e minha irmã?
Elisa
respirou. Precisava exercer sua capacidade de persuasão naquele momento.
— O fato
é que há pouco mais de um ano, o Dr. Otávio, presidente do Grupo, entrou com um
pedido de adoção para adotá-las, mas só agora, depois que vocês completaram 18
anos é que os papéis foram liberados.
Emanuela
pareceu surpresa.
— Alguém
queria nos adotar? Como eu nunca soube disso?
— Talvez,
porque era algo que estava sendo feito em sigilo.
Emanuela
não estava acreditando naquela história.
— Isso é
inacreditável... Mas, de qualquer forma, não estamos mais na idade de sermos
adotadas.
— Tem
razão, é por isso mesmo que estou aqui. Independente de serem adotadas ou não,
o Dr. Otávio quer incluir vocês como netas dele.
Emanuela
ficou sem reação.
— Do que está
falando? Você está dizendo que um milionário que nem sequer nos conhece quer
nos fazer herdeiras? Acha mesmo que vou acreditar nisso? É algum tipo de golpe?
Elisa
sabia que não seria fácil.
— Bem,
pessoalmente, eu também não entendo a mente dos milionários. Mas, acho que isso
tem a ver com o fato da dona do orfanato no qual estava ter pedido esse favor a
ele. Parece que eles eram amigos muito próximos e quis fazer essa última
vontade dela. E ela parecia ter um apreço muito grande por vocês.
— Sim,
isso é verdade. Dona Nininha era muito boa com a gente, talvez porque éramos as
mais velhas do orfanato e estávamos há muito tempo lá. Mas, mesmo assim...
— Eu
entendo que possa parecer estranho esse pedido. Mas, você não recusaria uma
oferta assim, recusaria?
Emanuela
ficou pensativa por um segundo.
— Eu
ainda não sei o que pensar.
— De
qualquer forma, ele também pensou que vocês seriam uma boa companhia para a
neta dele. É uma garota que sempre esteve muito solitária.
Emanuela
olhou sério para Elisa.
— Então,
o que está querendo dizer é que ele quer que sejamos as damas de companhia da
neta dele e em troca ele vai nos fazer herdeiras?
— Não foi
isso que quis dizer...
Emanuela
levantou-se.
—
Desculpe, mas eu realmente não tenho como aceitar esse tipo de oferta.
Elisa
parecia chocada.
— Então,
não há nada que eu possa fazer para lhe convencer do contrário? – Emanuela
balançou a cabeça negativamente. - Bem, se é isso, então, acho que não posso
fazer mais nada. – fez uma pequena pausa. - Mas, tenho um pedido a fazer. Posso
ir ao banheiro?
Emanuela
pareceu surpresa com a mudança repentina de assunto.
—
C-Claro. – disse ela, indicando o caminho.
Em poucos
minutos, Elisa voltou e se despediu de Emanuela.
Ao sair
da casa, abriu a porta do carro e entrou. Logo em seguida, o carro saiu.
Dentro do
carro, Dr. Tarcísio olhou para Érica.
— Você realmente
parece muito diferente. Não sabia que atores podem se tornar uma pessoa totalmente
diferente.
Érica
riu.
— Esse é
um dos meus vários talentos, Tarcisinho.
— Você poderia,
por favor, parar de me chamar assim? – pediu o advogado constrangido. – Então,
diga, o que aconteceu? Ela acreditou na história?
Érica
suspirou.
— Nem uma
criança acreditaria naquela história, até meu poder de persuasão tem limites.
Quem foi que pensou em um enredo tão surreal? Não me diga que foi você? – disse,
enquanto via Tarcísio desviar os olhos. – Logo vi...
— Bem, eu
não nasci para ser escritor... Sou um advogado.
— E por
que não contratou alguém para inventar uma história melhor?
Tarcísio
limpou a garganta.
— Quanto
menos pessoas de fora da família souberem desse assunto melhor.
Érica
balançou a cabeça negativamente.
— Eu não
sei... Mas, aquela garota é muito inteligente. Mesmo que eu tenha feito parecer
o mais realista possível, ainda não foi suficiente. Deve ter sido por isso que
ela recusou. Agora, diga, o que nós vamos fazer?
— “Nós”?
— Sim,
nós. Afinal, o Dr. Otávio quer ter um encontro com a suposta neta dele, não é?
Falando nisso, peguei o que queria. – disse, abrindo a bolsa que levava. – Uma
escova de dente e alguns fios de cabelo. Isso é suficiente?
— Sim. –
disse ele, pegando o material. – Com isso, podemos confirmar através de um
exame de DNA.
— Ainda
acho que o Dr. Otávio deveria apenas dizer a verdade. Acho que não custa nada.
Tarcísio
suspirou.
— Talvez
ele esteja agindo assim porque tem medo de ser rejeitado como foi com o Jorge.
— Ah, eu
ouvi sobre isso... Parece que eles não se davam muito bem, não é?
— Sim.
Eles discutiam muito. O Dr. Otávio, na época, impôs muitas coisas ao filho. Ele
se sente culpado até hoje pelo seu filho ter morrido daquela maneira quando
estava brigado com ele. No fundo, o Dr. Otávio apenas quer conquistá-las
primeiro antes de revelar tudo. Mas e você? Por que quer tanto voltar a morar
na mansão?
Érica
ficou calada por alguns segundos.
— Talvez
eu seja parecida com o Dr. Otávio nesse caso e só quero reparar um erro.
— Está
falando do erro de ter abandonado o Dr. Fabiano?
— Isso
não é da sua conta. De qualquer forma, asssim que o resultado do teste sair,
diga a mim imediatamente.
— E por
que eu diria?
— Você
não quer que as netas do Dr. Otávio morem na mansão? Eu posso fazer isso, mas
do meu jeito. O que importa é apenas o resultado, não é?
Tarcísio
balançou a cabeça afirmativamente, ainda indeciso se confiava ou não naquela
mulher.
Mariana
já estava a um bom tempo ali. Emanuela disse que voltaria logo, mas estava
demorando bastante. Já era quase meio dia. Rogério tinha passado a manhã quase
toda acordado conversando com ela, mas estava descansando naquele momento. Ela
tentou ligar para o celular da irmã, mas por mais que chamasse, não atendia.
— Emanuela,
onde você está? – perguntou para si mesma, enquanto tentava mais uma vez ligar
para o celular da irmã.
De
repente, alguém bateu à porta. Era o Dr. Rafael.
— Com
licença. – disse entrando. – Como está o nosso paciente?
— Acho
que bem melhor... Os machucados estão menos inchados... Deve ser o
antiinflamatório que estão usando...
— Deve
ser. – concordou Rafael rindo. – É impressão minha ou você parece gostar de
medicina?
Mariana
riu.
— Não é
impressão. Eu realmente gosto dessa área. Eu estou estudando para fazer uma
faculdade de medicina na área da pediatria.
— Muito
interessante. A medicina é fascinante, não acha?
Mariana
concordava plenamente.
— É.
Diminuir o sofrimento das pessoas ou mesmo salvar algumas delas... Isso realmente
traz um sentimento muito bom. Pena que alguns afirmam que médicos são apenas
pessoas com complexo de Deus.
Rafael
não conseguiu evitar rir.
— Pode
ser que eles tenham razão... – disse ainda rindo. – Quando estamos em uma
cirurgia temos a sensação de que podemos salvar qualquer pessoa, mas
infelizmente não é assim.
— O
senhor é cirurgião? – perguntou Mariana curiosa.
— Ainda
não. – disse ele, enquanto pegava o prontuário de Rogério. – Mas tenho estudado
para isso... Por enquanto, faço parte da equipe de apoio do hospital, por isso
você pode me encontrar em qualquer lugar daqui.
De
repente, Rafael lembrou-se que Mariana estava ali desde cedo e não a vira sair
dali um só momento.
—
Mariana, não é?
— Sim. –
ela confirmou o próprio nome.
— Você já
almoçou?
Mariana
suspirou.
—
Infelizmente não. Estou esperando a minha irmã, mas até agora ela não veio. E
acho que não virá tão cedo. Nem o celular ela atende... – disse, tentando ligar
mais uma vez.
— Venha
almoçar comigo. – convidou ele - Afinal, se você é amiga do Fabrício, também é
minha amiga. Além do mais, a comida servida aos médicos é muito boa.
Mariana
pareceu vibrar.
— Posso
mesmo? – perguntou Mariana. – Mas, e o meu pai?
Rafael
riu da animação da garota.
— Não se
preocupe. Chamarei uma enfermeira para que fique aqui por enquanto, para que
não fique preocupada.
—
Obrigada mesmo, Dr. Rafael. Eu realmente estou com fome... Você nem imagina...
– e notando o erro. – Quer dizer, “o senhor”...
— Pode me
chamar de você. “Senhor” me faz parecer muito velho.
— Ok! – disse
Mariana sorrindo. – Então, eu vou almoçar com você.
Rafael mais
uma vez não pode deixar de rir da espontaneidade da garota.
Verônica
havia chegado da faculdade. Ao entrar em casa, procurou pelo irmão. Perguntou à
empregada onde ele estava. Descobriu que ele estava na academia do prédio.
Deixou a bolsa e foi encontrar-se com ele. Ao chegar lá, conseguiu encontrá-lo
em meio a todos aqueles equipamentos.
— Qual a
desculpa esfarrapada que vai dar agora Fabrício?
Fabrício
que estava malhando parou de repente.
— Do que
você está falando? – ele perguntou, não entendendo a rispidez da irmã.
Verônica
sorriu impaciente.
— O papai
me ligou hoje, logo depois que eu saía da faculdade... Ele estava extremamente
irritado. Na verdade, eu nunca tinha visto ele tão irritado na minha vida.
— Com o
quê? – perguntou Fabrício, não entendendo o que a irmã queria dizer.
Verônica
tentou ser o mais clara possível.
— Tem
certeza que você não sabe? Você não sabe que R$ 500.000 sumiram da nossa conta
e que não fui eu que retirei esse dinheiro? Quando você disse que estava em um
problema sério, você apenas disse que tinha ajudado aquela garota a fugir de
alguém e não me contou detalhes. E agora isso.
Fabrício
ficou pálido. Não era possível que o seu pai monitorasse tão de perto a conta
conjunta dos dois irmãos.
— O que
foi que você fez, Fabrício? – perguntou ela, olhando para a expressão assustada
do irmão.
O Dr.
Otávio estava mais uma vez em seu escritório. Ali também estavam o seu advogado
e amigo Dr. Tarcísio e outros três sócios do Grupo também responsáveis pela
administração, Homero, Fausto e Robert.
— Isso é
verdade? Vocês têm certeza do que estão falando?
— Sim. –
Homero confirmou a informação. – Alguém está usando o grupo para lavagem de
dinheiro... E o responsável por isso parece ser o seu próprio irmão, Dr.
Otávio.
Otávio
não acreditava no que estava ouvindo.
— O meu
próprio irmão... – Dr. Otávio não conseguia acreditar por mais que repetisse
para si mesmo. – Mas por que razão ele teria necessidade de lavagem de dinheiro?
Isso não faz o menor sentido!
Robert,
um americano naturalizado brasileiro, olhou para o Dr. Otávio.
— Dr.
Otávio. Há indícios muito fortes de que seu irmão seja o chefe do tráfico
humano e de um dos maiores pontos de tráfico de drogas da região.
O Dr. Otávio
estava totalmente pálido.
— Isso é
impossível! O meu próprio irmão... Mas como eu não pude ver isso?
O Dr.
Tarcísio resolveu explicar.
— Era um
esquema muito bem armado. Se não fosse a auditoria jamais teríamos percebido...
—
Auditoria? – O Dr. Otávio estava confuso. – Quem autorizou essa auditoria? –
perguntou um pouco irritado. - Por que não me comunicaram?
— Mantivemos
em segredo de qualquer pessoa da sua família, Dr. Otávio. Não sei se o senhor
sabe, mas, houve uma vez em que o grupo quis realizar uma auditoria em uma das
empresas e, de alguma forma, fomos impossibilitados de realizá-la pelo seu
irmão. Então, resolvemos manter em segredo.
—E vocês
têm provas disso? – perguntou Dr. Otávio. – De que realmente o meu irmão está
envolvido nisso?
— Ainda
não temos provas suficientes... – disse Fausto. – Mas, ao término das
investigações talvez tenhamos provas suficientes para mandá-lo para a cadeia.
O Dr.
Otávio ficou calado por um instante.
— Vocês
podem sair, por favor... Eu preciso pensar um pouco. Vocês devem imaginar que
isso não está sendo muito fácil para mim. Afinal, estamos falando do meu irmão.
Os quatro
concordaram. Logo depois, quando ficou sozinho, o Dr. Otávio pegou um remédio
para controlar sua pressão. Ultimamente, ela estava oscilando bastante.
Viviane
estava mais uma vez no hospital. Por mais que a mãe e a amiga falassem, não
conseguia ficar muito tempo sem falar com o Dr. Rafael. Logo ao chegar, tomou
um susto. Ela viu Rafael saindo acompanhado de uma garota que aparentava ter a
sua idade. Saíam do lugar onde apenas os médicos almoçavam. De longe, pôde
perceber que Rafael parecia sorrir, enquanto se despedia da jovem. Logo que
Rafael saiu, Viviane se pôs a seguir a garota que estava com ele. De repente,
percebeu que ela ia entrar em dos quartos do hospital.
“Quem é
aquela garota?” – perguntou a si mesma chegando mais próximo de Mariana.
Viviane
tomou coragem e interpelou a garota antes que ela entrasse no quarto.
— Com
licença. – disse Viviane, tocando no ombro de Mariana. – Posso falar com você?
Mariana ficou
assustada por um instante.
— Claro.
– respondeu confusa. – Mas, tem certeza que é comigo que quer falar? Eu conheço
você de algum lugar?
Viviane
ficou séria.
— É com
você mesma que eu quero falar. – disse, encarando Mariana.
Mariana
não entendia a rispidez com que aquela garota falava com ela.
— Eu vou
ser simples e direta. – disse Viviane, olhando diretamente para Mariana. – Que
tipo de relação você tem com Rafael?
Mariana
ainda estava um pouco atordoada com o que Viviane acabara de falar.
— Do que
você está falando?
Viviane
sorriu irônica.
— Vai
dizer que não conhece o Rafael? Você almoça com um cara e não sabe o nome dele?
Que tipo de garota você é?
— Eu
realmente não entendo porque você está falando assim comigo. Mas se isso tem a
ver com o Dr. Rafael, fique tranquila, eu não tenho nada com ele.
Viviane
pareceu se acalmar um pouco.
— Eu
espero que sim. Por que vou logo avisando, o Rafael é meu. Não se atreva a
olhar para ele... Eu tenho muito dinheiro e posso fazer da sua vida a pior
possível.
Mariana
sorriu, achando aquela situação um pouco ridícula.
— Eu não
tenho medo de ameaças. E apesar de não entender essa sua reação, eu gostaria
que você soubesse que não precisa se preocupar, eu não olho para o Dr. Rafael
dessa maneira. Para falar a verdade, eu mal o conheço.
Viviane
sorriu.
— Ainda
bem que você entendeu.
—
Entendeu o quê, Viviane? – perguntou alguém se aproximando.
Viviane
teve um sobressalto. Ela conhecia aquela voz. Era Rafael.
— Não é
nada, Rafael. – disse Viviane, tentando se explicar. – Eu apenas estava dizendo
para a...
—
Mariana. – disse Mariana, informando seu nome.
— Isso.
Eu estava perguntando para Mariana se ela entendia que eu quero ser amiga
dela... – explicou meio sem jeito.
Rafael
sorriu.
— Que
bom. Mariana pode ser uma boa influência para você. É uma boa garota. –
comentou Rafael.
Viviane
parecia um pouco constrangida.
— Então,
eu já vou indo. – disse. - Até outro dia, Rafael. E bye bye, Mariana.
Enquanto
se afastava, Rafael e Mariana a observavam.
— Não se
importe muito com ela. Ela pode parecer uma má pessoa, mas é apenas um pouco
teimosa... – disse sorrindo. – Eu ouvi a maior parte da conversa de vocês.
Mariana
ficou um pouco surpresa, mas logo retomou a sua calma habitual.
— Ela
parece estar muito apaixonada pelo senhor, quer dizer, por você.
Rafael
sorriu.
— É o que
ela sempre vive dizendo... Mas não passa de uma paixão adolescente. – e olhando
para Mariana. – Mas, você me surpreendeu...
Mariana
pareceu não entender o último comentário do Dr. Rafael.
— Pensei
que fosse tão imatura quanto Viviane. – disse ele se afastando.
Mariana
sorriu, se perguntando se aquilo foi realmente um elogio.
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