quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

SESSÃO LEITURA - UM NOME QUALQUER - LEON ELIACHAR

O texto abaixo é da autoria de Leon Eliachar.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://www.releituras.com/leoneliachar_bio.asp.
Boa leitura!

UM NOME QUALQUER

Encontraram-se depois de mais de dez anos:
— Afonso!
— Hermenegildo!
Abraçaram-se três vezes seguidas, como fazem todos os que não se vêem há muito tempo:
— Lembra-se do Rogério?
— Lembro.
— Morreu a semana passada.
— Coitado.
Conversaram a mesma conversa que conversam os que não se vêem há muito tempo:
— Que tens feito?
— Lutando. E você?
— Levando a vida.
Quando deram por si, estavam tomando cafezinho em pé, como fazem sempre os que não se veem há muito tempo:
— Você está mais gordo.
— E você, mais magro.
Foram andando, parando, relembrando incidentes pitorescos, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:
— E aquele mergulho no rio, atrás do internato, lembra-se?
— Se me lembro, quase você morre afogado.
— E foi você quem me salvou, nunca esqueci.
Pararam num ponto de ônibus pra se despedir, ficaram batendo papo mais de meia-hora, como fazem todos os que não se vêem há muito tempo:
— Você casou?
— Casei. E você?
— Mais ou menos. Estou com uma zinha aí mas ela é casada.
— Você nunca quis nada com o casamento, hein, malandro?
— Com essa até que eu casava.
— Como ela é?
— Baixotinha, gordota, tem um sinalzinho no rosto, mas eu gosto dela assim mesmo.
Afonso ficou apreensivo:
— Como é o nome dela?
— Cláudia.
Afonso ficou mais curioso:
— Ela tem filhos?
— Dois. Um menino de quatro e uma menina de três.
Afonso só faltou pedir o retrato pra ver, mas não teve coragem. Apressou a despedida:
— Bem, tenho de ir andando, estou atrasadíssimo.
Tomou o ônibus, foi direto para casa. No caminho, foi pensando: “Cláudia… dois filhos… um menino de quatro… uma menina de três… baixotinha… gordota… um sinalzinho no rosto…” era muita coincidência. Quando entrou em casa, só faltou arrancar a porta. Lá estava a mulher no meio da sala, com os dois filhos, baixotinha, gordota, com um sorriso na cara deste tamanho:
— Chegou cedo hoje, hein, Afonso?
Ele estava tremendo de ponta a ponta, quando perguntou:
— Diz depressa o nome de um homem.
— Como?
— Depressa, diz um nome de homem. Um nome qualquer.
Ela nem teve tempo de pensar:
— Hermenegildo.
Ele chegou a cambalear, foi preciso segurar no vão da porta:
— Quem diria, hein?
Sua mulher não entendia nada:
— Mas o que foi, Afonso? Está sentindo alguma coisa?
Ele foi categórico:
— Estou sim.
— Está sentindo o quê?
Ele arreganhou os dentes:
— Estou sentindo ódio de mim mesmo, por ter salvo aquele desgraçado. Devia ter deixado ele morrer afogado.
Cláudia caiu de bruços e como caiu, ficou, inteiramente desacordada.
O médico disse que era normal.
Estava esperando o terceiro filho.

2 comentários:

  1. É muita coincidência kkkkkkk. Essas crônicas de Leon Eliachar são muito engraçadas!

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