Por um equívoco nosso, as sessões de sexta foram apresentadas na quinta. Assim, excepcionalmente, estamos apresentando as sessões da quinta no dia de hoje. Na semana que vem, voltaremos ao normal.
Gratos pela compreensão!
A crônica que reproduzimos abaixo é do centenário Rubem Braga.
Gratos pela compreensão!
A crônica que reproduzimos abaixo é do centenário Rubem Braga.
Para maiores informações sobre o autor,
favor acessar: www.releituras.com/rubembraga_bio.asp.
Boa leitura!
RECADO AO SENHOR 903
Vizinho -
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi
outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o
senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua
própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação
verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O
regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao
seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso
noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003.
Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei
o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois
números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo
1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao
alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 - que é o senhor.
Todos esses números são comportados e
silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos
fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da
maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de
hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha
casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45, e
explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8:15 deve deixar o 783
para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala
305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser
tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando
dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.
... Mas que me seja permitido sonhar com
outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse:
"Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou".
E o outro respondesse: "Entra, vizinho e come de meu pão e bebe de meu
vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é
curta e a lua é bela".
E o homem trouxesse sua mulher, e os
dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para
agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o
dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.
Fonte: http://files.comunidades.net/7underground/PARA_GOSTAR_DE_LER_VOLUME_1__CRONICAS.pdf.
Bela crônica! Gostei!
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