quinta-feira, 30 de junho de 2011

SESSÃO LEITURA - COLABORAÇÃO: MARI DO MURAL DA URCA

O conto que reproduzimos abaixo, A Mulher do Anacleto, é da autoria de Lima Barreto.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u589.jhtm.
Nosso agradecimento à amiga Mari pelo envio do texto.
Boa leitura!

A mulher do Anacleto

Este caso se passou com um antigo colega meu de repartição.
Ele, em começo, era um excelente amanuense, pontual, com magnífica letra e todos os seus atributos do ofício faziam-no muito estimado dos chefes.
Casou-se bastante moço e tudo fazia crer que o seu casamento fosse dos mais felizes. Entretanto, assim não foi.
No fim de dous ou três anos de matrimônio, Anacleto começou a desandar furiosamente. Além de se entregar à bebida, deu-se também ao jogo.
A mulher muito naturalmente começou a censurá-lo.
A princípio, ele ouvia as observações da cara-metade com resignação; mas, em breve, enfureceu-se com elas e deu em maltratar fisicamente a pobre rapariga.
Ela estava no seu papel, ele, porém, é que não estava no dele.
Motivos secretos e muito íntimos talvez explicassem a sua transformação; a mulher, porém, é que não queria entrar em indagações psicológicas e reclamava. As respostas a estas acabaram por pancadaria grossa. Suportou-a durante algum tempo. Um dia, porém, não esteve mais pelos autos e abandonou o lar precário. Foi para a casa de um parente e de uma amiga, mas, não suportando a posição inferior de agregada, deixou-se cair na mais relaxada vagabundagem de mulher que se pode imaginar.
Era uma verdadeira “catraia” que perambulava suja e rota pelas praças mais reles deste Rio de Janeiro.
Quando se falava a Anacleto sobre a sorte da mulher, ele se enfurecia doidamente:
— Deixe essa vagabunda morrer por aí! Qual minha mulher, qual nada!
E dizia cousas piores e injuriosas que não se podem pôr aqui.
Veio a mulher a morrer, na praça pública; e eu que suspeitei, pelas notícias dos jornais, fosse ela, apressei-me em recomendar a Anacleto que fosse reconhecer o cadáver. Ele gritou comigo:
— Seja ou não seja! Que morra ou viva, para mim vale pouco!
Não insisti, mas tudo me dizia que era a mulher do Anacleto que estava como um cadáver desconhecido no necrotério.
Passam-se anos, o meu amigo Anacleto perde o emprego, devido à desordem de sua vida. Ao fim de algum tempo, graças a interferência de velhas amizades, arranja um outro, num estado do Norte.
Ao fim de um ano ou dous, recebo uma carta dele, pedindo-me arranjar na polícia certidão de que sua mulher havia morrido na via pública e fora enterrada pelas autoridades públicas, visto ter ele casamento contratado com uma viúva que tinha “alguma cousa”, e precisar também provar o seu estado de viuvez..
Dei todos os passos para tal, mas era completamente impossível. Ele não quisera reconhecer o cadáver de sua desgraçada mulher e para todos os efeitos continuava a ser casado.
E foi assim que a esposa do Anacleto vingou-se postumamente. Não se casou rico, como não se casará nunca mais.

3 comentários:

  1. JE e Mari, que conto legal! E que ótimo final! Bem feito para o Anacleto, não conseguiu dar a volta por cima e nem merecia! Muito gostoso de ler! Bjs.

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  2. JE, que leitura maravilhosa!!!!!!!!!

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  3. hahaha Bem feito pra esse Anacleto!! O conto foi triste, mas seu final foi saboroso!! Que vingançakkk

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