Ao cair da tarde, sentei-me em uma cadeira de balanço na varanda da antiga casa de verão. Estava tudo perfeito como ele gostava: as venezianas e balaústres pintados de branco, o jardim arrumado, a casa, que fora decorada com tanto carinho, bem conservada e limpa.
Era início de outono e a paisagem amarelada já começara a aparecer nas folhas, que logo iriam cair das árvores. A brisa fresca batia em meu rosto, de modo sublime, avisando a nova estação; fechei os olhos e o canto dos pássaros me fez adormecer por um instante.
Acordei com Luiza, de pele rosada e cachos dourados, olhos grandes e brilhantes, a mais curiosa entre todos os meus bisnetos, que trazia em suas mãos um velho álbum de fotografias, me perguntando quem eram aquelas pessoas que se vestiam de modo tão estranho.
Colocou-o em meu colo e abriu-o rapidamente, tanto que nem pude ver qual deles era. Fiquei diante daquelas fotos antigas e senti uma enorme solidão, um vazio que já há algum tempo não sentira mais: saudades da felicidade que vivi com meu Lourenço, moreno alto, forte e sedutor, apaixonado e de olhar profundo, às vezes temperamental e centralizado em seu próprio eu.
Nos anos em que estivemos juntos, conseguiu fazer com que eu me sentisse uma rainha. A saudade foi tanta que chegou a doer em meu peito.
Folhando o velho álbum, revivi momentos fotografados com tanta alegria; fechei os olhos bem fortes e deixei rolar pelo rosto lágrimas, que havia prometido a mim mesma, não rolariam mais.
Precisei de um tempo para respirar profundamente, tirar o nó da garganta, abrir os olhos, e, então, responder-lhes as perguntas que me fazia com tanta curiosidade.
Virando as páginas, olhava aqueles retratos esmaecidos, com os olhos molhados; parecia que estava vivendo tudo novamente, recordei-me de detalhes: palavras, gestos, músicas, cores, poemas que Lourenço declamava com sensualidade em meus ouvidos.
Meu homem, único amor, tornara-me mulher. Fazia com que nos amássemos intensamente, com paixão e vibração; quantas vezes fazíamos amor pela manhã, à tarde, à noite, na cama... no campo... Ah! Quantas lembranças deliciosas!
Silenciei por um instante, fechei os olhos suavemente, pude sentir o cheiro de sua pele, ergui a cabeça, coloquei as mãos em meu pescoço, e, lentamente as desci acariciando-me até os seios. Suspirei... Tudo estava registrado em minha memória.
Continuei descrevendo para Luiza cada uma das pessoas ali retratadas; seus olhinhos brilhavam fascinados com as fotos; a criança nem imaginara com que emoção lhe apresentara seus antepassados.
Deparei-me com os retratos do batizado do meu primeiro filho, logo me recordei da gestação difícil que tive. Neste período fiquei muito sensível e insegura, me achava gorda e feia. Um dia tomei coragem, não queria que ele me achasse fútil, perguntei-lhe se me amava do mesmo jeito de antes da gravidez, a resposta foi imediata, com a voz serena, disse-me:
─ Você é vida para mim Rebeca, se um dia deixar de amá-la foi porque deixei de viver. Lembrar-me desta frase doeu-me na alma. Virei a página imediatamente.
Continuamos vendo aquelas imagens, tantas recordações felizes me vinham à memória; ali, naquele instante, desejei a morte. Não vi sentido na vida sem Lourenço. Um desejo que há algum tempo tinha expulsado do coração.
Continuamos. Um retrato especial em família: Lourenço em pé por trás, segurando no espaldar alto da cadeira de assento largo, o filho e eu sentados, a caçula em meu colo. Para este dia, eu havia providenciado roupas novas a todos, ficamos muito bem nesta fotografia.
O fotógrafo entregou-a para meu esposo, que olhando-a, arregalou os olhos que logo encheram de lágrimas. Depois, fixou seu olhar nos meus e disse-me:
─ Prometo que nada nos acontecerá, amo-vos e vos defenderei com a vida, se preciso for.
Respirei devagar e quase sem voz, disse:
─ Veja querida, este bebê é a sua vovó.
Luiza respondeu-me com seu olhar deslumbrado.
Ela achava graça em tudo: nas poses, nos cabelos, nas roupas, tudo era motivo para gargalhadas. Enquanto minha bisneta sorria se divertindo com as fotografias, eu sofria com as recordações.
E assim chegamos à última página. Além dos retratos estava também em um envelope. Nele continha a convocação de Lourenço para defender o país na guerra. Isso aconteceu nos seus trinta anos. Tínhamos uma família linda, desfrutávamos da vida afortunadamente. Éramos felizes.
Aquela página me causara dor e raiva; dor por ver as imagens dele fardado, com um sorriso largo, cheio de satisfação e ao mesmo tempo inocente, em seu rosto bonito e tranquilo; raiva por saber que nos tiraram bruscamente a felicidade. Meu amado fora ao encontro da morte. Uma morte covarde. Quando se matam sem levar em conta suas famílias. Usurpam a presença desses homens que tanto valem para os seus.
Fechei o álbum com força. Até mesmo com violência.
Percebi os olhinhos da menina se surpreenderem com minha atitude brusca. Sem me preocupar com a sua pouca idade, com voz inundada de repulsa, disse-lhe:
─ A guerra leva a humanidade à involução e à desgraça, por causa de poucas mentes doentias em brusca de poder.
Luiza fitou seu olhar meigo e penetrante em meus olhos e nada falou. Não esperava de minha parte aquela atitude, nem tão pouco as palavras, que certamente não entendera todo o significado. Todavia sentiu abruptamente o momento.
Apertei o velho álbum contra meu peito, consciente do comportamento que eu deveria ter naquele instante. Levantei-me, e, imediatamente fui ao porão guardar aquele álbum velho de fotografias num baú para não o ver mais.
Esse gesto, para mim, foi definitivo. Aos oitenta e seis anos reassumi meu propósito de não sofrer mais e de seguir em frente com a vida, pelo menos o que me restara dela, ou simplesmente viver!
Querida Ana,
ResponderExcluireu gostei MUITO do seu conto!
Achei-o muito denso, cheio de carga dramática e inocência ao mesmo tempo, representados pela bisa, Rebeca (what a coincidence...) e a pequena Luiza.
Gostei também da descrição das cenas... me imaginei como testemunha ocular da estória.
Parabéns pelo seu talento revelado a nós agora...
Abra seu repertório, Ana, e divida conosco esse talento maravilhoso!
Um super abraço!
Aninha, Parabéns, lindo conto!!! Emocionante!!!!!beijos
ResponderExcluirKely
Obrigada minhas queridas!
ResponderExcluirFico feliz pelos elogios. Fico feliz por terem gostado.
Bjus
Ana, muito lindo deu conto! Emocionante! Nunca imaginei que você escrevesse coisas tão bonitas, que bela surpresa! Parabéns! Bjs.
ResponderExcluirObrigada por palavras Maria! Às vezes a inspiração vem. Existem outros guardados na minha gaveta.
ResponderExcluirObrigada! Bjus
Parabéns, Ana Neves pelo texto.Eu não gosto de ver fotografias antigas minhas, eu acho sempre
ResponderExcluirde acordo com as fotos, que deveria ter feito as coisas diferentes do que fiz na época, então me entristece muito ver fotos antigas, então não vejo. bjos...