quarta-feira, 16 de março de 2011

LOCOMOTIVAS - CAPÍTULO IV - PARTE II - FINAL



O problema de Netinho era razoavelmente grave, ainda que ele não se desse conta disso. Algumas pessoas convivem anos e anos com uma doença e só resolvem tratar dela quando começam a sentir dores insuportáveis, ou quando surge a ameaça de perder a vida. No caso dele, não se tratava de uma doença mental. Era uma espécie de defeito de personalidade. Ele não era um moço covarde, mas lhe faltava a capacidade de tomar iniciativa em qualquer assunto. Fora educado assim, treinado para depender da mãe, ensinado a não agir diante de um problema.
Havia, no entanto, um remédio infalível para esse mal: uma relação de amor que fosse integral. Se ele encontrasse uma mulher com quem pudesse estabelecer laços afetivos maduros e intensos. Alguém capaz de sacudir-lhe inteiro, por dentro de seu universo pequeno e fechado. Se esse alguém aparecesse em sua vida, Netinho se transformaria em outro homem. Tornar-se-ia de uma hora para outra um adulto, um homem capaz de enfrentar a vida e vencer. Mas... quem seria esse alguém? Patrícia? Renata? Celeste? Ou alguém que ele encontraria na rua?
Naquela tarde, Netinho recebera um "bolo" de Renata. Era raro, mas às vezes acontecia. Talvez por causa de algum mal-entendido na hora de marcar o encontro, ele teve de ficar esperando mais de meia hora no local combinado, antes de concluir que a noiva não viria mesmo. Já estava ligando o carro para voltar para casa, quando viu aquela garota. Era um monumento: alta, cheia de curvas, cabelo até a cintura, um andar de gazela e toda cor de caramelo. Ficou uns instantes petrificado, antes de perceber que ela olhava para ele e sorria. Não era possível, mas a moça simpatizara com ele.
Não era ilusão de óptica. Ela sorria para Netinho, olhando firme em seus olhos e até fazendo beicinho, num evidente convite. Parou ali em frente ao carro, como se o esperasse saltar do automóvel e ir falar com ela. Só que ele não se decidia. Permanecia ali sentado, com os olhos fixos na garota, que já começava a se desinteressar. Pela cabeça dele passavam mil pensamentos. Todos negativos. E se a Renata resolvesse aparecer justo na hora em que ele estivesse falando com a moça? E se, pior ainda, a mãe passasse por ali? Não sabia mais se queria ou não conhecer a garota, ou se apenas tinha medo. Medo era, na verdade, a única sensação palpável naquele momento: uma força que o imobilizava no assento do carro, fazendo-o olhar para o objeto de seu interesse como um idiota, desprovido de consciência e capacidade de agir.
Só acordou quando viu outro carro estacionar na frente do seu. Um rapaz saltou do automóvel e, bem-humorado, fez um galanteio qualquer para a moça e começou a conversar com ela. Depois de alguns segundos de conversa, ela foi entrando no carro do recém-chegado. Só que, antes, lançou um olhar de desdém para Netinho, como se dissesse: "Até nunca mais, seu trouxa!"
Esse incidente quase sem importância serviu para despertar alguma coisa dentro de Netinho. Ele voltou para casa arrasado, tendo de encarar sua própria inibição diante do sexo oposto. Sentia vergonha, nojo de si mesmo e, é claro, mais medo ainda. Não teve vontade de ver a mãe e, quando chegou em casa, foi direto até o apartamento de Celeste para desabafar, como sempre fazia nessas ocasiões. Ela não estava e ele ficou ali na sala.
Quando Celeste voltou para casa, viu Netinho adormecido no sofá.
Aproximou-se dele em silêncio e ficou por uns instantes ali, olhando embevecida para o ser amado. Não se conteve e passou de leve a ponta dos dedos nos cabelos dele. Sem querer, foi aproximando seu rosto do dele. Começou a sentir o calor de sua respiração e o cheiro de sua pele. Quando os lábios dela estavam quase tocando os dele, Netinho acordou assustado e deu com o rosto bonito e amigo de Celeste a poucos milímetros do seu.

Naquele dia, Sérgio chegou em casa esfuziante de alegria. Trazia presentes para a mulher e a filha. As duas abriram as caixas e ficaram maravilhadas com o que ganharam. Sapatos, bolsas, perfumes e uma garrafa de champanha que ele mandou abrir na hora. Era evidente que se dispunha, a festejar alguma coisa. Chegou até a abraçar e beijar Mirtes, que, atônita, não entendia nada. A alegria era uma coisa tão rara naquela casa que até os criados olhavam apreensivos, julgando que o patrão podia ter enlouquecido.
Quando ele pediu que as duas se arrumassem para jantar fora naquela noite, Patrícia percebeu que algo de muito sério havia acontecido. Os pais não saíam para jantar fora desde que ela se formara no colégio, quatro anos atrás. De qualquer forma, era muito boa aquela sensação de euforia, de vida nova entrando junto com o pai por aquela porta que, para ela, sempre teve o mesmo sentido de uma porteira de campo de concentração.
- Não sei explicar como, mas acho que aconteceu um milagre - disse ele, depois do segundo gole de champanha. - Alguma coisa aconteceu lá no Banco do Brasil... alguma autoridade resolveu rever o processo da minha empresa e eles mudaram de idéia!
- Como assim, papai?
- Vocês não sabiam, mas a falência da fábrica já tinha sido praticamente decretada...
- A fábrica que papai fundou? - assustou-se Mirtes.
- Claro, Mirtes... a gente só tem essa fábrica!
- E o que é que o senhor ia fazer com os funcionários?
- Ia ter de mandá-los embora... vocês já imaginaram? Mais de oitocentos trabalhadores! Mas, graças a Deus, eles mudaram de idéia e vão reconside­rar... vão ampliar o prazo para pagar as dívidas e, ainda por cima, renovar meu crédito.
Patrícia resolveu aproveitar a oportunidade e fez uma tentativa:
- Quer dizer então que agora tudo vai mudar e eu posso namorar o Paulo?
- Absolutamente! De jeito nenhum! E não me faça perder o bom humor!

Kiki demorou alguns dias, mas acabou por se decidir. Dedicara a vida inteira a seus filhos. Não poderia deixar Paulo sofrer sem interceder a seu favor. Arrumou-se e saiu de casa bem cedo, ainda um pouco sonolenta.
Chegou ao escritório de Sérgio, anunciou-se para a secretária e sentou-se na sala de espera. Nem cinco minutos se passaram antes que Sérgio chegasse. Ele cruzou a porta e viu Kiki, sentada, olhando-o fixamente.
- Dr. Sérgio, esta senhora disse que é Josefina Cabral e que está esperando o senhor...
- Pode deixar, vou atendê-la no escritório.
Kiki e Sérgio entraram, ainda atônitos com o reencontro depois de trinta anos...
- Eu pensei que jamais a veria de novo, Jô. Como vai a vida?
- Sérgio, eu pensei muito antes de vir aqui. E só vim por causa de meu filho Paulo. Ele... ele está apaixonado por sua filha, Sérgio. E eu soube que você a proibiu de vê-lo, quando soube que eu era sua mãe... Sérgio, por favor... não vamos magoar nossos filhos por causa do nosso passado. Você não tem esse direito. Quando você me deixou, eu ainda era muito jovem. E sonhava em ser feliz a seu lado, ter muitos filhos, construir um lar. Mas tudo se acabou naquela tarde... Fiquei chorando na estação de trem, sentada nas duas pequenas malas, onde arrumei tudo o que tinha... Você não foi, Sérgio. E eu soube por quê. Seu pai descobriu que eu era vedete, que trabalhava num palco, que tinha coragem de viver como mulher independente. E proibiu-o de me encontrar. Mas você foi covarde... podia até me abandonar, mas não precisava se casar com Mirtes só pelo dinheiro, Sérgio, por puro interesse. Eu... não peço nada pra mim, porque o passado não vai voltar. Eu peço por meu filho. Por favor, Sérgio, deixe-o namorar Patrícia. Eles não podem pagar por um erro que nós dois cometemos.
Sérgio não disse sequer uma palavra durante todo o discurso de Kiki. Estava de cabeça baixa e, pela primeira vez, sentia-se um covarde, um verme, que durante toda a vida enganara a si e a sua família, exibindo um falso orgulho de ser Sérgio Mello. Na verdade, sentia-se um farrapo e deixou sua emoção fluir, ao menos naquele momento.
- Jô, eu... não sei o que dizer... mas eu também gostaria de lhe pedir uma coisa. Eu preciso que você me perdoe, Jô. Eu também era jovem e imaturo. Amava você com todas as forças, mas me acovardei diante do meu pai. Me perdoe, por favor. Eu vou fazer o possível pra que esse erro não destrua mais ninguém; já basta o que nós dois sofremos com isso.
Kiki se recompôs da emoção do encontro. Perdoou-o, sinceramente. E sentiu que um peso de muitos anos saía de sua cabeça.
- Adeus, Sérgio. Foi bom revê-lo. Desejo-lhe muita sorte. E prosperidade na empresa, que agora também fica incluída no seu perdão.
- Não estou entendendo, Jô. O que tem a empresa a ver com nós dois?
- A falência, Sérgio. Paulo me contou sobre a sua falência. Não foi muito difícil pra mim. Dois ou três telefonemas para dr. Alcântara, do Banco do Brasil, e pronto. Você foi salvo.
- Jô, então... foi você quem... quem... não pode ser! .
- Pode sim, Sérgio. Eu não guardo mágoas. Ajudei-o pra ajudar meu filho. Até um dia.
Já na rua, Kiki Blanche pensou na única coisa que não tivera coragem de revelar. Naquele dia, na estação, não eram só as malas que carregava consigo. Dentro do ventre, levava também um segredo, uma surpresa que revelaria na hora do encontro. Estava grávida dele. Sem imaginar que Milena nasceria e cresceria sem jamais conhecer o verdadeiro pai...

Patrícia atendeu ao telefone, pensando ser Netinho:
- Alô? Papai? O quê? O senhor está me dizendo que eu posso namorar com o Paulo? Mas o senhor disse... Está bem, papai. Não vou perguntar por que o senhor mudou de idéia. Está bem. Obrigada, pai, muito obrigada.
E desligou, intrigada com a mudança do pai. Mas aceitou-a e ligou para Paulo.

Quando acordou e viu o rosto de Celeste assim tão perto do seu, Netinho sentiu uma espécie de descarga elétrica que lhe fez ferver o sangue: um misto de surpresa e prazer o atravessou por inteiro. Celeste também não recuou o rosto e percebeu que seus olhos estavam colados aos de Netinho. Não havia nada que dizer, apenas se deixar envolver por essa magia que os lançava um ao outro. Seus lábios se tocaram, suas mãos se uniram e seus corpos se colaram num abraço que parecia não ter limite.
Netinho não voltou para sua casa naquela noite. No dia seguinte não foi trabalhar. No apartamento de Celeste, anos de auto-repressão, séculos de medo e inibição estavam sendo derrubados. Em seu lugar, florescia um relacionamento que estava fadado a não mais desaparecer. Entre aquelas quatro paredes, nasciam um novo homem e uma nova mulher. Seres que faziam parte de uma nova raça disposta a tudo para defender sua própria felicidade.
Margarida estava preocupadíssima com o sumiço do filho. Sabia que ele estava com alguma mulher. Não temia pela segurança dele, mas morria de medo de que o filho se envolvesse profundamente com alguém. Foi até o apartamento de Celeste para ver se ela tinha alguma idéia. A porta estava aberta. Ela entrou e acabou deparando com uma cena inesperada.
No começo foi difícil. Foi preciso muita conversa e alguns comprimidos de calmante. Lentamente Margarida foi caindo na realidade e começando a pensar em substituir o papel de supermãe pelo de superavó. Netinho só precisou dizer tudo o que sempre quisera e não conseguira. Agora não sentia mais medo e era capaz de enfrentar qualquer inimigo. O amor salvara sua vida.

Quando souberam do casamento de Netinho e Celeste, Patrícia e Renata entraram em violenta depressão. Passaram noites em claro amargando a frustração e o arrependimento por terem se apaixonado por quem não as merecia. Depois foram aos poucos percebendo a cilada em que tinham caído. Apaixonaram-se por um rapaz por causa de sua fragilidade; comoveram-se justamente com a insegurança e a fraqueza dele. O instinto maternal as fizera gostar de Netinho, sem desconfiar de que ele precisava exatamente de uma mulher mais velha, assim como Celeste.
Renata começou a namorar Cássio, que era amigo de Netinho e tinha alguma coisa dele. Era uma forma de fazer menos dolorida a separação definitiva. Ou talvez fosse o início de um caso de amor que tinha tudo para dar certo.
Patrícia ficou noiva de Paulo. Sérgio mudara completamente depois de seu encontro com Kiki e até fizera questão de organizar pessoalmente a festa de noivado. Mas Patrícia mudou muito depois desses dois choques, o amadurecimento de Netinho e a modificação do pai. Na noite em que ia ser celebrado seu compromisso com Paulo, ela resolveu jogar tudo para o alto. Chamou o rapaz a seu quarto e lhe contou toda a verdade. Ia se casar com ele só para poder sair de casa. Agora descobrira que podia fazer isso sem precisar se casar. Não o amava, mas gostava dele o suficiente para não querer arruinar-lhe a vida.
Na noite do noivado que não houve, Paulo saiu da casa de Patrícia sem se despedir de ninguém. Racionalmente entendia tudo e até agradecia ao destino pelo que tinha acontecido. Sabia que seu casamento sem amor com Patrícia poderia resultar em tragédia. Mas estava emocionalmente arrasado. Só pensava em tomar um porre e começar o processo de esquecer tudo. Ligou o motor da moto e definiu o bar em que pretendia se embebedar: o Tia Joana.

Milena traiu-se ao pedir a Fábio que parasse com aquela história de descobrir a verdadeira mãe de Fernanda. Isso só serviu para aguçar ainda mais sua curiosidade. Fábio fez todos os contatos possíveis e chegou à verdade. Então, Milena era mãe de Fernanda... Tão logo descobriu, sentiu uma ternura infinita por Milena, e seu amor por ela cresceu ainda mais, somando-se àquele sentimento uma enorme admiração por sua coragem.
Telefonou a Milena e marcou um encontro. Com sua intuição, ela percebeu que ele já sabia de tudo...
Eles se encontraram no mesmo lugar onde se conheceram, em frente à escola de Lia e Regina. Bem em frente havia uma linda praça, cheia de flores e árvores, o lugar perfeito para esse encontro definitivo.
Quando Milena chegou, encontrou, Fábio sentado num banco do jardim, desfolhando uma flor. Milena foi até ele e sentou-se a seu lado.
- Milena, eu descobri duas coisas muito importantes, A primeira é sobre Fernanda. Eu já sei de tudo, Milena. E admiro-a por tudo o que fez. Acho apenas que você foi longe demais. Você quase me perdeu. Por alguns momentos eu cheguei a acreditar que você não me amava mais.
- Você... vai contar tudo a Fernanda, Fábio?
- Não. Mas você vai. E vai contar a ela também que eu vou me casar com você, o mais rápido possível. Nós já perdemos tempo demais...
- Mas... Fábio. Como é que você tem tanta certeza de que eu também quero me casar com você?
- Por causa da segunda coisa que eu descobri. Enquanto você não chegava, fiz algo que nunca tive coragem de fazer. Uma bobagem. Arranquei uma flor do jardim e comecei a arrancar suas pétalas, uma a uma. Bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer... e a flor me contou que você ainda me quer bem...
- Ela estava certa, Fábio. Eu te amo!
- Então, você quer se casar comigo, Milena?
- É a coisa que eu mais quero na vida...
Com um longo beijo, selaram ali um pacto eterno de felicidade...

- Você está triste, Fernanda? - perguntou Machadinho, abraçando-a.
- Não é tristeza, Machadinho. Eu não sei como isso se chama. Durante toda a vida eu percebia que Milena me tratava de uma maneira diferente, especial, e sempre a magoei muito por isso. Achava que ela me perseguia, sempre ali, me tratando como uma criança. Imagino o que ela deve ter sofrido... Todo esse tempo, sem nunca poder me chamar de filha... Mas eu fiquei muito feliz ao saber que Milena é minha mãe, sabe? Antes eu achava que não tinha nenhuma, e agora tenho duas! Kiki e Milena! Dá até pra revezar quando uma ficar chata! - e riram como crianças.
- Mas... e o Fábio, Fernanda? Você ainda sente alguma coisa por ele?
- Claro que sinto! Mas não é nada parecido com amor... Acho que Milena tinha razão. Eu estava mesmo procurando um pai... e acabei encontrando! Quando ele se casar com Milena, vai me adotar também!
- Por falar nisso, Fernanda, eu queria lhe fazer uma proposta. Mas você pode pensar quanto tempo quiser. Eu, bem... eu já montei um apartamento, tenho dinheiro guardado... e, bem, me sinto muito só aqui no Brasil. Além disso, bem, além disso eu te amo, Fernanda. E quero me casar com você. E, se você quiser, vamos ter muitos filhos e adotar uma porção de crianças!
Fernanda parou por um momento. Escolheu bem as palavras antes de falar:
- Eu não preciso de tempo pra pensar. Porque eu não penso com a lógica, só com o coração. E, pela batida aqui no peito, eu só tenho vontade de dizer sim. Eu quero, sim, quero me casar com você, criar um monte de crianças, cozinhar muito bacalhau, sardinha e até conhecer Portugal!
Machadinho abraçou Fernanda, comovido. Afinal, descobrira uma coisa muito importante, para toda a vida: sua terra não era Portugal, ou Brasil, ou outro país qualquer. A pátria de um homem só existe no amor da mulher amada... e era ali, no corpo de Fernanda, que ele construiria seu lar.

Adelaide fazia tricô na sala, e Kiki, a seu lado, ouvia uma velha canção de amor na vitrola.
- Sabe, Adelaide, eu estou pensando em escrever um livro, ou uma peça de teatro, qualquer coisa assim... o que você acha'?
- Eu acho ótimo. Ninguém tem mais aventuras do que você... coisa pra contar é que não falta. Só quero saber se seus filhos vão poder ler tudo!
- Não, Adelaide, eu não quero escrever só sobre a maravilha do teatro de revista, do teatro, da vida de artista. Eu gostaria de deixar um legado pra todos os jovens do mundo. Um conselho, um depoimento do fundo do meu coração. Porque, às vezes, Adelaide, Deus nos dá a felicidade, mas nós não temos a humildade e a coragem de aceitá-la. E deixamos o amor escorrer por nossos dedos, como a areia que nos escapa das mãos... Talvez eu estivesse hoje com Sérgio, aqui ao meu lado, afagando meus cabelos brancos, brincando com meus netos, se ao menos eu tivesse lhe contado que ia ter uma filha sua. Mas eu fui covarde, exatamente como ele. E, por causa dessa mesma covardia, Milena quase comete o mesmo erro, fazendo a própria filha infeliz. Graças a Deus, esse ciclo de medos foi interrompido. Fernanda está feliz com Machadinho, Milena descobriu a felicidade com Fábio, Renata está gostando de Cássio e Paulo vai amadurecer na Europa, ao lado de Gracinha. Eu só penso agora em Regininha. Ela ainda é uma criança, mas precisa começar a aprender os segredos da vida e do tempo. Pois, quando menos se espera, no lugar da boneca de pano temos um filho no colo, cabelos embranquecidos, e um coração amargo...
Depois de refletir um pouco, Kiki concluiu:
- Não, Adelaide, eu preciso dizer a ela que todos nós vivemos numa locomotiva, movida pelo tempo... e só temos direito a uma única viagem. E, se formos pelo caminho errado, jamais chegaremos a lugar algum. O grande segredo do mundo está em saber exatamente o momento de embarcar nessa locomotiva louca chamada amor, que só caminha numa direção e só passa uma vez na vida de cada pessoa...

O AUTOR

Quando ainda era ator e redator de rádio, o paulista CASSIANO GABUS MENDES foi chamado para fazer parte da equipe que montaria a pioneira TV Tupi de São Paulo: "Fui para a Tupi sete meses antes de ela ser inaugurada, justamente por ser um homem familiarizado com o rádio", afirma ele. "Parti para esse veículo novo sem conhecê­lo direito. Meu pai fizera cinema e eu, desde pequeno, vivia vendo filmes. Achei que seria um bom caminho aproveitar um pouco de cinema em meus primeiros programas de TV. Baseei-me então na linguagem cinematográfica."
Em 1950, Cassiano produziu a primeira peça para a televisão: uma adaptação do filme americano A Vida por um Fio. Mas não parou aí: idealizou o TV de Vanguarda, programa que mostrava grandes textos do teatro e da literatura, como Hamlet, de Shakespeare; Crime e Castigo, de Dostoiévski; Casa de Bonecas, de Ibsen etc. Também criou Alô Doçura: histórias bem-humoradas que envolviam um casal, interpretado por John Herbert e Eva Wilma. E as aventuras românticas de Os Galãs Atacam de Madrugada, com Tarcísio Meira, Carlos Zara, Fúlvio Stefanini e Hélio Souto.
Embora em 1972 Cassiano tenha se desligado da Tupi, não deixou, em definitivo, a televisão: enquanto aguardava a aprovação de duas si­nopses que havia mandado para a Globo, fez alguns trabalhos para a TV Record e a Cultura, ambas de São Paulo.
Em 1975, Régis Cardoso deu o "sinal verde" para a sinopse de Anjo Mau e, dessa forma, Cassiano estreava como autor de telenovelas: "Pelo que sei, Anjo Mau bateu o recorde de audiência no último capítulo, e essa é a recompensa que a gente recebe", diz ele. "Mas, confesso, mesmo que a primeira experiência como autor de telenovelas não fosse boa, eu voltaria aos bastidores, contra a vontade, mas voltaria, pois não conseguiria viver fora da TV."
Em 1977, Cassiano repetiu a dose dos altos índices de audiência com Loco Motivas.

Outras novelas de destaque: Te Contei? (1978); Marron Glacé (1979); Plumas e Paetês (1980); Elas por Elas (1982); Champagne (1983).

FICHA TÉCNICA

LOCO MOTIVAS

Autor: Cassiano Gabus Mendes
Diretor: Régis Cardoso

ELENCO

Eva Todor - Kiki Blanche
Araci Balabanian – Milena
Lucélia Santos – Femanda
João Carlos Barroso – Paulo
Walmor Chagas – Fábio
Célia Biar – Sílvia
Elisângela - Patricia
Míriam Pires – Margarida
Denis Carvalho – Netinho
Thaís de Andrade - Renata
Gisela Carneiro – Regina
Carmem Silva – Adelaide
Míriam Fisher – Lia
Heloísa Mafalda – Joana
Rogério Fróes - Dr. Sérgio
Suzy Arruda - Mirtes
Tony Correa - Alberto César Machado
Lídia Iório – Marcelina
Oswaldo Louzada - Chico Rico
Ilka Soares - Celeste
Roberto Pirillo – Cássio
Terezinha Sodré – Lurdinha
Isaac Bardavid - Vitor
Maria Cristina Nunes - Gracinha

3 comentários:

  1. JE, Adorei. O pedido de casamento de
    Machadinho, o sim de Fernanda com direito a dizer que iria cozinhar muito bacalhau e sardinha, foi engraçado. A reconciliação de Fabio e Milena tb foi emocionante. Obrigada JE, por mais este belo romance.

    ResponderExcluir
  2. Kely, ainda não acabou. A partir da semana que vem teremos os compactos. Muita emoção vai rolar.

    ResponderExcluir
  3. JE, estou sem internet , mas quando lembrei de Locomotivas, pedi um note emprestado rsrsrs. Adorei, tudo muito bonito, principalmente a reflexão final de Kiki Blanche sobre o amor e a vida, lindo! E também a biografia do autor, e a ficha técnica, tudo muito bom! Parabéns pelo belo trabalho, obrigada, bjs.

    ResponderExcluir