Capítulo 24 – Mãe.
Gabriele parecia
nervosa. Por alguns segundos olhava fixamente o nada, enquanto o telefone ainda
permanecia em suas mãos.
— Eu não
acredito... Sou de fato uma péssima mãe. Eu tentei ajudar e agora Viviane está
sofrendo mais ainda.
As gêmeas que
estavam sentadas na sala juntamente com ela logo perceberam que algo não estava
normal.
— Gabriele,
aconteceu alguma coisa? – perguntou Emanuela preocupada.
Gabriele olhou
para Emanuela e com muito esforço conseguiu esboçar um sorriso.
— Sim, tudo
normal. Como sempre, é claro, eu não consegui ajudar minha própria filha.
Viviane acabou de saber da condição do avô. Ela deve estar desesperada.
Mariana percebeu
um profundo sofrimento no olhar de Gabriele. Todo aquele tempo, Mariana pensara
que apesar de Viviane tratá-la mal, ela conseguia suportar bem. Mas naquele
momento, a garota percebeu que não era bem assim. Era como se todo o tempo ela
suportasse os maus tratos de Viviane não porque fosse realmente paciente, mas
porque sentia que isso era algum tipo de punição como se fosse culpada por algo
e merecesse aquilo. Naquele momento, Mariana percebeu que, pela primeira vez,
Gabriele deixava transparecer a real dor que vinha sofrendo.
— Dona Gabriele,
digo, Gabriele, já que é tão nova... – disse Mariana – Acho que não entendo
muito bem a relação entre sua filha e você e talvez eu nem mesmo tenha o
direito de falar nada, mas não acha que está protegendo demais a Viviane? Acho
que ela precisa realmente lidar com a dor, digo, mais cedo ou mais tarde ela
saberia da condição do Dr. Otávio.
Gabriele olhou
para Mariana com ternura.
— Tem razão...
Sim, eu tento protegê-la demais. Mas é que eu tento compensar o mal que eu fiz
a ela.
— Mal? –
perguntou Mariana confusa. – Você é mãe dela. Não é como se pudesse realmente
fazer mal à sua própria filha. Só acho que não é justo que a Viviane a trate
dessa forma. Desculpe-me dizer isso, mas, às vezes, acho que ela está recebendo
algum tipo de punição divina pelo que ela faz.
Emanuela olhou
com desaprovação para a irmã.
— Mariana! Tem
coisas que não se diz.
— Dessa vez,
sinto lhe dizer, Mariana, que você não tem razão. Se existe essa tal punição,
então ela é para mim. O fato de ver minha filha sofrendo tanto, apenas me faz
sofrer ainda mais.
Emanuela olhou
confusa para Gabriele.
— O que está
dizendo, D. Gabriele?
— Sim, porque
todo esse tempo Viviane tem recebido tanto sofrimento por AL]go que eu cometi.
– e olhando para as duas que estavam sentadas uma ao lado da outra. – Já que o
fato de Viviane não ser filha do Jorge não ser um segredo, acho que vocês
merecem saber isso. Só espero que não me desprezem tanto quanto Viviane me
despreza.
As duas
permaneceram caladas, enquanto Gabriele continuava.
— Se vocês
tivessem me conhecido na época em que engravidei de Viviane, teriam uma
impressão diferente de mim do que tem agora. Eu e Jorge nos casamos muito
novos, sem saber exatamente o que queríamos. Depois percebemos que não amávamos
um ao outro e começamos a nos desentender. Eu propus que nos separássemos. A
gravidez foi um acidente, na época, eu saía com outros homens... No começo, eu
tentei abortar, tomei remédios, o que não adiantou. Então, marquei um dia em
uma clínica para retirar a criança. Foi quando eu ouvi sem querer Jorge falando
ao telefone com alguém... Era a mãe de vocês. – disse, olhando com pesar para
as meninas que estavam sentadas ao seu lado.
Mariana parecia
um pouco chocada.
— Então, a
senhora...
— Sim. Eu sabia
da sua mãe. A forma como a tratava no telefone, ele parecia tão feliz... Eu
achei que não era justo apenas eu sair daquele casamento infeliz. Ele
praticamente já estava refazendo a sua vida... No começo, eu senti inveja, mas depois...
– disse, tentando tomar coragem. – Depois, eu senti ódio tanto por Jorge quanto
pela mãe de vocês, mesmo sem eu conhecê-la.
As duas meninas
pareciam chocadas com aquilo.
— Me desculpem
por isso... Se eu apenas pudesse voltar no passado...
As meninas
continuaram em silêncio esperando que Gabriele terminasse de contar sua
história.
— Eu estava com
tanto ódio que eu desisti de fazer o aborto. Eu fiz as contas e eu poderia
mascarar o nascimento da criança para 7 meses. Então, eu menti para o Jorge
dizendo que ele era o pai da criança. Foi quando ele desistiu da separação de
vez.
— Então... Jorge não sabia que a Viviane não era filha
dele? – perguntou Mariana.
— No começo, ele
não sabia... Mas começou a desconfiar. No dia do acidente que o matou, ele já
havia discutido com o pai e, logo depois, por conta disso, eu também discuti
com ele. Na minha raiva, para tentar ferir o orgulho dele, eu disse que o filho
que eu estava esperando não era dele. E eu ainda disse que tinha feito isso
para separá-lo da mulher que ele vinha encontrando... – Gabriele tentava
impedir as lágrimas que tentavam sair de seus olhos. – Ele ficou tão chocado na
hora. Eu pensei que ele quebraria tudo, ficaria louco. Mas não fez isso... Quando
ele olhou para mim, ele não sentia raiva, ódio, nada. Era um olhar vazio como
se a vida tivesse saído dele. Eu nunca o tinha visto daquele jeito. Então, ele
saiu no carro e o acidente aconteceu.
Mariana e
Emanuela, que estava ouvindo, também pareciam um pouco emocionadas.
— Então... Foi
nesse dia que ele morreu? – perguntou Mariana com lágrimas nos olhos.
— Sim. Aquele
acidente foi minha culpa. Mas o que eu fiz a Viviane foi muito pior.
Emanuela parecia
surpresa.
— Pior? –
perguntou.
— Assim que ela
nasceu, eu a desprezei. Eu não a amamentei, não a pegava no colo. Sempre que eu
olhava para ela... – disse, tentando conter mais uma vez as lágrimas. – Eu
pensava... “Se você tivesse morrido no lugar dele, tudo estaria melhor, eu não
me sentiria tão culpada.” Às vezes, eu também pensava que não fosse por ela, o
Jorge ainda estaria vivo. Eu trabalhava até tarde para fugir da presença dela. Muitas
vezes, quando eu chegava, ela estava esperando, mesmo sendo tarde. Ela vinha em
minha direção, sorrindo, mostrando alguma coisa que ela tinha feito na escola
ou em casa, mas eu a afastava com qualquer desculpa. Sempre que eu a via sorrir,
eu lembrava daquele olhar do Jorge. A presença de Viviane se tornou um tormento
para mim. Até que ela desistiu de esperar. E já nem se importava se eu estava
em casa ou não. No começo, eu me senti aliviada, mas conforme o tempo ia
passando...
— Você começou a
sentir falta. – disse Emanuela.
— Sim. Um dia,
no Natal, eu tentei uma aproximação. Comprei uma boneca linda. Mas ela não
gostou. Disse que não gostava daquela cor. Foi quando eu olhei para ela e
percebi que não sabia nada sobre ela. Não sabia qual era a sua cor preferida,
que tipo de comida gostava mais ou como tinha sido o seu primeiro dia na escola.
Eu nem sequer lembrava qual foi a primeira palavra que ela tinha falado. –
disse, deixando as lágrimas caírem no rosto. – Naquele momento, eu percebi que
tinha uma filha. Um ser que cresceu dentro de mim e agora era uma garota linda
e cheia de personalidade, mas eu não sabia nada sobre ela. Eu nem sequer fui
uma mãe para ela. Só que era tarde demais. Viviane já não me considerava mais
parte da família dela. Foi quando eu tentei fugir e fui morar no exterior. Agora, eu voltei decidida a reconquistar o
amor dela, mas acho que isso não é mais possível. Ela me odeia.
Gabriele olhou
para as gêmeas e pôde perceber o choque que a história estava produzindo.
— Eu sei... –
continuou. – Sei que nunca imaginaram que eu seria capaz de tantas coisas. Agora,
vocês sabem por que ela se comporta tão mal comigo.
As duas meninas
pareciam tentar digerir toda aquela história.
— Não acredito
que Viviane te odeie. – disse Emanuela. – Eu não conheço bem a Viviane, mas já
sei algumas coisas sobre ela. – Emanuela ficou com o olhar distante. – Na
verdade, ela me lembra alguém de muito tempo... Quando ela grita, quando ela é
irritante, ela só está tentando afastar as pessoas, não necessariamente
significa que as odeia.
— Eu sei... –
disse Gabriele. – Quanto mais ela sofre, mais ela é agressiva. – e deixando as
lágrimas cair mais uma vez. – Esse foi o grande mal que eu fiz à minha filha.
As duas meninas
se aproximaram de Gabriele.
— A senhora
também deve ter sofrido muito, vendo o quanto a Viviane sofreu. – disse Mariana.
– Se vocês duas não tiveram boas lembranças no passado, então devem construí-las
agora. Mesmo sendo muito nova, eu aprendi que não adianta pensar no passado.
Mesmo que você repense nele várias vezes, ele nunca vai ter trazer algo novo.
Gabriele olhou
ternamente para a garota.
— Você tem
razão. – disse ela, tentando sorrir. – Eu sinto muito por vocês. Logo agora que
descobriram que o Dr. Otávio é o seu avô... Todas essas coisas aconteceram.
As gêmeas se
entreolharam.
— Gabriele, a
verdade é que...
De repente, o
telefone tocou, interrompendo o que Emanuela iria falar. Gabriele levantou-se e
atendeu ao telefone.
— Alô? Gabriel?
O que aconteceu?
As duas meninas
olharam para Gabriele e parecia que ela perdera a cor.
— O que foi
agora? – perguntou Mariana preocupada.
— Viviane...
Viviane sofreu um acidente. – disse, sendo amparada por Mariana, enquanto
Emanuela atendia ao telefone e falava com Gabriel.
— Acalme-se
Gabriele. – disse Mariana. – Pode não ser tão grave.
— Gabriel disse
que eles estão na Emergência do Hospital Alcântara! – disse, desligando o
telefone. – Mariana, peça o Rogério para nos levar. Eu acompanho Gabriele até o
carro.
— Está bem. –
disse, saindo rápido para encontrar o pai.
— O que eu vou
fazer? – perguntou Gabriele um pouco desorientada.
Por um momento, Mariana pensou
que Gabriele ia desmaiar, mas não o fez.
Emanuela notou que Gabriele
tremia de tão nervosa. Percebeu o grande esforço que Gabriele fazia para se
controlar.
— A senhora não está em condições
de dirigir. – disse séria. – Vamos para o carro, Rogério vai dirigir para nós. –
disse.
As duas saíram
da mansão em direção ao carro, onde Mariana já esperava com Rogério.
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