XXVII
Na fazenda, enquanto tudo isso
acontecia, Elisabeth não se conformava:
- Como fui perder a hora, Dadi? Eu devia
ter alertado Claude e Rosa ontem à noite, mas a tenda estava tão visitada que
quando os procurei já não estavam mais na festa...
- Calma, dona Elisabeth. Deus é pai, não
é padrasto! – Responde Dadi, mas por dentro sentia um certo frio na barriga.
-
Eu vou ver nossa borboletinha. Preciso enviar boas energias para Claude e Rosa.
Principalmente para Rosa! E para Chantal. - Diz ao subir a escada, baixando o
tom de voz.
Assim
que chegaram de volta à fazenda, Claude entrou com Rosa nos braços na casa
sede. Rosa pedia por Fernanda insistentemente.
-
Meu pai! O que aconteceu com dona Rosa? – Exclamou Dadi, aflita, vendo Claude
caminhar até o sofá.
-
Depois eu explico, Dadi. Onde está minha filha? – Pergunta preocupado.
-
Fernanda está com seus pais e dona Elisabeth no quarto dela. – Dadi nota alívio
no olhar de Claude.
-
Merci, Dieu! – Murmura – Está vendo, chérie? Borboletinha está bem protegida!
Por favor, Dadi, chame o médico de planton da festa, oui? – Pede Claude – vendo
Dadi sair apressada, sem dizer ou perguntar mais nada.
Rosa
ainda estava em estado de choque ao ser colocada no sofá da sala. Agarrou
Claude pelo pescoço como se fosse cair do mundo:
-
Não me solta! – Suplicou desesperada, sentindo-se sem chão.
-
Calma, gatinha. Você está a salvo, hã? – Diz Claude, passando a mão pelo rosto
de Rosa delicadamente - Estamos na sede da fazenda, non tem mais perigo algum.
-
Todo esse drama só porque o pangaré do seu cavalo saiu em disparada?! Se queria
ser o centro das atenções, você conseguiu, queridinha! Já pode deixar o teatro
de lado! – A voz cínica de Nara fez Claude estremecer ligeiramente, enquanto
Rosa apertava sua mão, empalidecendo.
Claude
levanta-se do sofá. Sua expressão não era da melhores ao dizer à Nara:
-
Você non vale nada Nara! É muito pior do que eu pensava! O que foi que você fez
a Chantal?
- Eu
não fiz nada! Se sua esposinha não sabe montar – Fala com desdém - não
deveria se arriscar em cima de um cavalo!
Claude aproxima-se de Nara, com os punhos fechados, controlando-se
para não agredi-la fisicamente.
-
Acontece que minha mulher sabe montar. Eu mesmo a ensinei. Chega de
bancar a santa que você nunca foi, Nara. Confesse de uma vez! Que diabos você
fez a Chantal? Deu algo para deixá-lo agitado?
- Eu
não confesso nada! E pare de me comprometer e tentar colocar palavras na minha
boca! - Nara começava a alterar seu tom de voz.
- Eu
non preciso fazer isso! Você mesma disse a quem quisesse ouvir, que queria
vê-la morta. Testemunhas non faltaron!
-
Testemunhas?
-
Geralmente é como son chamadas as pessoas que relatam o que viram ou ouviram
sobre um determinado acontecimento, mediante um processo.
- E
o que eles viram? Um cavalo desgovernado por falta de habilitação da
amazona!?– E solta uma risada histérica - E eu falei em francês, idiota!
Claude
sorri fria e ironicamente, formando um arco com seus lábios, antes de dizer:
-
Oui! Tem toda razon: falou em francês. Foi uma péssima escolha de idioma, Nara.
Está ton desequilibrada, ton doente, que esqueceu dos seus amigos franceses no
grupo. Todos entenderam perfeitamente seu comentário. E quando forem chamados a
depor, repetiron exatamente o que ouviram.
- E
de que vai me acusar, Claude? – Fala, espalmando as mãos e movimentando-as no
ar - De ter desejado a morte de sua querida mulherzinha? – Pergunta Nara,
divertindo-se com as palavras e virando as costas para ele.
Claude
cruza os braços e diz, o mais calmo que consegue:
-
Tentativa de assassinato. Isso é crime, Nara. Agravado pelo fato de ser
premeditado, hã? Isso dá cadeia no Brasil. E devo lembrá-la que os presídios
aqui non son exatamente os melhores do mundo... Mas os meus advogados son.
-
Isso é ridículo! Totalmente ridículo! – Insiste Nara em negar.
Mas Claude continua, falando sério e pausadamente:
-
Pense bem, Nara. Podemos entrar num acordo: você confessa o que fez e nunca
mais aparece na minha frente ou continua negando e vamos decidir isso nos
tribunais. A notícia vai abalar sua reputaçon na França e, por conseqüência, a
de seu marido. Ele pode perder muito dinheiro com isso. É claro que eu vou
fazer você ficar detida durante o processo.
Nara
finalmente entendeu que Claude não brincava. Sem mais nada a perder e
descontrolada, confessou ter apertado a barrigueira de trás, cuja função é
somente manter a posição da sela durante as manobras...
-
...e depois de apertá-la bem, eu desfiz alguns pontos da costura da fivela
anterior. Para dar um equilíbrio na equação! – Fala sarcástica, de costas para a
porta, não vendo a entrada de Edmond, que estarrecido diz:
- Eu
não acredito que você foi capaz disso, Nara! Até onde vai sua
irresponsabilidade? – Dizia Edmond, aproximando-se dela - A compressão da
região abdominal é extremamente desconfortável para os cavalos! Eles reagem
corcoveando, podendo causar a queda de quem o monta... Mon Dieu! – Murmura,
compreendendo a extensão do ódio que Nara sentia.
Rosa
que até então só ouvia a discussão, levanta-se, indo até Claude e ficando ao
seu lado.
-
Rosa, você non devia estar em pé, chérie! – Claude a ampara.
-
Por quê? – Pergunta Rosa, olhando para Nara com piedade nos olhos - O que foi
que eu fiz pra você me odiar assim?
-
Você existe, sua imbecil! Quer melhor motivo que esse? Mas se o estúpido do
cavalo ainda te protegeu, eu posso acabar com você usando minhas mãos agora
mesmo – Fala entre os dentes, com o rosto totalmente transfigurado, avançando
em direção à Rosa.
Mas
Edmond a segura pelos braços, apertando-os com força, ao mesmo tempo em que
Claude protegia Rosa com o próprio corpo, pondo-se a frente.
-
Mon Dieu, você enlouqueceu, Nara! Eu quero você fora dessa fazenda, em uma hora
no máximo! – Explodiu Claude – Ou, enton, chamaremos a polícia e você sai daqui
direto pra cadeia.
- Venha, Nara! Você realmente perdeu a
noção das coisas! - Fala Edmond, empurrando Nara em direção à escada e olhando
para Claude - Claude, eu não sei o que dizer... Não se preocupe com Nara, eu a
levarei daqui e do Brasil o mais rápido possível. E vou providenciar para que
ela nunca mais se aproxime de vocês!
E
subindo a escada, cruzam com François, Joanna e Elisabeth, que foram atraídos
pelas vozes exaltadas.
Claude
abraça Rosa, cujo corpo finalmente reagia, trêmulo pelos soluços que tentava
sufocar, enquanto chorava compulsivamente.
-
Isso, chore, gatinha. – Murmura Claude, apertando-a contra si - Non guarde isso
dentro de você, hã? Eu nunca vou deixar nada de mal acontecer contigo, nunca! –
Continuou falando, tentando conter as próprias lágrimas, vendo Dadi se aproximar
com o médico.
Durante
o atendimento do médico para Rosa, Claude relata o acontecido. Todos ficam
indignados com o comportamento criminoso de Nara.
Fisicamente
bem, mas com o emocional abalado, o médico indica apenas um sedativo leve para
Rosa descansar e se refazer.
Claude
concorda e após Rosa ser medicada, a leva para o seu antigo quarto. Rosa ainda
tem tempo de ver Fernanda nos braços de Claude e sorri, feliz, ao vê-la, antes
de adormecer profundamente.
Ele
coloca Fernanda na cama, ao lado de Rosa, enquanto retira as botas que ela
usava.
-
Mama... – Balbucia Fernanda, tocando em Rosa e olhando para Claude em seguida.
- É,
mamãe, borboletinha! Mas nós vamos deixá-la descansar, oui? Vem com o papai,
hã? – Diz, estendendo os braços em sua direção.
Fernanda
engatinha sobre a cama até alcançá-los e já no colo de Claude, bate as
mãozinhas no peito dele, enquanto resmunga, sorrindo:
-
Papa, papa, papa! Aga!
- D’accord.Você quer “água”? Vamos até a cozinha, oui? Dá tchau
pra mamãe! – Fala, acenando em direção à Rosa e Fernanda imita seu gesto.
Já
na cozinha:
-
Dadi, me vê um pouco de água pra Fernanda, por favor, hã?
-
Da-da-da – Repete Fernanda, que, com quase dez meses, descobria o mundo das
palavras.
-
Essa menina logo, logo tá falando, Dr. Claude! É muito esperta, presta atenção
em tudo que a gente fala! – Comenta Dadi, entregando a água.
- Dá
pra acreditar que ela vai fazer um ano, Dadi?
- E
parece que foi ontem que ela nasceu! Dona Rosa já até começou os preparativos
pra festinha dela!
- E
vamos fazer uma festa muito bonita, non é, minha borboletinha? – Diz, beijando
a filha – Dadi, fica com ela um pouco. Eu vou até as baias, quero conferir a
sela de Chantal.
Dadi
pega Fernanda no colo, que faz cara de choro.
-
Filha, non chore, papai já volta. E aí vamos ficar com a mamãe, d’accord? – Diz
acariciando o rosto de Fernanda e saindo.
Assim
que chega às baias, vê seu pai, Joanna, Frazão e Janete conversando com Ramiro,
o responsável pelos cavalos.
-
Ela realmente fez o que disse, filho. Eu ainda não acredito que tenha descido
tão baixo!
Ramiro
mostra a sela de Chantal para Claude examinar.
-
Cara, ela foi longe, longe demais! Premeditar um acidente pra prejudicar a
Rosa? O que ela ganharia com isso? – Fala Frazão.
-
Prejudicar só não, Frazão! Ela queria a morte de Rosa! Nara só pode estar
doente. Seriamente doente. - Fala Joanna.
-
Ela nunca me enganou com aquele sorrisinho falso! - Comenta Janete. – Pobre
Rosa! Foi uma vitima das frustrações de Nara.
- Eu me sinto tão responsável por isso, filho! Se eu tivesse
impedido ela de ficar na fazenda aquela noite!
-
Papai, non se culpe, hã? Como diz tia Elisabeth, o que tem que ser, é. Talvez
se estivesse fora da fazenda, aprontasse coisa pior, num momento em que non
estaríamos por perto... Manda essa sela pro conserto, Ramiro.
- O
serviço que ela fez, doutor, foi de profissional. Dona Rosa deu muita sorte,
que era Chantal. Fosse um cavalo menos obediente...
-
Tem razon, Ramiro. Apesar de tudo, Chantal non derrubou Rosa. Pelo contrário,
parecia querer protegê-la. Ele merece um recompensa, hã? Dê-lhe alguns torrões
de açúcar ou aqueles biscoitos concentrados, além da alimentaçon normal. Ou melhor,
eu mesmo dou e agradeço a ele.
Enquanto
Claude se dirige à baia de Chantal, os outros voltam para casa e Ramiro para o
trabalho dele.
Enquanto
isso na casa sede, Edmond descia com as malas, tendo Nara à sua frente. Tia
Elisabeth, que acompanhava a movimentação, não perde a oportunidade e segura
Nara pelo braço, falando:
-
Nara, my darling! Que foi que você fez? Eu pensei que tinha escutado o recado
das cartas para você, honey!
-
Não me venha com essas tolices, me poupe, Elisabeth!
-
Você devia ter mais cuidado com o que pensa e faz. Seus pensamentos e suas
atitudes estão transformando você. Não é sua mente ou seu corpo, mas sim sua
alma que está doente!
- Eu
não tenho doença nenhuma!
-
Essa sua fixação por Claude... E o ódio que tem por Rosa, não lhe faz bem.
Desapegue-se, Nara. Encontre o seu caminho e seja feliz. Comece, aceitando a
felicidade dos outros...
- Eu
nunca vou aceitar a felicidade dessa... coisinha com quem o Claude se
casou! E dispenso os seus conselhos. Guarde-os para você mesma! Ou melhor, pra
alguém que precise deles!
-
Você é uma tola, Nara. Não devia brincar de desejar o mal para outras
pessoas... Como os jovens dizem hoje em dia, se não sabe brincar, não desce pro
play! Será que entendeu agora?
Edmond chama Nara, rispidamente.
-
Dane-se, Elisabeth! – Diz saindo, impassível - E diga ao Claude que eu deixei
lembranças. Ele pode me impedir de entrar na fazenda, mas não pode me impedir
de ficar no Brasil. Ele ainda vai ter notícias minhas!
Edmond
e Nara entram no carro e saem da fazenda.
Depois
da recompensa dada e de agradecer a Chantal, Claude volta para a casa-sede.
Fica aliviado quando tia Elisabeth avisa que Nara já havia partido.
Depois
de lavar as mãos e o rosto, Claude procura Fernanda e junto com ela vai até o
quarto, onde Rosa ainda dormia. E com Fernanda, deita-se também, adormecendo,
junto a Rosa...
Continua...
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