XXVIII
Horas mais tarde...
Os últimos raios do sol entravam pela
vidraça da janela. Rosa abre os olhos lentamente. Encontra dois olhinhos
brilhantes, olhando-a fixamente, enquanto alguns dedinhos embaraçavam seus
cabelos. Antes de abrir completamente seus olhos, escuta Claude sussurrar:
- Borboletinha, non... Vai acordar a
mamãe, hã? – Fala, tentando livrar os dedinhos de Fernanda dos cabelos de Rosa.
- Hummmm... Eu já acordei, Claude. Que
horas são? E você, meu amor, o que está aprontando com o meu cabelo? – Pergunta
com carinho para Fernanda.
Claude
olha para o relógio e diz:
-
Son quase dezoito horas, chérie. – E termina de soltar os cabelos dela.
-
Meu Deus! Eu dormi a tarde toda? – Diz, beijando as mãozinhas de Fernanda. – O
que mais eu perdi?
-
Você non perdeu nada, gatinha. Precisava desse tempo pra descansar e
refazer-se, hã? Como está se sentindo?
-Mama,
ma, ma, papa, pa, pa, pa - “Canta” Fernanda, batendo palmas.
-
Muito estranha... Minha cabeça... Parece que está flutuando!
-
Deve ser por causa do sedativo. E por non ter se alimentado. Por que non vamos
pra nossa casa, tomamos um banho e comemos alguma coisa?
- É
pode ser... Claude. E Nara?
-
Nara foi embora, Rosa. Non precisamos mais nos preocupar com ela. – Diz,
segurando Fernanda que tentava descer da cama – Filha, cuidado! Assim, você
cai!
-
Que alívio saber disso! Espero que ela nunca mais apareça por aqui! E Chantal,
ele está bem?
-
Ele está ótimo. Mas non vamos falar desse... incidente. Vamos esquecer que isso
aconteceu. Ainda temos a noite de hoje, o encerramento da festa, hã?
-
Tem razão, vamos falar de coisas alegres! – diz, olhando por cima de Claude -
Por exemplo, de uma garotinha que está engatinhando e fugindo pela porta entreaberta
em direção à escada.
- Mon Dieu, Fernanda, volte aqui! – Diz
Claude, pulando da cama e correndo atrás da filha, enquanto Rosa sorria e
levantava-se também.
Pouco
tempo depois, estavam em sua casa, se preparando para o jantar que Dadi fazia.
Claude e Rosa se dividem entre o banho e olhar Fernanda, que curiosa, tentava
abrir qualquer porta que encontrasse pelo seu caminho.
Ao
anoitecer, estavam todos reunidos na casa-sede para o jantar, servido mais
cedo, pois Claude e Rosa teriam que encerrar a festa, ao lado da comissão
organizadora.
Após
a sobremesa, dirigiram-se à sala de estar para um rápido descanso. Ninguém
comentou o incidente com Nara. A conversa girava em torno do encerramento e
sucesso da Festa do Laço e das gracinhas de Fernanda, que livre e solta pelo
chão, engatinhava pra lá e pra cá.
Um
minuto de descuido e ela desapareceu da sala. Lá se foram todos procurá-la.
Então, a voz de tia Elisabeth se fez ouvir:
-
Achei nossa menina! Venham ver onde ela está!
Todos
correram até a sala de jantar. Fernanda estava embaixo da mesa do jantar, entre
as pernas das cadeiras. Assim que notou a presença de Claude e Rosa, sorriu e
rapidamente saiu engatinhando daquela “prisão”, onde se metera.
De repente, ela para e todos sorriem,
pois Fernanda, apoiando-se nos móveis e ficando de pé, soltando as mãos por
alguns segundos, arriscava-se a dar os primeiros passos ainda indecisos,
sozinha, tentando se equilibrar e coordenar o movimento braços e pernas. Até
que não encontrando mais onde se apoiar, se deixa cair, sentadinha, no chão.
Tia
Elisabeth bate palmas e Fernanda imediatamente a imita, sorrindo e “falando” em
sua língua particular.
-
Rosa, mon amour! Ela está andando! Nossa Borboletinha tá andando sozinha! – Diz,
Claude abraçando Rosa.
- E
lá vai ela! – Diz Rosa, vendo Fernanda engatinhar de volta para a sala e
puxando o marido pela mão, continua - Ah, Claude, ela cresceu rápido demais, já
não é mais aquela garotinha frágil que não conseguia fazer nada sem a gente.
-
Non é mesmo! Vai completar um ano e apesar de ainda precisar de muitos cuidados
e atençon, a independência física dela fica cada vez mais evidente. Já andava
segurando em nossas mãos e agora tá aprendendo a fazer isso sem a nossa ajuda.
Então
Dadi aparece na sala:
-
Dr. Claude, telefone pro senhor. É do hospital de Campo Grande. Parece que dona
Nara e o marido sofreram um acidente...
-
Mon Dieu! Será que Nara non vai nos dar sossego? - E pegando o telefone,
afasta-se do grupo, sob o olhar aflito de todos.
Depois
de alguns minutos, Claude volta à sala.
-
Era da administraçon do hospital. Edmond ainda estava consciente, quando foram
socorridos e deu o telefone da fazenda e o meu nome como referências, já que
non tem endereço fixo no Brasil. Eu preciso ir até lá.
- Eu
vou com você, mon ami. - Fala Frazão.
- D’accord,
Frazon.
- Claude e o encerramento da festa? – Pergunta Rosa.
- Eu
vou até o camarote da comisson me explicar pessoalmente, hã? Papai, você
poderia me substituir ao lado de Rosa?
-
Claro que sim, meu filho.
-
Merci, papai. Chérie, separa uma troca de roupa pra mim. Pode ser que eu tenha
que ficar mais de um dia por lá.
- Eu
vou fazer o mesmo pra você, Frazão! – Diz Janete, subindo para o quarto.
-
Bem, vocês podem cuidar da Fer, enquanto eu faço a mala do Claude?
-
Que pergunta, honey! É claro que sim! - Responde tia Elisabeth em nome de
todos.
Claude
e Rosa voltam para sua casa. Enquanto Claude se prepara para ir à Campo Grande,
Rosa faz rapidamente uma pequena mala.
Depois
vão juntos até o camarote principal. Claude explica o motivo de sua ausência
para o fechamento da festa. Como o incidente com Nara já era de conhecimento da
maioria das pessoas, todos compreenderam.
Quando
estão voltando para a casa-sede, ao passarem em frente ao palco, Claude olha
fixamente para o grupo que lá estava, se preparando para o show final.
-
Claude, o que foi? Alguma coisa errada com o palco?
-
Com o palco non. Mas com quem está sobre ele, hã? Eu non acredito que aquele
projeto de duplinha sertaneja fará o show de hoje!
- E
o que tem ser uma dupla sertaneja? As pessoas aqui gostam desse gênero!
-
Non se trata do gênero da música e sim do gênero dos cantores!
Son os mesmos que flertaram com você aquela noite no bar!
-
São é? Eu nem tinha reparado! Será que devo ir até lá cumprimentá-los? –
Provoca Rosa.
-
Você non se atreveria, non é?
- Hummm... – Sussurra Rosa - Meu gatinho ainda tem ciúmes?
-
Tenho. – Diz, parando à frente de Rosa e beijando-a profundamente – A única
pessoa que pode te pegar, morder todinha e dar tapinha na... você sabe onde,
sou eu, hã? – sussurra Claude no ouvido de Rosa
-
Meu Deus! Diz, sentindo o rosto esquentar - Você ainda lembra da letra da
música! –Exclama, enquanto Claude entrelaça sua mão à dela e segue em direção
ao carro.
-
Non tem como esquecer... Você estava muito tentadora naquela roupa toda
agarradinha em seu corpo. – Fala, olhando para Rosa – E non adianta ficar
vermelhinha non, que eu sei que você gosta quando...
-
Até que enfim, francês! Deixa pra namorar sua esposa quando voltarmos, hum? –
Fala Frazão, percebendo o clima entre os dois.
-
Frazon, mon ami, por que você non vai...
-
Claude! Cuidado com o que fala perto da nossa filha! – Fala Rosa, indicando
Fernanda no colo de Janete, ao lado de Frazão.
-
... non vai se despedir da sua esposa, hã? – Borboletinha, fala tchau pro
papai, fala! Eu non demoro, oui? Papai vai e volta pra brincar com você, chérie!
– Fala acariciando o rosto da filha e beijando-a na face.
-
Claude, toma cuidado na estrada... Não precisa ir voando pra lá. Lembre-se que
você tem uma família agora.
-
Non se preocupe, mon amour. – Diz, beijando-a suavemente, entrando no carro e
passando o cinto de segurança sobre si. – E gatinha, mantenha-se longe daquele
palco, oui?
Depois
que o carro se afasta, Rosa dá uma volta pela festa até ser chamada para o
discurso de encerramento. Depois de ouvir a fala de todos, com François a seu
lado, representando Claude, Rosa volta para sua casa.
Estava
preocupada com Claude e com o que teria acontecido com Nara. Não nutria nenhuma
simpatia por ela, mas também nunca lhe desejara mal, nem mesmo depois do que
aprontara.
Simplesmente não conseguia desejar o mal a ela. Sentia que Nara já
fazia mal a si mesma em demasia. Não precisava que mais ninguém lhe desejasse
mal. Pelo contrário, Nara precisava de orações e boas energias...
Enquanto
dava um último banho em Fernanda, para que dormisse cheirosinha e livre do
calor, Janete, François, Joanna, tia Elisabeth, Rodrigo e até mesmo Dadi
chegavam na casa da piscina.
Todos
sabiam que ninguém dormiria tranquilo ate que eles voltassem com notícias.
Então, resolveram passar a noite juntos. Viram a fazenda se esvaziar aos poucos
com o final do show.
Já
era madrugada, quando Claude ligou avisando que estava voltando para casa, mas
não adiantou nada sobre o estado de Nara.
O
dia já amanhecia, quando Claude e Frazão voltaram à fazenda. Estavam todos
reunidos na casa da piscina, desde o encerramento da festa, à espera de
notícias.
Assim
que Claude entra, Rosa levanta-se do sofá e o abraça.
- E
então, amor? O que aconteceu com ela? – Pergunta Rosa – Ela não resistiu aos
ferimentos? Você estava tão chocado ao telefone.
-
Nara faleceu, Claude? – Pergunta Elisabeth.
-
Non. Mas acredito que vai desejar ter morrido, quando voltar a si. A
imprudência de Nara vai lhe custar caro. As lesões que teve son de alto
impacto, acompanhadas de traumas graves. As implicações seron irreversíveis –
Fala Claude.
-
Meu Deus, foi tão grave assim? – Pergunta Rosa, sensibilizada.
Frazão
continua explicando:
-
Politraumatismo pra começo de conversa. Os médicos afirmaram que ela terá
sequelas importantes, como perda de movimentos, deformidades estéticas e até
funcionais. Serão sequelas muito graves e, dependendo do local que atinjam, ela
pode não voltar às atividades habituais.
- Seron no mínimo seis meses de recuperaçon inicial e non se
descartam eventuais complicações, podendo chegar a mais de dois anos de
tratamento e até a impossibilidade de retorno a uma vida normal. Ou seja, ela
pode non voltar a ter a mesma capacidade física e mental. Non sei qual seria
pior pra Nara!
-
Pobre Nara! - Fala Joanna - É uma vítima! Ficar com lesões para o resto da vida
e ter que lidar com uma deficiência! Vai ser muito difícil, levará muito tempo
até a aceitação própria e da sociedade. Ainda mais da sociedade em que ela
vive...
Tia
Elisabeth, que permanecia em silêncio até então, diz:
-
Cada um é responsável pelas suas escolhas. Não somos vítimas, a não ser de nós
mesmos. Nara semeou vento, natural que colhesse tempestade.
-
Bem – Diz François – Melhor irmos para casa. Claude e Rosa precisam descansar e
Frazão também. Todos nós na verdade. Mais tarde você nos conta melhor sobre
esse acidente, filho.
-
Oui, papai. Tudo que eu quero agora é um banho e dormir por umas poucas horas.
Todos
se retiram. Claude permanece olhando para o horizonte pela vidraça da janela
como se quisesse esquecer alguma coisa.
-
Claude? – Fala Rosa, tocando-o no ombro – Está tudo bem?
Claude
a abraça, apertando-a contra si.
-
Nara está irreconhecível, chérie... Non foi uma visão agradável vê-la naquele
estado, cheia de tubos...
- E
Edmond? Como ele está?
-
Ele sofreu apenas algumas escoriações pelo corpo e fraturou o punho. Mas está
sedado, pois tinha muito estilhaços pelo corpo para serem removidos... Mas
chega desse assunto por hora, hã? Vamos deitar um pouco? Eu quero te explicar
melhor aquela história sobre te pegar, morder todinha e dar tapinha na...
Continua...
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