o conto que apresentamos abaixo é da autoria de Murilo
Rubião. Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://contosbrasileiros.blogspot.com.br/2007_12_01_archive.html.
Boa
leitura!
A Armadilha
Alexandre Saldanha Ribeiro. Desprezou o elevador e seguiu pela escada, apesar
da volumosa mala que carregava e do número de andares a serem vencidos. Dez.
Não demonstrava pressa, porém o seu rosto denunciava a segurança de uma
resolução irrevogável. Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor,
onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos ladrilhos. Todas
as salas encontravam-se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que
indicasse presença humana. Parou diante do último escritório e perdeu algum
tempo lendo uma frase, escrita a lápis, na parede. Em seguida passou a mala
para a mão esquerda e com a direita experimentou a maçaneta, que custou a
girar, como se há muito não fosse utilizada. Mesmo assim não conseguiu
franquear a porta, cujo madeiramento empenara. Teve que usar o ombro para
forçá-la. E o fez com tamanha violência que ela veio abaixo ruidosamente. Não
se impressionou. Estava muito seguro de si para dar importância ao barulho que
antecedera a sua entrada numa saleta escura, recendendo a mofo. Percorreu com
os olhos os móveis, as paredes. Contrariado, deixou escapar uma praga. Quis
voltar ao corredor, a fim de recomeçar a busca, quando deu com um biombo.
Afastou-o para o lado e encontrou uma porta semicerrada. Empurrou-a. Ia colocar
a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de uma mesa
empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno, apontava-lhe um
revólver. Conservando a arma na direção do intruso, ordenou-lhe que não se
afastasse. Também a Alexandre não interessava fugir, porque jamais perderia a
oportunidade daquele encontro. A sensação de medo fora passageira e logo
substituída por outra mais intensa, ao fitar os olhos do velho. Deles emergia
uma penosa tonalidade azul. Naquela sala tudo respirava bolor, denotava extremo
desmazelo, inclusive as esgarçadas roupas do seu solitário ocupante: — Estava à
sua espera — disse, com uma voz macia. Alexandre não deu mostras de ter ouvido,
fascinado com o olhar do seu interlocutor. Lembrava-lhe a viagem que fizera
pelo mar, algumas palavras duras, num vão de escada. O outro teve que insistir:
— Afinal, você veio.Subtraído bruscamente às recordações, ele fez um esforço violento para não demonstrar espanto: — Ah, esperava-me? — Não aguardou resposta e prosseguiu exaltado, como se de repente viesse à tona uma irritação antiga: — Impossível! Nunca você poderia calcular que eu chegaria hoje, se acabo de desembarcar e ninguém está informado da minha presença na cidade! Você é um farsante, mau farsante. Certamente aplicou sua velha técnica e pôs espias no meu encalço. De outro modo seria difícil descobrir, pois vivo viajando, mudando de lugar e nome.
— Afinal, você veio.Subtraído bruscamente às recordações, ele fez um esforço violento para não demonstrar espanto: — Ah, esperava-me? — Não aguardou resposta e prosseguiu exaltado, como se de repente viesse à tona uma irritação antiga: — Impossível! Nunca você poderia calcular que eu chegaria hoje, se acabo de desembarcar e ninguém está informado da minha presença na cidade! Você é um farsante, mau farsante. Certamente aplicou sua velha técnica e pôs espias no meu encalço. De outro modo seria difícil descobrir, pois vivo viajando, mudando de lugar e nome.
—
Não sabia das suas viagens nem dos seus disfarces. — Então, como fez para
adivinhar a data da minha chegada? — Nada adivinhei. Apenas esperava a sua
vinda. Há dois anos, nesta cadeira, na mesma posição em que me encontro,
aguardava-o certo de que você viria. Por instantes, calaram-se. Preparavam-se
para golpes mais fundos ou para desvendar o jogo em que se empenhavam.Alexandre
pensou em tomar a iniciativa do ataque, convencido de que somente assim poderia
desfazer a placidez do adversário. Este, entretanto, percebeu-lhe a intenção e
antecipou-se: — Antes que me dirija outras perguntas — e sei que tem muitas a
fazer-me — quero saber o que aconteceu com Ema.— Nada — respondeu, procurando
dar à voz um tom despreocupado. — Nada? Alexandre percebeu a ironia e seus
olhos encheram-se de ódio e humilhação. Tentou revidar com um palavrão.
Todavia, a firmeza e a tranqüilidade que iam no rosto do outro venceram-no.—
Abandonou-me — deixou escapar, constrangido pela vergonha. E numa tentativa
inútil de demonstrar um resto de altivez, acrescentou: — Disso você não
sabia!Um leve clarão passou pelo olhar do homem idoso:— Calculava, porém
desejava ter certeza.Começava a escurecer. Um silêncio pesado separava-os e
ambos volveram para certas reminiscências que, mesmo contra a vontade deles,
sempre os ligariam. O velho guardou a arma. Dos seus lábios desaparecera o
sorriso irônico que conservara durante todo o diálogo. Acendeu um cigarro e
pensou em formular uma pergunta que, depois, ele julgaria, desnecessária.
Alexandre impediu que a fizesse.
Gesticulando, nervoso, aproximara-se da mesa: — Seu caduco, não tem medo que eu aproveite a ocasião para matá-lo. Quero ver sua coragem, agora, sem o revólver. — Não, além de desarmado, você não veio aqui para matar-me. — O que está esperando, então?! — gritou Alexandre. — Mate-me logo! — Não posso. — Não pode ou não quer? — Estou impedido de fazê-lo. Para evitar essa tentação, após tão longa espera, descarreguei toda a carga da arma no teto da sala.Alexandre olhou para cima e viu o forro crivado de balas. Ficou confuso. Aos poucos, refazendo-se da surpresa, abandonou-se ao desespero. Correu para uma das janelas e tentou atirar-se através dela. Não a atravessou. Bateu com a cabeça numa fina malha metálica e caiu desmaiado no chão. Ao levantar-se, viu que o velho acabara de fechar a porta e, por baixo dela, iria jogar a chave. Lançou-se na direção dele, disposto a impedi-lo. Era tarde. O outro já concluíra seu intento e divertia-se com o pânico que se apossara do adversário: — Eu esperava que você tentaria o suicídio e tomei precaução de colocar telas de aço nas janelas.A fúria de Alexandre chegara ao auge: — Arrombarei a porta. Jamais me prenderão aqui! — Inútil. Se tivesse reparado nela, saberia que também é de aço. Troquei a antiga por esta. — Gritarei, berrarei! — Não lhe acudirão. Ninguém mais vem a este prédio. Despedi os empregados, despejei os inquilinos. E concluiu, a voz baixa, como se falasse apenas para si mesmo: — Aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos.
Gesticulando, nervoso, aproximara-se da mesa: — Seu caduco, não tem medo que eu aproveite a ocasião para matá-lo. Quero ver sua coragem, agora, sem o revólver. — Não, além de desarmado, você não veio aqui para matar-me. — O que está esperando, então?! — gritou Alexandre. — Mate-me logo! — Não posso. — Não pode ou não quer? — Estou impedido de fazê-lo. Para evitar essa tentação, após tão longa espera, descarreguei toda a carga da arma no teto da sala.Alexandre olhou para cima e viu o forro crivado de balas. Ficou confuso. Aos poucos, refazendo-se da surpresa, abandonou-se ao desespero. Correu para uma das janelas e tentou atirar-se através dela. Não a atravessou. Bateu com a cabeça numa fina malha metálica e caiu desmaiado no chão. Ao levantar-se, viu que o velho acabara de fechar a porta e, por baixo dela, iria jogar a chave. Lançou-se na direção dele, disposto a impedi-lo. Era tarde. O outro já concluíra seu intento e divertia-se com o pânico que se apossara do adversário: — Eu esperava que você tentaria o suicídio e tomei precaução de colocar telas de aço nas janelas.A fúria de Alexandre chegara ao auge: — Arrombarei a porta. Jamais me prenderão aqui! — Inútil. Se tivesse reparado nela, saberia que também é de aço. Troquei a antiga por esta. — Gritarei, berrarei! — Não lhe acudirão. Ninguém mais vem a este prédio. Despedi os empregados, despejei os inquilinos. E concluiu, a voz baixa, como se falasse apenas para si mesmo: — Aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos.
Que conto interessante! E que final estranho! Gostei de ler, muito bom!
ResponderExcluirQue conto estranho!!!!! Parece uma vingança..
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