XIX
No
casarão, Terezinha e Dino já haviam se recolhido e os pais de Rosa ainda
conversavam sobre o casamento.
-
Um neto, Amália! Nossa Serafina vai nos dar um neto. Um bambino pra alegrar a
nossa vida!
-
Ela deve de estar muito apaixonada por ele. Serafina foi sempre tão ponderada,
tão ajuizada! – Diz de maneira tranquila e conformada.
-
Eu só queria que ela casasse aqui na nossa paróquia: a Paróquia Nossa Senhora
Achiropita !
-
Mas ela quer se casar lá, Giovanni. E eu
acho que ela está certa. Tem muita gente
fofoqueira nesse bairro.
-
Fofoqueira e mal amada. Io vou pedir pra mia
principessa batizar o bambino aqui.
-
Eu to te estranhando, Giovanni. Você nem tentou matar o dotore...
-
Sabe de uma coisa, Amália? Quando ele
falou assim: “O que Rosa tem non é
doença, é vida, S. Giovanni! E eu non vou deixar a mulher que eu amo criar meu
filho longe de mim, d’accord?”, mia vontade foi de acabar com ele. Ma o
medo de perder Serafina tava estampado nos olhos dele...
Então,
Giovanni vira as costas, tentando esconder as lágrimas que tinha nos olhos e
sua voz sai emocionada ao continuar:
-
As palavras dele vinham do coração. Ele tava falando da nossa filha, da nossa
Serafina... Io não sou tão insensível
assim, capisce? E eu só peço a Dio que nosso neto venha com saúde.
Amália
apenas se aproximou e abraçou Giovanni. Não era preciso falar nada naquele
momento...
Rosa
estava impaciente. Claude desviara os empreiteiros da reforma para alguma coisa
pessoal nesses dias que passaram fora e
não contava a ela do que se tratava. Ficava horas afastado da fazenda.
Toda
vez que ela tocava no assunto, só escutava como resposta que era algo muito
importante e urgente. E que não se preocupasse que tudo ia estar pronto a
tempo, tanto as obras da fazenda, que já estavam chegando ao fim, quanto o
resto nos menos de dois meses que teriam que esperar para se casarem.
O
casamento marcado iria “inaugurar” o Salão de Festas da Fazenda, pois a reforma
chegava ao fim. Somente a casa da piscina ainda estava encruada.
Tinha
menos de um mês para terminá-la, antes de se casar com Claude, pensava Rosa,
enquanto dava a segunda demão de tinta numa das paredes da casa.
Tinha
invertido seus planos e restaurara toda a parte da garagem primeiro. E a transformara
num belo ateliê, uma verdadeira oficina pra tia Elisabeth. Levantara uma parede
de alvenaria de modo a transformar uma pequena
área em um espaço de descanso, isolada do cheiro das tintas e dos
materiais que ela usava. Assim, quando
se sentisse cansada, poderia repousar por ali mesmo. Um dos cantos, o mais
escuro, agora era um quarto escuro, próprio para revelar fotos de modo
artesanal.
Porém,
poucos dias antes do casamento, depois que S. Giovanni finalmente se conformava
com o fato de que a cerimônia seria na fazenda, Rosa descobriu um igrejinha no
alto de um morro, numa pequena estrada vicinal.
O
sonho de seu pai era entrar com ela na igreja do bairro, Rosa sempre soubera
disso. E entregá-la ao homem que seria
seu marido.
Sabia que era loucura, mas transferiu seu
casamento para lá. A correria foi
intensa. Mas como seria uma cerimônia apenas para as famílias e alguns poucos
convidados, tudo se acomodou e todas as providências para o casamento que
tinham sido tomadas, tanto para o civil, quanto para o religioso, foram
alteradas com sucesso e agora estava mais calma.
Rosa
despertou e ouviu o barulho do chuveiro. Claude já estava no banho. Sorriu, lembrando-se do dia em que François e
Joanna os chamaram para uma “conversa particular”:
[“Claude e Rosa, Joanna e
eu chegamos a uma conclusão – Falara François - é melhor que um dos dois se mude
para o quarto do outro. Cansamos de vê-los se esgueirando pelo corredor e
inventando desculpas para se encontrarem...”]
Desde
então, Rosa mudara para o quarto de Claude. Estava tudo perfeito, pensou. Só
não achava certo terem mentido para seu pai com essa história de gravidez e
ainda terem envolvido toda a família de Claude para que não desmentissem.
Olhou
para a janela e viu que o sol já saáa. Timidamente, mas saía. Levantou-se da
cama e foi para a frente do espelho com o travesseiro na mão. Enfiou-o por dentro
da camisola e tentou ajeitá-lo sobre sua barriga, como se estivesse grávida
mesmo. Ainda se lembrava da noite em que Claude pedira sua mão a Giovanni e
inventara essa “desculpa”.
[“Por que você inventou
isso, Claude? Agora eu entendo a insistência de meu pai em querer marcar logo
esse casamento! E você arriscou-se a sair morto do casarão, sabia?”]
Alisou
o travesseiro por cima da camisola e fechou os olhos. Pode até sentir quando
ele a abraçou por trás e falou carinhosamente:
[“Eu tinha que arriscar,
hã? E o que importa é que deu certo. Se você tivesse visto como ele ficou feliz
na hora!
Mas agora, como vai ser?
Minha barriga não vai crescer do nada, eu não estou grávida...
Como é que você sabe que
non está? Non fizemos nada pra evitar, gatinha. Você era uma donzela, hã?Eu non
me preveni nem você... Mas pelo sim, pelo non, podemos tentar mais uma vez, agora...”]
Ainda
de olhos fechados, sorriu e balançou a cabeça levemente, lembrando-se da forma
que fizeram amor naquela noite... Então, estremeceu, sentindo um arrepio descer
pela coluna. Tentou abrir os olhos, mas os lábios de Claude em seu ouvido a
impediram.
-
Sonhando acordada com nosso bebê, mon
cher chatee? [minha
querida gatinha?] – Ele perguntava num sussurro pondo suas mãos sobre as dela.
- Bom dia!
-
Bom dia! – Diz suspirando - Eu estava imaginando, tentando me enxergar grávida,
de tanto que você fala!
-
Éhhhh... – Diz, apertando-a contra si - Non poderemos enganar seu pai, por
muito tempo, d’accord? - E puxa o travesseiro, deixando-o cair no chão. - Enton,
quanto mais treinarmos, melhor. - E anda com ela até a cama.
-
Claude! Já amanheceu... E devem... Estar nos esperando para o café... –
Consegue falar entre os carinhos que ele lhe fazia, enquanto dava à camisola o
mesmo destino do travesseiro.
-
E o que tem que já amanheceu, hã? – Todos sabem de nós, vamos casar, melhor que
se acostumem com nossos atrasos, gatinha...
E
inclina-se até deitar sobre a cama, prendendo Rosa sob si.
-
Você é louco, sabia? Perdeu a sensatez... – Fala Rosa, passando as mãos entre
os cabelos de Claude. - Esqueceu que dia é hoje?
Claude
sorri, confiante e sedutoramente, diz:
-
Non, non esqueci... E tenho certeza que vou recuperar a sensatez a tempo de
casar contigo, assim que fizermos amor...
Enquanto
isso na parte social da casa, entre discretos olhares convictos do motivo do
atraso, o comentário corria solto.
Giovanni,
Frazão e François, para alívio das mulheres, estavam conferindo o salão onde
seria feita a pequena recepção após o casamento.
Terezinha
e Dino estavam tomando o café da manhã.
O tempo mudara radicalmente e pela previsão
haveria chuva e vento durante o dia todo.
Joanna,
Janete, Elisabeth, Amália e Dadi estavam na dúvida se deviam ou não bater à
porta do quarto onde estavam os noivos.
-
É muito amor desses dois, visse? – Fala Dadi, tentando defendê-los – Eu nunca
vi coisa igual; antes brigavam igual cão e gato e agora não se largam!
-
Olhe, Amália – Diz, Joanna sem conter uma risada - você me desculpa, mas eu
preciso confessar, ainda bem que eles
estão se casando! Eu não aguentava mais o
trânsito dentro de casa, se é que me entende!
-
Meu Deus, Serafina perdeu o juízo! Joanna, eu nem sei o que dizer, não foi essa
a educação que ela recebeu. – Amália fica desconsertada.
-
Que isso, tia Amália – Janete sempre a tratara por tia – Não foi isso que minha
mãe quis dizer. E se alguém perdeu o juízo foi o Claude.
-
Vocês estão fazendo tempestade em copo d`água, dears. – Começa a dizer Elisabeth, quando um trovão
ecoa fortemente por toda a fazenda. – God! E o céu também! Teremos um casamento
sob as bençãos da chuva. Magnifique!
No
quarto, Rosa acorda assustada, sentando rapidamente, olhando à sua volta e
chamando por Claude.
-
Claude! – Diz olhando para a janela – Essa não, chuva! E das grandes... Claude,
acorda pelo amor de Deus! Você não ouviu esse trovão?
-
Ouvi sim, chérie... – Diz Claude, espreguiçando-se - Mas dentro da igrejinha
non cho... Mon Dieu, vamos ter problemas.
Olha só a hora!
Rosa
olha para o relógio em cima da antiga cômoda, estilo colonial, e repete as
palavras de Claude.
-
Mon Dieu, vamos mesmo ter problemas. – E olha para Claude – Meus pais... seus
pais... Céus, o que eles não estarão pensando e... Falando de nós!
Outro
trovão soa cortante, seguido de inúmeros relâmpagos azulados em meio ao cinza
das carregadas nuvens que cobriam todo o céu.
Rosa
sai da cama, enrolada no lençol e vai até a janela. Fica olhando para o tempo, desconsolada.
Decepcionada. E diz num impulso:
-
Mas que sacanagem, São Pedro! Abrir a torneira logo hoje, no dia do meu
casamento.
Então,
escuta a voz de Claude, recitando ao seu lado com a voz cheia de ternura,
querendo animá-la:
-
Chuva e sol, casamento de espanhol. Sol e chuva, casamento de viúva. Chuva e sol, casamento de raposa.
Quando chove e faz sol, casam-se as feiticeiras. Quando chove e faz sol, estão
as bruxas em Antanhol, embrulhadas num lençol a dançar o caracol.
-
Eu não conhecia a parlenda toda... Só os dois primeiros versos.
-
Non é uma parlenda, chérie. É um provérbio de origem francesa, portuguesa e
inglesa que trata de certas concepções mitológicas ou mágicas sobre o tempo
atmosférico e o ciclo das estações.
-
Mágica é? – Ela repete o final - Quando
chove e faz sol estão as bruxas em Antanhol, embrulhadas num lençol... a dançar o caracol.- Então, eu sou uma bruxa? – diz, zombando e apontando para o
lençol em seu corpo, – Eu devia ter um caldeirão e ferver você dentro dele!
-
Se esse caldeiron for o seu coraçon, você pode “me ferver” quantas vezes quiser, gatinha...
Continua...
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