5° CAPÍTULO – ENCONTRO
Fabiano tinha acabado de ouvir do pai a decisão que o mesmo tomara. Mas
como conhecia muito bem o homem que o criara, apenas sorriu.
— Então... A família vai aumentar, né?
Otávio Jr., o filho do meio, olhou para Fabiano assustado.
— É só isso que você sabe dizer, Fabiano? – perguntou Otávio,
desapontado. – Como filho mais velho, você deveria tentar convencer o nosso pai
de que o que ele vai fazer é loucura. Acolher duas bastardas como se fossem da
família! Colocá-las no mesmo ambiente que nós.
Otávio olhou sério para o filho.
— Otávio Jr., tenho sido tolerante com suas atitudes e palavras durante
muito tempo, mas você não deveria abusar da minha paciência. Esta casa é minha
e eu faço morar nela quem eu quiser.
— Faça-se a sua vontade, meu pai. – disse em tom sarcástico. – Eu vou
para o meu escritório, porque ao contrário de outros, eu realmente tenho o que
fazer.
Camila olhou para o marido surpresa.
— Não ia ficar em casa o dia todo? – perguntou Camila ao marido.
— Infelizmente, o ar aqui está meio insuportável. – disse, saindo.
Viviane se levantou.
—Vou ao shopping. – disse séria. - Depois
do que ouvi, a única coisa que tenho que fazer para melhorar meu humor é
comprar. Com licença. – disse Viviane, saindo.
Otávio suspirou, como sempre Jr. se
opusera a sua decisão. Isso já se tornava cada vez mais comum. Em relação à
Viviane, ele sabia que, com o tempo, ela iria aceitar.
— O que eu tinha de dizer, já
disse. Se quiserem falar comigo, eu estarei no escritório. Dr. Tarcísio,
por favor, me acompanhe. – disse, saindo acompanhado do advogado.
— Eu também preciso me retirar. Com
licença. – pediu Camila.
Ficaram na sala, Bruno, o filho mais
novo de Dr. Otávio, e sua esposa, além de Gabriele e Fabiano.
— E você Iêda, não falou nada desde
que começou a reunião. – disse Bruno à esposa.
Iêda sorriu.
— Não havia nada que eu pudesse
falar. O Dr. Otávio é um homem crescido. Afinal, ele tem administrado muito bem
o grupo Demontieux, tenho certeza que o meu sogro deve saber o que está fazendo.
— Tem razão. – disse Bruno sorrindo
para a esposa, e logo em seguida se dirigindo para Gabriele. – E você Gabriele?
Deve ser difícil para você, não é?
— Bom, nada que eu não supere. O que
me preocupa mesmo é Viviane. Ela é muito apegada ao avô... Não sei como ela vai
reagir quando essas meninas chegarem.
— De fato, Viviane tem sido muito
mimada todo esse tempo. – disse Iêda.
Emanuela parecia descuidada. Por
vezes, não derrubou os copos que levava os sucos e refrigerantes para os
clientes. As suspeitas sobre quem seria o homem que estivera procurando por
elas a estavam preocupando.
Enquanto trazia copos e pratos em
uma bandeja para a lavagem, Emanuela bateu em uma cadeira e quase derrubava
tudo no chão, se não fosse Tatiana a ajudar a se equilibrar.
— Tati, desculpa. Parece que eu
estou meio desastrada hoje... – disse meio
sem jeito.
A colega de trabalho sorriu.
— Você não é assim... O que foi
agora? Hoje, estou como aquele programa, fala que eu te escuto, amiga...
Emanuela sorriu.
— Só você, Tati, para me fazer rir, quando
eu estou cheia de preocupações.
— Ok. Você vai me contar tudo. Mas
antes, vamos limpar, aproveitando que os clientes deram uma pausa.
As duas se puseram a organizar as
mesas e os alimentos. Depois de tudo pronto, Tati sentou-se e chamou Emanuela.
— Pode começar. O que está acontecendo?
Não me diga que sua irmã está tendo mais pesadelos que o normal?
— Quem dera fosse só isso. Agora,
parece que um desconhecido anda procurando por nós. Um desconhecido que sabe
muito sobre nós duas. E eu tenho minhas suspeitas.
— Quem você acha que é?
Emanuela hesitou antes de responder.
— Meu pai…
— Seu pai? – perguntou Tati confusa.
– Mas, você disse que não conhecia seu pai...
— É complicado... Eu disse a você que
eu e minha irmã fomos adotadas antes de ir para o orfanato, não foi?
— Humm.
— Então, antes de ser adotada por
ela, eu e minha irmã morávamos com outra mulher, o nome dela era Tânia. Até os
7 anos, nós moramos com ela... Logo depois nós fomos levadas para a Rebeca... E
quem nos levou foi o homem que morava com a Tânia. Esse homem, o Rogério, é
nosso pai de criação.
— Nossa, que história complicada! –
disse Tati, depois se contendo. – Digo, é um pouquinho, né?
— Pode dizer, é realmente
complicada. Só de mãe, tivemos três e no fundo nenhuma.
— Então, você acha que quem está
procurando por vocês é esse homem? O tal do Rogério?
— Isso.
Tatiana estava confusa.
— Mas, isso não é bom? Afinal, ele é
seu pai...
— Não necessariamente... – suspirou.
– Bem, desde a última vez que nós o vimos, ela estava foragido da polícia. Se
nós nos envolvermos com ele agora, talvez a nossa vida possa ficar um pouco
complicada... As pessoas do lugar onde moramos são muito moralistas, entende?
Se elas descobrem que somos filhas de um foragido e de uma...
Manu interrompeu de repente o que
falava.
— De uma? – Tati insistiu.
Emanuela não sabia o que falar.
— Você não vai contar? – insistiu
Tatiana – De uma o quê?
— Bem... Tem outra coisa que eu
também não contei... Então... Existe uma razão porque eu disse que é impossível
encontrar meu pai biológico.
— Qual?
— Minha mãe biológica... Ela era uma
garota de programa.
Tatiana não sabia o que dizer. Ela
entendeu porque Emanuela hesitou em lhe dizer aquilo.
Tati sorriu.
— Manu, eu sou a favor de que você
não deveria se importar muito com que as pessoas pensam...
— Eu sei. Você deve estar achando
que eu sou uma metida, orgulhosa que só pensa em si mesma.
Tatiana sorriu.
— De jeito nenhum. Eu sei que você
quer evitar determinadas coisas... E eu sei como as pessoas podem ser
preconceituosas, racistas e discriminatórias. Esqueceu? Eu sou negra. Mesmo que
elas não falem, o olhar delas chega a machucar tanto quanto as palavras e você
só quer evitar isso. Mas, eu também acho que a gente não deve agir, se
esconder, só por causa das outras pessoas. Que pensem o que quiserem. Pessoas
de caráter vão julgar vocês pelo que vocês são, não pelos pais que vocês duas
tiveram.
Emanuela sorriu.
— Wow. Minha colega é tão madura.
Tati sorriu.
— Não exagera.
Já passava da uma hora da tarde,
quando o advogado saiu da casa dos Alcântara. Otávio ficara no seu escritório,
tomando nota dos últimos acontecimentos das empresas ligadas ao Grupo. De
repente, alguém bateu a porta.
— Pode entrar. – disse.
Viviane entrou.
— Olá, Viviane.
— Vovô, eu vim pedir desculpas. Quer
dizer, eu acho que fui muito rude hoje mais cedo…
Otávio que estava lendo, olhou para
a neta.
— Tem razão. Não parecia a minha
neta Viviane, uma menina responsável e compreensiva.
Viviane parecia constrangida.
— Mas o senhor tem que entender meu
lado, vovô. Quer dizer, eu vou ter que dividi-lo com outras duas que eu nem sei
quem são. Eu sou sua única neta, foi o que o senhor sempre me disse… E agora
aparecem essas aí.
— Viviane, você tem que ser menos
egoísta. “Essas aí” a que você se refere, são suas irmãs. Eu acho que você
deveria ficar feliz, afinal você sempre quis ter irmãos.
— Filhos do meu pai e da minha mãe,
não de outra mulher. Será que o senhor nem pensa na minha mãe? Quer dizer, ela
vai olhar para essas meninas e vai lembrar da traição do meu pai. Não é o
senhor que está sendo egoísta?
— Viviane, você ainda é muito nova
para entender certas coisas. Eu tenho como explicar, mas você não iria
compreender os meus motivos.
Viviane sorriu triste.
— E eu sempre vou ser muito nova, não
é, vovô? Você, minha mãe e os meus tios nunca me levam a sério… A verdade é que,
no fundo, vocês nunca ligaram para mim. A mamãe passou dois anos fora e só
voltou agora. Os meus tios… Bem, esses é melhor nem comentar… E agora, você
está me abandonando.
Otávio olhou nos olhos da neta.
— Não adianta, Viviane, a minha
decisão já foi tomada.
— Eu entendo perfeitamente, vovô. Então,
o senhor faça como achar melhor. – disse Viviane, saindo logo em seguida.
Verônica estava deitada no sofá,
ouvindo seu mp3 e lendo uma revista, quando viu seu irmão ir em direção à porta
principal do apartamento. Parecia que ele ia sair.
— Ei! – chamou Verônica, tirando o
fone de ouvido e se levantando – Fabrício!
Fabrício que estava indo em direção
a porta, se virou.
— O que foi?
— Para onde você vai? – perguntou
ela, se levantando e se aproximando dele.
— E desde quando eu tenho que dar
satisfações da minha vida para você? Você é minha mãe, por acaso?
Verônica suspirou, tentando manter a
calma.
— Também não precisa ser grosso. Eu
só estou preocupada com você.
— Não preciso de suas preocupações.
– disse ele, saindo.
Verônica o segurou pelo braço.
— É sério, Fabrício. Estou
preocupada. Você quase não fica em casa, e quando o papai chega, ele sempre
pergunta onde você anda. O que vou dizer a ele?
— Se o nosso pai pergunta isso, é
por hábito. Você acha que um homem viciado em trabalho realmente se importa com
a gente?
— Mas, Fabrício...
Fabrício se solta da mão da irmã.
— Se ele perguntar diz qualquer
coisa. Ele não vai ouvir mesmo.
Fabrício saiu.
A empregada da casa chegou com uma
bandeja com sucos.
— Ué, o Fabrício já foi? – ela perguntou.-
Tinha preparado um lanchinho para ele também.
Verônica suspirou, deixando-se
sentar no sofá.
— Pois é, Bá. Meu irmão mudou muito
depois que nossa mãe morreu... E estou ainda mais preocupada por causa de uns
boatos que tenho ouvido por aí...
— Que boatos, menina? – perguntou a
senhora, começando a se preocupar.
Verônica se levantou e a abraçou, a
beijando na testa.
— Nada não, Bá. Não se preocupa...
Emanuela olhou para o relógio e
percebeu que já estava quase na hora de fechar. Ela e Tatiana estavam
despachando os últimos clientes, quando um carro esporte de luxo parou em
frente ao estabelecimento. Um grupo de jovens desceu e ocuparam algumas mesas. Emanuela
saiu para atendê-los, mas Tati a impediu.
— Deixa que eu vou, você trabalhou
demais hoje, tentando compensar os descuidos. – disse Tatiana sorrindo.
Tatiana saiu, se aproximando da mesa
dos garotos.
— O que vocês desejam? – disse
Tatiana educadamente.
Um dos rapazes olhou para ela de
cima a baixo.
— Eu não quero ser atendido por
você.
— Eu fiz alguma coisa errada? –
perguntou Tati confusa.
— Não... – disse o rapaz a olhando –
Eu só não gostei da sua... Figura. Chame a outra.
— Por que não quer ser atendida por
ela? – perguntou Emanuela se aproximando.
O rapaz riu-se.
— E por que não posso ser atendido
por você? Afinal, nós somos os clientes aqui, temos o direito de escolher quem
nos atende.
— Porque acho que há um quê de
discriminação na sua voz.
— E se tiver, o que vai fazer? Eu
tenho dinheiro, vai deixar de me atender?
Tatiana olhou para Emanuela.
— Tudo bem, Manu, não tem problema.
— É claro que tem problema. Eu tenho
quase certeza que esse cara e os seus amiguinhos não passam de uns racistas,
metidos a skinheads. Só que sem ter a cabeça raspada. Por favor, se retirem.
Nós não precisamos de clientes como vocês.
O rapaz riu alto.
— Vocês ouviram isso? As pobretonas
têm orgulho.
O grupo de rapazes começou a rir.
— Vocês deviam nos agradecer porque
nós viemos aqui...
— Saiam daqui imediatamente ou eu
vou chamar a polícia e denuncio todos vocês por racismo e discriminação social.
Um dos rapazes se levantou.
— Não precisa exagerar. Como cliente,
ele só quis ser atendido por outra pessoa. Em nenhum momento falamos qualquer
coisa que demonstrasse racismo.
— Quem é você? – perguntou Emanuela
– Se você acha isso, então, você deve saber que nós também temos o direito de
escolhermos nossos clientes.
O rapaz de antes olhou para
Emanuela.
— Quem é ele? Você ouviu isso,
Fabrício? O pai desse cara é diretor e sócio do grande Grupo Demontieux! Se ele
quiser, ele pode arruinar com a sua vida, ele tem muito dinheiro.
Emanuela olhou para Fabrício com um
olhar de desprezo.
— Então, ele não passa de um
filhinho de papai que não sabe o que é não. Um filhinho de papai que só sabe
depender dos pais e gastar o dinheiro deles.
— Eu não lhe ofendi para que você
falasse assim comigo. – disse Fabrício, tentando manter a calma.
— Você está no grupo deles, então,
você é como eles. Pessoas como vocês, nós pessoas “pobretonas” queremos bem
longe. Então, por favor, se retirem, antes que eu chame a polícia.
O outro rapaz se aproximou de
Emanuela até ficar com o rosto bem próximo ao rosto dela.
— Você tem certeza de que é isso que
você quer?
— Tenho, toda a certeza.
— Ok. – disse rindo com tom de
ameaça. – Depois não se arrependa. – e olhando para os outros – Vamos, pessoal.
O grupo saiu. As duas puderam então
respirar aliviadas.
— Nossa... – disse Tatiana – Você
teve muita coragem. Aquele cara que falou com você era assustador.
— Quem? O tal do Fabrício?
— Não, o outro.
— Assustador? Para mim, ele é apenas
um riquinho mimado.
Tati olhou para Emanuela assustada.
— Você está brincando? Eu conheço
pessoas ruins de longe e aquele com certeza era um. Do tipo que faz coisas
realmente ruins, entende?
— Conheci pessoas piores que ele. –
disse Emanuela, pensando longe de repente.
— Não me diga que são mais segredos
do seu passado que ainda não me contou?
Emanuela sorriu.
— Você fala como se meu passado
fosse sombrio.
— Ah, me conta, vai!
— Um outro dia. Vamos fechar a
padaria, já passou da hora de encerrar.
Tati olhou para o relógio.
— É verdade, tem razão.
As duas organizaram as últimas
coisas e fecharam a padaria.
— Eu não gosto quando os padeiros
saem e nos deixam sozinhas. Essa é uma padaria pequena, mas para duas pessoas
fica muito cansativo. – reclamou Tati, enquanto fechava o estabelecimento.
— Você vem comigo para a parada de
ônibus? – perguntou Emanuela.
— Não, não. Hoje meu namorado vem me
pegar. – e olhando para a estrada. – Olha ele ali de moto!
Tati olhou para Emanuela.
— Manu, se quiser eu te acompanho
até a parada.
— Não, não precisa.
— Tem certeza mesmo? Aquele beco por
onde você passa é um pouco estranho.
— Não se preocupe, pode ir.
— Ok, então. – disse Tati enquanto
se dirigia ao namorado e dava tchau para Emanuela.
Emanuela continuou seu caminho.
Passou por uma rua, mas para pegar o seu ônibus teria que passar por um beco
que a Tati achava sempre muito “esquisito” para se passar sozinha. Enquanto
passava por ele, sentiu alguém puxá-la de uma vez tapando a sua boca enquanto a
pressionava contra o muro da parede. Era o rapaz da última vez.
— Então, eu disse que você ia se
arrepender, não disse?
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