XXII
-
Nara, quer soltar meu braço? – Fala Claude já sem paciência alguma. – Preciso
levar esse chá para Rosa.
Claude
estava ao pé da escada, voltando ao quarto, quando Nara o segurou pelo braço,
tentando, outra vez, uma reaproximação.
-
Precisa por quê? Ela não pôde descer e
tomar o café à mesa, como todos
fizeram?
-
Non, non pôde. Ela acordou indisposta. E mesmo que non fosse isso, ela é minha
esposa, e eu gosto de fazer surpresinhas para ela, d’accord? Com licença.
Nara
o observa subir a escada com um brilho de raiva e inveja no olhar. Descontou a raiva apertando o corrimão com
toda força e a inveja contraindo todos os músculos do corpo.
“Eu devia ocupar esse lugar na vida dele, não
essa desclassificada! Tirando o detalhe da gravidez, é claro...”
-
Não encontrou ainda a saída, Nara? Se quiser, eu a acompanho até a porta,
darling! – Fala tia Elisabeth, chegando atrás de Nara.
-
Elisabeth! – Exclama Nara, girando o corpo, ficando frente à Elisabeth – Sempre
gentil comigo... – Ironiza - Vejo que se
alegra com essa escolha tão provinciana do seu sobrinho querido.
-
Oh, yes, baby! Principalmente porque a escolha foi do amor! O amor os escolheu e os juntou!
Nara
toma uma postura prepotente e fala:
-
Você e essas suas filosofias baratas... O amor não existe. O que existe é o
desejo, a atração física pura e simplesmente.
-
Uma pena você não crer no amor, Nara. Por que ele acredita em todos nós, até em
pessoas preconceituosas e egocêntricas como você. Agora com licença, vou voltar
para meus afazeres. Faça uma boa viagem de volta a Paris, honey! – Conclui Elisabeth,
saindo pela porta lateral rumo ao estúdio.
-
Ora, ora, Elisabeth! Você pensa que me conhece! Eu posso ter perdido a batalha, mas não a
guerra, afinal eu só a estou declarando agora!
Enquanto
isso no quarto...
Rosa
não sabia o que fazer. Estava deitada a manhã toda. Claude trouxera o café da
manhã no quarto, logo cedinho. Tudo na bandeja lhe pareceu saboroso e
suculento. Tomaram o café entre risos e
brincadeiras. No entanto, assim que se
levantou, precisou correr ao banheiro mais uma vez.
Devolveu
todo o café de uma forma nada agradável, enquanto seu corpo todo tremia e
sentia um suor frio inundar-lhe a pele. Tentava respirar e controlar as ânsias
sucessivas, mas era em vão.
Claude
a amparou e a ajudou a tomar um banho e refazer-se. Depois “ordenou” que ela
ficasse deitada. Seus pais e irmãos
haviam vindo até ela para se despedirem. Estavam voltando para São Paulo num
voo direto pela manhã.
Amália
queria permanecer e cuidar de Rosa, mas vendo que Claude tomava as rédeas da
situação, ficou mais tranquila.
Assim,
Rosa passara boa parte da manhã revendo o álbum virtual de Tia Elisabeth.
Mostrara-o
para seus familiares e vira seu pai tentando disfarçar algumas lágrimas quando
viu as cenas da igreja. Nesse instante, teve certeza que todo o trabalho que
teve pra transferir o casamento havia valido a pena, feito a diferença para
ele.
-
Tia Elisabeth registrou vários momentos, cenas maravilhosas e inesquecíveis do
casamento, que seriam fixadas num álbum. – Explicava Rosa - Mas depois decidiu que
seria em dois álbuns: um virtual e um
tradicional, que ainda está
fazendo.
-
Ela editou várias fotos de borboletas e mariposas das que Rosa havia tirado num
passeio que fizemos, bem como o vídeo da cachoeira e os colocou no álbum
virtual entre as fotos do casamento. Foi muito criativa. – Completara Claude.
Fechou
o arquivo e notou um outro “ álbum making off” entre os ícones do
pendrive. Abriu, curiosa. Era o mesmo álbum. Mas o que abria o álbum
era o vídeo do primeiro encontro, quando Claude e Rosa despencaram pelo
barranco.
Rosa
sorriu. É claro que tia Elisabeth não
deixaria uma oportunidade dessas passar!
-
Voilá! – Diz Claude, entrando no quarto com o chá – Sorrindo... É sinal que já
está melhor. Acertei?
-
Estou melhor sim, meu amor. Acho até que vou levantar e continuar com meu
trabalho na casa da piscina.
-
Mas non vai mesmo. Vai tomar esse chá e descansar o dia todo. Joanna já está
marcando uma consulta para você com o médico dela em Campo Grande. A casa da
piscina pode esperar.
-
Mas Claude... – Começa a falar, mas Claude senta-se na beira da cama e coloca
os dedos sobre os lábios dela.
-
Rosa, você passou mal a noite toda e non consegue manter nada no estômago. Se non estiver grávida mesmo, precisamos
descobrir o que é... Enton, só por hoje, fique em repouso, d’accord?
-
Está bem... Eu sorria pelo making-off do nosso
álbum. Tia Elisabeth adicionou o nosso primeiro encontro na abertura
dele.
-
Voilá! Essa eu quero ver, me mostra, gat...
O
celular toca e Claude atende, enquanto Rosa abria o arquivo novamente.
-
Sinto muito, chérie. Os empreiteiros eston precisando de minha presença com urgência.
Volto assim que puder, d’accord? – Diz, despedindo-se com um beijo leve.
E
saiu do quarto sem dar tempo a Rosa de protestar.
Teimosa,
Rosa levantou-se devagar. Nada, não sentia nada que a obrigasse a ficar na
cama.
Então,
ariscou o primeiro passo e tudo a sua volta girou.
-
Droga! – Exclama, voltando atrás rapidamente até sentar-se na cama e
encostar-se à cabeceira dela sobre os travesseiros.
Fechou
os olhos e respirou profundamente, concentrando-se em afastar aquele mal
estar. Acabou cochilando e acordou com o
barulho da porta se abrindo. E não gostou nada do que viu.
-
Posso entrar, querida? - Nara pergunta,
entreabrindo a porta e entrando sem esperar pela resposta.
Com
certeza era a última pessoa que Rosa gostaria de ver naquele momento. Sentiu-se
o próprio patinho feio da história infantil. Estava pálida, com olheiras, os
cabelos desalinhados e de pijama.
Nara
estava impecável. Vestia uma blusa azul
royal de seda pura e uma calça branca.
Cuidadosamente penteada e maquiada.
O
que tem de elegante, tem de fria, pensa Rosa, enquanto Nara a olhava
demoradamente.
-
Vim ver se está melhor. Claude me pareceu tão perturbado! Sua saúde sempre foi
frágil assim?
-
Minha saúde é perfeitamente normal. Só estou passando por um período delicado.
-
Sei... O Claude sempre foi responsável. Agora eu entendo porque se casou com
você, queridinha. Um filho sempre foi o sonho dele, ao contrário do meu.
-
O Claude não se casou comigo por eu estar grávida, se é o que está insinuando.
-
Ah, não? E que outro motivo ele teria? Ele veio parar nesse fim de mundo, só
pra tentar me esquecer. Tenho certeza que depois que essa criança nascer, ele
volta pra França pra ficar comigo.
Rosa
que esperava pacientemente pelo fim da conversa, aperta os dedos contra o
lençol que segurava entre as mãos. Olhou para o rosto impassível de Nara e seu
coração se apertou. Ela não era apenas
fria. Era insensível, vingativa, ferina e perigosa, lhe alertou aquela voz
interior.
-
Quer chamar Dadi para mim? Acho que vou vomitar...
Foi
a vez de Nara empalidecer, levantando-se incomodada.
-
Claro, não se mexa... – Falou, saindo rapidamente para fora do quarto.
Rosa
sorriu diante do evidente descontrole de Nara com a possibilidade de seu mal
estar. Mas o sorriso se transformou em choro. Abaixou a cabeça entre as mãos,
sentindo os olhos úmidos e antes que pudesse evitar as lágrimas escorreram pelo
seu rosto, por entre seus dedos.
Quando
Dadi entrou, estava ainda enxugando o rosto.
-
Dona Rosa! Que foi que essa cobra fez pra senhora?
-
Nada não, Dadi. A presença dela estava
me cansando e eu arrumei uma desculpa, só isso.
-
Já cansou a todos. Não sei como o Dr. Claude foi capaz de namor... Desculpa,
Dona Rosa, isso é passado.
-
Um passado que existiu entre eles... – Murmura Rosa mais pra si que pra Dadi. –
Eu vou tentar dormir mais um pouco, obrigada por ter vindo, Dadi.
-
A senhora não quer comer nada?
-
Não. Mais tarde, quem sabe...
Rosa
acomodou-se nos travesseiros e tentou relaxar e afastar os pensamentos que
invadiam sua mente. Nunca havia pensado na possibilidade de Claude ainda gostar
de Nara... Não, aquilo não tinha
lógica.
A
imagem de Claude apareceu diante de seus olhos: a barba por fazer, os cabelos
levemente despenteados, sorrindo para ela. Com aquele sorriso profundo, que lhe
provocava tantas sensações...
Fechou
os olhos e relaxou. Não havia dúvida, eles se amavam. E foi seu último
pensamento antes de adormecer.
Algum
tempo depois, Rosa acordou. Sentia-se melhor. Saiu da cama com cuidado e ficou
de pé. O chão pareceu oscilar, mas logo recuperou as forças e tudo ficou bem. Olhou
para o relógio: mais de duas da tarde! Dormira por mais de quatro horas!
Feliz por estar bem, foi tomar um banho e
voltou ao quarto. Estava tão atenta procurando uma roupa, que mal ouviu a porta
se abrir, quietamente, como se alguém pensasse que ela ainda dormia. Então, uma
voz profunda ecoou em seus ouvidos:
-
Mas o que pensa que está fazendo, hã?
Por
um momento não se mexeu, sentindo-se a garotinha com a mão na cereja do bolo.
-
Estou me arrumando... Acabei de tomar um banho, tenho que por uma roupa.
-
Sei... – Claude falou como se falasse com uma criança – Non disse que deveria
ficar de repouso?
-
Sim, mas... – Sentiu-se tão culpada diante do olhar de Claude que as palavras
não saíam.
-
Vamos, de volta pra cama! – Disse, erguendo-a nos braços.
-
Não! Me deixa pelo menos por uma roupa!Eu estou melhor e não sou criança, sei
me cuidar!
-
Non é o que parece, segundo eu fiquei sabendo. – Fala, enquanto a coloca no
chão - O que Nara queria com você?
-
Saber se eu tinha melhorado – Diz, desviando o olhar de Claude, enquanto se
vestia.
-
Por que non me diz exatamente o que ela falou, hã? Dadi disse que você estava
chorando.
Mas
porque Dadi foi abrir a boca, pensou, afastando-se até a janela, ficando de
costas para Claude.
-
Rosa? Quer, por favor, me contar? – Pede com uma entonação de ordem.
Sem
saber explicar porque, Rosa sentiu-se profundamente irritada com isso e
respondeu mais ríspida do que queria.
-
Se está tão interessado, por que não pergunta a ela?
-
Primeiro, porque estou perguntando a você. E segundo, porque Nara já foi
embora.
-
Se despediu dela? – A curiosidade foi maior.
-
Sim, ela fez o favorzinho de me procurar...
-
E ficou triste porque ela já foi? Queria desfrutar mais da companhia dela? Se
arrependeu de casar comigo?
-
Mon Dieu! Ela deve ter envenenado sua
cabecinha contra mim... Non foi isso?
-
Olha, devia ter perguntado a ela. Tenho certeza que ela adoraria explicar tudo
pra você.
Claude
ignora a leve ironia nas palavras de Rosa e insiste:
-
Vai me contar ou non? Sei muito bem do que aquela víbora é capaz!
Rosa
se mantém em silêncio, olhando para o jardim através da janela. Claude se
aproxima, ficando quase colado ao corpo dela.
-
Voilá! Estou vendo que discutir contigo é chover no molhado, hã?
-
Se sou assim... tão aguada, por que
se casou comigo? – Pergunta abaixando a cabeça.
Então,
sente os braços de Claude rodearem seu corpo e a voz dele em seus ouvidos:
-
Porque eu te amo. É razon suficiente ou quer mais? – Diz, apertando-a contra
seu corpo, naquele abraço, juntando seus corpos e roçando sua barba pelo rosto
de Rosa.
-
É suficiente! – Diz sorrindo. E girando
no abraço o enlaça pelo pescoço – Mas para que não fiquem dúvidas, vou querer
algo mais... convincente!
E
o convite mudo de seus lábios entreabertos logo foi aceito.
Continua...
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