XXI
Parte I
Rosa
sentiu-se balançar e o rosto esquentar.
Uma claridade intensa a incomodou. Abriu os olhos e sorriu. Não fora
sonho. Ela estava realmente numa jangada no meio do rio. E Claude a mantinha presa em seus braços.
A
brisa matutina deixava o ar frio. Aconchegou-se anda mais a ele, puxando a
coberta. Claude pensara em tudo. Até uma camisola, ele deixara preparada.
-
Bom dia, gatinha! Uma gatinha oficialmente comprometida, agora.
-
Bom dia, amor! Então foi pra isso que você desviou o pessoal da fazenda...
-
Oui. Nossa lua de mel tinha que ser especial, sem ser em Paris.
-
E foi! Você foi muito original e
extremamente romântico...
-
Você merece, d’accord? Rosa, eu nunca te perguntei isso... tem medo de altura?
-
Eu acho que não, por quê?
-
Olha ali na nossa árvore que você vai entender...
Rosa
gira o corpo e olha para onde Claude indicava.
- Meu Deus... Claude, o que é aquilo na
árvore? – Pergunta, incrédula com o que via.
-
É o nosso refúgio, gatinha... Aquele é um lugar só nosso... Vem, vamos subir
lá.
-
E como é que faremos isso?
-
Tem uma escada do outro lado do tronco...
-
Ainda non está acabada, chérie. Falta o toque de uma certa arquiteta...
-
Pois me parece perfeita! Uma casa na árvore!
- Fala Rosa, quando já estão lá em cima – Acho que é o sonho de toda
criança.
-
Daqui podemos ver quase toda a fazenda – Diz Claude, aproximando-se da grade de
madeira.
-
Realmente, a região do pantanal é linda!
- Exclama Rosa, ficando ao lado dele.
-
É sim... Mas você é muito mais... – Diz, enlaçando-a pela cintura e beijando-a
docemente – Vem... tem um café da manhã nos esperando...
-
Hummm, muito engenhoso de sua parte colocar tudo numa caixa térmica.
-
Eu poderia ficar com o elogio, mas ele pertence à Dadi, hã? Foi dela a ideia.
-
Eu vou lembrar de agradecê-la, já que
meu marido iria me deixar morrer de fome!
-
De fome, talvez. Mas nunca por falta de amor, d’accord? – Diz, abraçando-a
apertadamente.
-
Podemos ficar aqui até de tarde? – sussurra Rosa.
-
Oui, gatinha... Hoje o dia é só de nós
dois...
Na
fazenda.
-
Eu não falei pra vocês que as cartas não mentem? – Falava Elisabeth a Frazão e
Janete. – Foi como elas disseram... Dose dupla de passado.
-
Mon Dieu, o que ela faz aqui, titia?- Pergunta Janete, num tom preocupado. - E
ele?
-
Claro que ela veio atrás do Claude e ele atrás da Rosa, minha rainha. - Fala
Frazão – Por que outro motivo seria?
-
Ainda bem que eles não chegaram ontem por causa da chuva. Teria sido uma
tragédia!
-
Por supuesto, darling! Mais uma prova
que Deus, sabe o que faz! O voo atrasou devido a chuva e eles só puderam vir
para a fazenda hoje.
-
E agora estão lá, Nara com meus pais e o Júlio com os pais da Rosa!
-
Quando eles voltarem, vão levar um susto e tanto! – Fala Janete.
-
Maior susto estão levando esses dois ao saber que Claude e Rosa estão
casados...
No
escritório da casa.
-
Como assim o Claude casou ontem, François? –Pergunta Nara, tentando não perder
a classe. – Ele não podia ter feito isso comigo!
-
Não seja dramática, Nara. Até onde sei,
foi você quem fez algo ao Claude, quando se apoderou do projeto dele e passou
para a concorrência. Isso foi golpe sujo. Se você fosse uma simples funcionária,
eu até entenderia... Mas você era praticamente noiva dele!
-
E por que acha que vim até aqui, nesse fim de mundo? Eu me arrependi, François!
-
Não me faça rir, Nara! – Diz Joanna, até então calada – Você arrependida? Eu
acho é que você levou foi um belo pé no traseiro, isso sim!
-
Olha aqui, Joanna, eu não admito que você fale assim comigo!
-
Quem não admite as coisas aqui, sou eu! Você está na nossa casa, Nara! Sem ser
convidada! E não vou admitir que você fale assim com minha esposa e muito menos
que tente arruinar o casamento de Claude. Eles estão muito felizes e você não vai
atrapalhar essa felicidade. Entendeu?
-
Claro que entendi. Você tem toda razão...
Eu deveria ter vindo antes. Mas como ia imaginar que ele me trocaria em
tão pouco tempo?
-
Por Deus, garota! Claude não trocou você por nada, nem por ninguém! – Fala Joanna.
– Quando ele veio para o Brasil, vocês já não tinham nenhum relacionamento.
-
Joanna, o Claude era apaixonado por mim. Ele veio pra cá pra tentar me
esquecer. – Diz Nara, querendo mostrar segurança.
-
Que bom que você não faltou às aulas de português, Nara. Usou o verbo no tempo
certo: “era” apaixonado, se é que foi
mesmo um dia.
-
E esqueceu completamente. Conforme-se Nara. Esta você perdeu! – Completa
Joanna.
-
Ainsi, est la vie! – diz Nara, mudando de atitude - Creio que vocês estão
cobertos de razão. Eu devia ter vindo... melhor, eu não devia ter deixado ele
sair da França... Enfim! Quando é que
ele volta da viagem de lua-de-mel? [Bem, é a vida]
-
Eles não viajaram, estão em algum canto da fazenda, creio que acampados. Devem
retornar ainda hoje.
-
Mon Dieu! Claude continua com essas ideias id... incríveis, não é mesmo? Eu
posso esperar? Gostaria muito de cumprimentá-los!
-
Bem, fique à vontade. Joanna, essa parte é com você.
-
Eu vou pedir à Dadi que leve suas coisas para o quarto de hóspedes. Poderá tomar
um banho e descansar um pouco.
-
Muito obrigada, Joanna. Eu vou pegar minha mala do carro que aluguei, com
licença.
Nara
sai do escritório.
-
Concordou muito rápido. Ela vai aprontar alguma, François! – Diz Joanna com a
testa franzida.
-
É, mon amour. Parece que teremos outra tempestade. E não vai ser só de água
dessa vez... – Diz, olhando pela janela e vendo as nuvens que se aproximavam
pelo céu.
Na
varanda da casa.
-
Mas como o senhor deu sua permissão, S. Giovanni? Eu disse que iria procurar
por ela! – Falava Júlio, desconcertado.
-
Filho, o que eu podia fazer? Serafina ama esse dotore e o dotore ama
minha Serafina, hum?
-
Eu não acredito nisso! Ficamos quatro
anos, S Giovanni, quatro anos juntos e agora em alguns míseros... seis meses,
ela ama outro? Dá até pra pensar certas
coisas. – Diz, passando a mão pela testa.
-
Ehhh... pensar o que hem, Júlio? – Pergunta Giovanni.
- Que Rosa me deixou por causa desse... desse francês!
-
Epa!!! Pera lá! Minha filha é uma
mulher honesta! – Fala Amália – Ela nunca enganou você, Júlio. Foi tão honesta,
que desistiu quando percebeu que não era amor que sentia por você!
-
Desculpe-me, D. Amália, eu estou desesperado... Droga! Se eu estivesse em São
Paulo, teria impedido ela de fazer essa loucura de vir pra cá!
-
Va bene! Esse foi o seu problema,
Júlio! – Fala Giovanni - Molta
preoccupazione con il lavoro e poco con Serafina!
-
Eu estava trabalhando pra dar mais conforto a ela! Montei nosso apartamento,
mobiliei...
-
Mas Júlio, pensa bem! Não ia dar certo. Se Serafina se apaixonou pelo dotore, é
porque o coração dela estava vazio, filho!
-
Eu tinha esperanças de reconquistá-la... Eu lhe falei isso, S. Giovanni!
-
Ma porca miséria, você demorou muito,
Júlio!
-
Eu tinha um congresso marcado... Não podia faltar!
-
Tá vendo? Serafina se cansou de ser trocada pelo seu trabalho! E eu estou do
lado da minha filha.
-
Pra onde ela foi? Paris? Usou as passagens da nossa viagem?
-
Claro que não! Imagina se o dotore ia
aceitar... Ia precisar de usar aquelas
passagens! – Fala Amália.
-
Eles estão aqui na fazenda mesmo. O Claude construiu uma cabana só pra lua de
mel deles. – Completa Giovanni.
-
Estou desconhecendo o senhor, S. Giovanni... O senhor sempre foi tão preocupado
com a reputação de Rosa, com a moral e os bons costumes...
-
Eu tenho minhas razões, Júlio! E a principal delas é que o marido de Serafina é
um homem íntegro, de caráter e ama minha filha. Ele foi até São Paulo pra pedir
a mão dela em casamento, capisco? E
se minha filha está felice, io tenho que estar
também!
-
Eles voltam hoje? – Pergunta Júlio.
-
Io entendo que sim, perché eles saíram com a roupa do corpo,
ou seja, do casamento, capisco?
-
Eu vou esperá-la, então. O senhor me
permite?
-
Você é maior de idade e responsável pelos seus atos, filho...
Na
sala de estar.
-
Well, meus queridos, vou voltar para o estúdio, ok? Quero terminar de editar as fotos e montar um
álbum virtual para Rosa.
-
Está bem titia! Eu vou ver o que está acontecendo por aí... com essa dupla. Vou
ficar de olho em Nara! Não confio nela.
-
E eu vou verificar como vai o acabamento dos últimos chalés. A ideia da Rosa de
colocar nomes típicos com animais do pantanal ficou show!
-
E eu não sei? – diz Elisabeth – Você já viu o que ela fez com a garagem? Ficou
magnifique! Um estúdio completo, bem iluminado, arejado, perfeito! Bye!
-
E pensar que o Claude não a queria por ser mulher! Francamente, esse francês
tem cada uma! – Fala Frazão.
-
Frazão, você podia ficar de olho no Júlio, puxar conversa com ele, quem sabe...
– Vai falando Janete, enquanto saem da casa.
Do
outro lado da fazenda, Claude e Rosa curtiam os últimos momentos do dia. O sol já começava a se pôr e eles estavam à
beira do rio.
-
O dia já se foi, chérie. Hora de voltarmos pra fazenda.
-
Foi tudo tão incrível! Muito melhor que ir a Paris...
-
Non exagere, hã? Isso aqui foi muito bom, mas Paris... é Paris, gatinha! Nada
se compara. E eu vou te levar pra conhecê-la, d’accord? Vai ser a nossa segunda
lua de mel.
-
É uma promessa? – Estremece ao ouvir o som de um trovão ao longe.
-
Oui! Vamos? Ou, enton, pegaremos chuva
pelo caminho...
-
Ok, me ajuda a colocar o vestido de novo?
-
Voilá! É sempre melhor tirá-lo, hã? – diz, sorrindo com canto da boca. - Vamos
sair da beira do rio... Que foi, por que ficou séria assim de repente, olhando
tudo ton fixamente?
-
Eu quero gravar tudo isso na memória... Essa noite e esse dia lindos que você
me deu...
- Isso tudo é porque eu te amo, gatinha!
-
Eu também amo você, Claude Geraldy! – E os lábios de Claude tocam os dela.
Depois
de estarem vestidos novamente, partiram de volta à fazenda. Era uma corrida
contra o tempo, pois nuvens carregadas arrastavam-se velozmente pelo céu,
parecendo vir de encontro a eles.
Haviam
deixado tudo organizado e arrumado. No dia seguinte, voltariam com a camionete
para levar o que tinha que ser levado.
Quanto
à jangada, ela ficaria ali, amarrada ao tablado, pois pretendiam vir muitas
outras vezes por ali e, quem sabe, descer o rio com ela. Rosa já imaginava as
fotos que conseguiria fazer.
Claude
acelerava nos trechos mais plainos, o que fazia com que Rosa se agarrasse mais
a ele.
-
Claude! Assim, vamos cair! – Fala alto, tentando ser ouvida por ele, apesar do
capacete e do vento.
-
Non vamos non, gatinha... Dessa vez non! Segura firme, d’accord? Quero ver se
chegamos à fazenda antes da chuva!
A
volta pareceu ser mais rápida. Minutos depois, já avistavam os chalés e os
jardins entre eles. E o telhado da casa-sede.
Mais
um pouco e avistaram a piscina e o salão. Claude diminuiu a velocidade e,
alguns minutos depois, circundou o entorno da casa, parando ao lado da piscina.
Mas
antes que chegassem, a chuva caiu, repentina e torrencialmente, sem pingos de
aviso.
Desceu
e ajudou Rosa a descer da moto. Estavam encharcados. O vestido de Rosa colara
em seu corpo e a chuva fazia de seus cabelos uma moldura para o seu rosto.
Olhou
para Claude e viu a água escorrendo pelo rosto dele. Delicadamente, tentou
secá-lo, mesmo sabendo ser impossível.
-
Toda vez que o céu fechar e começar a chover, podíamos nos beijar. – Fala Rosa
suavemente.
-
D’accord... – Responde Claude, tomando-lhe
os lábios semiabertos e beijando-a.
-
Quer dançar comigo? – Pergunta Rosa, encostando sua boca no ouvido dele.
-
Por que non? Vamos terminar nosso beijo molhado com uma dança sem música –
Responde, sorrindo.
-
Como assim sem música? Não está ouvindo os sinos tocarem? Parecem até pingos de chuva tocando o chão...
Claude
sorri. Ela usava o mesmo truque seu...
Abraça Rosa, puxando-a de encontro a si firmemente, mantendo-a bem
encostada em seu corpo. E dançam uma música que só tocava em seus corações
apaixonados...
Trocaram
beijos, carícias e promessas...
-
O bom da chuva é que parece non ter fim, chérie. Igual ao nosso amor! Os
trovões estão aumentando, é melhor entrarmos antes que um raio nos atinja!
-
Por onde vamos entrar, molhados desse jeito? – Pergunta Rosa, tentando torcer a
saia do vestido.
-
Pela porta da frente, gatinha... Como tem que ser, hã?
Claude
a pega pela mão e logo estão subindo os degraus da varanda. Coloca a mão na
maçaneta, mas retira rapidamente.
-
Non... Vamos entrar como manda a tradiçon! – E a pega em seus braços – Você
abre a porta, gatinha...
-
Pois non, monsieur Geraldy! – Brinca Rosa e os dois entram rindo. A porta
escapa e bate com a força do vento.
Claude
a coloca no chão, lentamente.
-
Bem vinda ao lar, Senhora Geraldy – Diz baixinho, beijando-a e acabam perdendo
o equilíbrio, derrubando um cabideiro que ficava perto da porta.
Então,
escutam algumas tossidas e olham na direção do som.
-
Júlio? - Fala Rosa, surpresa demais.
-
Nara? - Rosa escuta Claude falar, logo depois de si.
-
O que você veio fazer aqui? – Falam os dois ao mesmo tempo...
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