O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo
XXIV
UM
ANJO SALVA UM DEMÔNIO
Depois
que Luís Paulo de Rastignac fora embora, com
toda a voz que lhe restava, Maria "Flor de Amor" ainda teve forças
para gritar:
-
Luís Paulo, meu amor... Espere!... Volte!...
Mas
ninguém respondeu. A infeliz criatura correu para a porta como uma louca. Os
cachos louros caíam-lhe no rosto coberto por uma palidez de cera, enquanto seus
lábios tremiam, convulsivamente. Cambaleando, deu alguns passos no corredor,
até o começo das escadas, mas ali também não avistou ninguém, ninguém... Seu
chamado desesperado perdeu-se no silêncio triste do hotel. Luís Paulo, o seu
amor, fora embora convencido de sua culpa, abandonara-a definitivamente, depois
de cobri-la de insultos e de humilhá-la com o seu desprezo. Maria "Flor de
Amor" voltou para o quarto entontecida. Mas assim que chegou à porta,
soltou um grito rouco e lancinante. De pé, a poucos passos dela, dentro do
aposento, aparentemente impassível, estava a mulher por quem ela perdera a
única oportunidade de refazer sua vida, sacrificando seu amor e a honra para
sempre.
Denise,
muito pálida, mas perfeitamente senhora de si, fitava-a fixamente. Maria
"Flor de Amor", que suportara heroicamente um sofrimento
sobre-humano, entrou no quarto e teve vontade de gritar: "Vá embora daqui,
vá embora, criatura vil que é a causa de minha ruína! Agradeça à minha
abnegação se agora você tem tudo e eu não tenho mais nada!" Mas não teve
forças e ficou ali parada, muda e imóvel.
-
Ouça, Maria - disse Denise - preciso falar com você. É importante.
-
Que pode ser importante para mim agora?!... - rebelou-se a moça. - Que quer
mais ainda? Meu sacrifício ainda não terminou? Não lhe basta o que fiz?!...
-
Não se trata disto...
-
De que, então? Quer a minha vida também? Pois, tome-a!... Por você, eu dei tudo
aquilo que tinha valor na terra para mim! Tudo, esperando por uma palavra sua,
uma só! Como pôde ouvir as coisas terríveis que Luís Paulo me disse, sem sentir
o impulso de intervir, de tomar a minha defesa? Por que não pronunciou uma
única palavra para provar a minha inocência?
Denise
abaixou a cabeça. Não se podia adivinhar o que se passava na mente da moça
naquele instante. Bela, elegantíssima, ereta, imóvel, tinha o aspecto da
vencida e da vencedora ao mesmo tempo.
-
Então – gritou Maria "Flor de Amor" quase fora de si. - que quer mais
ainda?
-
O que está feito, está feito, - murmurou Denise com voz distante. - e nada
poderá consertar...
-
É fácil falar assim agora!
-
Não é fácil, mas é lógico. Se eu procurasse Luís Paulo e lhe contasse a
verdade, ele não acreditaria.
-
É possível - murmurou Maria "Flor de Amor", caindo numa cadeira: -
jamais poderei reconquistar o amor que perdi ainda há pouco... Não me resta
mais nada...
Por
mais estranho que pareça, uma lágrima brilhou nos olhos de Denise.
Aproximou-se
lentamente da jovem e murmurou, sem encará-la:
-
Maria, querida... Você, neste momento, fez por mim aquilo que ninguém mais
teria feito em seu lugar.
-
De que adianta isso agora?
-
É verdade, talvez não adiante de nada... Porém, se você jogou a sua felicidade,
se perdeu realmente aquilo que julgou ser a sua fortuna, pode ter a certeza, de
agora em diante, que ninguém pode vangloriar-se de ter agido de modo mais
generoso...
Maria
"Flor de Amor" sorriu amargamente entre as lágrimas.
-
Perdi a estima, a honra a reputação, o amor... Nada mais me importa agora...
Denise,
malgrado seu, sentiu a necessidade de provar de qualquer maneira o seu
reconhecimento. O valor do que ganhara por causa de Maria era demasiadamente
grande para que pudesse ignorá-lo.
-
Escute aqui, Maria, diga-me o que posso fazer, o que poderei dar-lhe para
recompensá-la pelo que fez?
Um
soluço desesperado foi a única resposta. Obstinadamente, a jovem insistiu:
-
Minha gratidão a acompanhará a vida inteira...
-
A sua gratidão!...
-
Sim, Maria, eu lhe garanto e se não posso restituir-lhe o que você perdeu,
quero ao menos poupar-lhe as preocupações com o futuro, dar-lhe-ei tudo que
quiser, tudo que me pedir.... Quer minhas joias? Eu tenho joias maravilhosas,
vai gostar delas...
A
filha da marquesa Renata seria sincera naquele instante? Ou seria o alívio do
aperto passado que a fazia falar daquela maneira? Maria "Flor de
Amor" não pôde certificar-se. Ou talvez Denise adivinhasse a resposta que
a moça lhe daria.
-
Baronesa - as boas ações não se vendem! Não quero recompensas, não quero
nada... Desejo que a senhora pelo menos possa ser feliz. Se ainda o puder...
-
Espero ser feliz - murmurou Denise, tomando as mãos de Maria entre as suas, as
quais a moça retirou bruscamente. - Estou certa de que no futuro você poderá
viver tranquila e que, pouco a pouco, a paixão desaparecerá de seu coração
atormentado.
-
Como pode dizer uma coisa dessas?
-
Não há nada eterno neste mundo...
-
Meu amor é eterno!...
Um
sorriso estranho surgiu no rosto de Denise.
-
Engana-se. Ele também terá um fim, como o têm todas as coisas...
-
Jamais! Jamais!
-
Você encontrará um homem que a ame.
Maria
"Flor de Amor" balançou violentamente a bela cabeça loura.
-
Não! Não poderei amar a mais ninguém! O rosto de Luís Paulo estará sempre
diante de meus olhos, sua lembrança no meu coração!
Denise
deixou os braços caírem ao longo do corpo. Afinal de contas, que lhe importava?
Não
sendo, porém, calejada, como sua mãe, pelo vício e pelo pecado, sabia muito bem
que roubara tudo à jovem loura que estava diante de si, até mesmo os milhões, o
título de baronesa e o lugar de filha junto ao conde Fernando de Chanteloup...
Por isso, insistiu mais uma vez:
-
Diga-me, Maria: que quer de mim? Não quero separar-me de você como uma
devedora, compreende? Fale!
Desta
vez, Maria "Flor de Amor" ergueu ligeiramente a cabeça.
-
Pois bem... Eu tenho um desejo, um só...
Denise
inclinou-se mais para ela.
-
Diga-me! Qual é?
-
Faça Luís Paulo feliz! Ele o merece, depois de tudo que sofreu!
A
filha da marquesa Renata sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Que ironia
do destino! Fazer Luís Paulo feliz! Seria mesmo possível?
-
Você promete? – Perguntou Maria “Flor de Amor”.
Denise
hesitou um instante. Mas logo pensou: "Sim, que me custa, afinal? Esta
pobre criatura jamais poderá saber de nada... E, mesmo que soubesse, é
demasiadamente generosa para me fazer mal". Então disse em voz alta:
-
Juro que farei tudo para tornar Luís Paulo muito feliz.
Um
lampejo, senão de felicidade, mas pelo menos de suave alegria, passou pelo
rosto de Maria "Flor de Amor".
-
Para mim é o suficiente... - murmurou.
Depois
que Denise se retirou, Maria "Flor de Amor" levantou-se lentamente e
apanhou o maço de notas que Luís Paulo jogara para ela. Faria uso daquele
dinheiro, restituindo-o mais tarde ao barão Luís Paulo. Um projeto se delineava
pouco a pouco na mente da jovem. Poderia, por intermédio de uma amiga que
trabalhava em um consulado estrangeiro, apressar a obtenção de seus documentos
e viajar para a Inglaterra. Não que ela pensasse no velho mundo como uma fonte
de bem-estar e riqueza, mas por julgar que quanto mais longe estivesse, mais
probabilidades teria de refazer uma vida que, em sua pátria, se tornara um
sofrimento contínuo. Maria "Flor de Amor" olhou em volta com ar
triste. Quantos pensamentos passavam por sua mente! Até a pouco os escondera no
mais profundo de seu ser, na esperança de que o futuro lhe trouxesse uma
melhoria de vida, que os belos tempos em que Luís Paulo lhe dedicara o seu amor
pudessem voltar... Mas essa tão bela e confortada esperança tinha morrido para
não reviver jamais! Juntou suas coisas rapidamente. Não queria atrasar-se
porque temia que Ivonne Delapierre, a quiromante, retornasse a qualquer
momento. Por que dar longas explicações àquela mulher, que lhe trariam novos
tormentos e que ela, aliás, não compreenderia? Na verdade, como Ivonne poderia
compreender o seu sacrifício? Pobre Maria "Flor de Amor"! Se pudesse
imaginar a que outro tremendo perigo ela fugia naquele instante!... A jovem
desceu as escadas cautelosamente. Temia encontrar o porteiro do hotel, o qual
poderia pedir-lhe explicações e fazer-lhe perguntas sobre a sua companheira, às
quais ela não poderia responder. Felizmente não havia ninguém no vestíbulo.
Enquanto se afastava, Maria "Flor de Amor" avistou ainda parada na
esquina a carruagem preta na qual chegara na véspera em companhia da
quiromante.
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