3° CAPÍTULO – Passado
Já
haviam se passado duas semanas desde a última visita do Dr. Tarcísio à mansão.
O Dr. Otávio esperava ansiosamente por uma resposta do seu advogado. Enquanto
estava no escritório lendo as últimas notícias da economia do país, o telefone
tocou. Era o advogado pedindo para encontrar-se com o empresário a fim de lhe
contar os resultados das investigações.
Passou-se
quase uma hora até que o advogado chegasse. Como sempre foi logo encaminhado
para o escritório, onde os dois poderiam ter uma conversa particular sem serem
incomodados.
— Sente-se, por favor, Dr. Tarcísio.
Pela a sua urgência em me encontrar, acredito que o senhor já conseguiu algum
resultado.
O
Dr. Tarcísio sentou-se. E apesar de estar confortado, Otávio pode perceber certa
preocupação no rosto do advogado.
— Bem, as investigações não poderiam
ter acontecido melhor... O endereço escrito na carta ajudou muito. Nós
conseguimos chegar a um resultado. No entanto, não foi exatamente o resultado
que esperávamos.
Dr.
Otávio pareceu confuso com a afirmação do advogado.
— Mas por que diz isso? Não me diga que
a criança não sobreviveu... Ou mais sério do que isso, ela na verdade não
existe...
O
advogado estava sério.
— Não, não é isso, Dr. Otávio... Estou
dizendo que existem coisas muito estranhas em relação a essa carta. Além do
fato de que ela só foi encontrada agora... Há algo que não foi citado na carta.
E sinceramente, não entendo o porquê de tal omissão.
— O que exatamente? - perguntou Otávio
intrigado.
— Segundo a carta, que o senhor mesmo
leu, uma mulher que supostamente tinha um relacionamento com seu filho Jorge,
engravidou e perdeu a vida logo após o parto. A pessoa que escreveu disse que
se tratava apenas de uma criança, e
que o pai, nesse caso, o Jorge, deveria vê-la...
O
Dr. Otávio que estava sentado em sua poltrona olhando para a janela próxima a
ela, virou-se surpreso para o advogado.
— O que o senhor quis dizer com apenas? Não me diga...
— É exatamente isso que o senhor está
pensando. Não se trata apenas de uma criança, e sim duas. Irmãs... Irmãs
gêmeas.
A
expressão facial do Dr. Otávio se tornou mais séria. Aquela notícia o pegou de
surpresa.
— Sinceramente, eu não sei o que
pensar. - disse ele - É realmente algo que eu não esperava...
Otávio
ficou calado por um instante. Ele nunca imaginara que nessa altura da vida
coisas como essas aconteceriam.
— Mas, me diga. Como elas vivem? Você
tem informações sobre a vida dessas meninas?
O
advogado abriu a pasta que carregava e tirou de lá alguns papéis. Pareciam ser
relatórios.
— Bem, a história delas é um pouco complicada, mas
quero que escute isso. Segundo o que foi descoberto, a mãe biológica se
chamava Letícia. Não pudemos descobrir quase nada sobre ela, pois, de acordo
com as pessoas que a conheceram, ela nunca falava sobre sua própria vida.
Letícia faleceu após dar à luz as duas meninas. Logo depois, as gêmeas foram
criadas por uma colega de profissão da mãe delas...
Dr.
Otávio pareceu confuso.
— Colega de profissão?
— Sim. Como eu posso dizer... Letícia
era uma garota de programa.
Dr.
Otávio não acreditava no que ouvira.
— Meu filho envolvido com uma garota
de programa?
— Devo prosseguir? – perguntou o
advogado.
— Claro. Prossiga, por favor.
O
advogado olhou mais uma vez para os papéis em sua mão.
— As duas foram criadas por essa colega,
uma mulher chamada Tânia, e por um homem chamado Rogério, até os 7 anos. Tânia
foi presa por tráfico de drogas. Então, elas foram levadas para outra amiga da
mãe chamada Rebeca, essa era ex-garota de programa, que as criou durante um
ano. Foi quando houve um incidente.
Dr.
Otávio estava tentando digerir todas aquelas informações, quando foi pego pela
pausa, até um pouco dramática, do advogado.
— Que incidente?
Dr.
Tarcísio limpou a garganta e prosseguiu.
— Rebeca foi assassinada. – e
continuando - Eu consegui com um amigo da polícia uma cópia do arquivo da
investigação do caso naquela época, mas segundo o próprio relatório, não havia
suspeitos ou razão para alguém querer matá-la. E como ela era uma ex-prostituta,
eles resolveram arquivar o caso.
— E não houve uma testemunha? Nada?
O
advogado pareceu pensativo.
— Para dizer que não houve... Houve
sim uma. Uma das gêmeas. Ela foi encontrada desmaiada perto do corpo
ensanguentado de Rebeca. Mas, segundo o relatório da polícia, a menina não
podia se lembrar de nada daquele dia. Os médicos associaram a perda de memória
ao trauma psicológico que ela deve ter sofrido. – fez uma pequena pausa - Bem,
depois disso as duas foram para um abrigo, e há dois meses, por já terem
completado 18 anos, vivem por conta própria.
O
olhar do Dr. Otávio parecia muito sério. Ele agora se encontrava de pé junto a
janela de seu escritório que dava para o jardim.
— Elas devem ter sofrido muito. Sendo
jogadas de um lado para o outro... Passando por tantas coisas...
—
O que o senhor pretende fazer?
Otávio
parecia pensativo.
— De um lado eu tenho a opinião
pública... Afinal, essa história é um prato cheio para a mídia. De outro lado, tem
a possibilidade de que essas duas garotas sejam minhas netas de verdade, apesar
de serem filhas de um tipo de mulher que não me agrada.
O
advogado sorriu.
— Parece que o senhor já tomou uma
decisão.
— Você me conhece há algum tempo, meu
caro amigo... Tem razão. Não sei como ou quando... – disse pensativo – Eu preciso
me encontrar com essas meninas.
Dr.
Otávio parecia preocupado. O advogado percebeu isso.
— Parece que algo o preocupa.
Dr.
Otávio olhou para o amigo.
—
Tem razão. Estou pensando na reação da minha família. Não importa como isso
seja dito, alguns deles não vão reagir muito bem. – Otávio olhou para Tarcísio.
– Enquanto isso... Gostaria que me mantivesse informado acerca delas. Não entre em contato com elas ainda, apenas
as observe por um tempo, para me manter atualizado sobre a situação delas.
— Claro, Dr. Otávio, vou mantê-lo
informado sobre tudo.
O
advogado saiu.
Viviane
estava conversando com Verônica no intervalo das aulas. As duas estavam
sentadas em cadeiras da lanchonete da faculdade.
—
Ah, ia esquecendo. – disse Verônica pegando algo dentro da bolsa. – O seu
livro. Ajudou muito na cadeira que estou fazendo agora.
Vivi
pegou o livro e guardou.
—
Mas, me diz uma coisa... – disse Verônica curiosa. – E aquela carta daquele
dia?
—
Ah... A carta? Eu entreguei para o vovô.
—
E?
—
E nada.
Verônica
parecia surpresa.
—
E você não perguntou a ele o que era? – perguntou boquiaberta. – Nem parece
você.
—
Você acha que eu não perguntei?
—
E ele?
—
Nada.
—
Que estranho...
Viviane
assoprou. Verônica percebeu que ela estava de mau humor.
—
O meu avô anda muito estranho ultimamente... – disse Viviane, semicerrando os
olhos. – Alguma coisa está acontecendo, eu tenho certeza...
Verônica
tomou um pouco de suco.
—
Você acha que aquela carta era de alguma antiga namorada?
Vivi
quase pulou da cadeira.
—
Você está maluca?
Verônica
se assustou com a reação da amiga.
—
Ai, por quê?
Viviane
olhou para a Verônica um pouco irritada.
—
O meu avô não está mais na idade de romance, Verônica. E além do mais, eu não
ia permitir isso.
—
Ué? Por quê? Você não acha que o seu avô merece ser feliz também?
—
Não é isso. É só que eu não quero ter que dividir o amor do meu avô com outra
pessoa. Você sabe que ele além de meu avô, ele é meu pai, meu irmão, minha mãe.
Eu não vou deixar que ninguém me tire isso.
—
Ai, Vivi. Falando assim até parece uma pessoa totalmente possessiva. Ainda bem
que sou sua amiga, né? Mas, vamos mudar de assunto, sim? Está rolando um boato
de que você ficou com alguém naquela festa. Por que não me disse nada?
— Que festa?
— A festa da Yasmim há três semanas atrás.
Viviane
riu.
—
Não é verdade, as pessoas falam muito. – e falando como para si mesma. – Aquilo não foi nada...
Verônica
arregalou os olhos.
—
Aquilo o quê?
—
Nada. Você não ouviu? – e mudando de assunto. – Mas, me diz uma coisa, eu
também ouvi alguns boatos por aí.
Verônica
olhou para Viviane confusa.
—
Que boatos?
Viviane
olhou para os lados se certificando que ninguém estava prestando atenção nas
duas.
—
Sobre o seu irmão.
—
O Fabrício?
—
Quem mais, você tem algum outro irmão que eu não saiba?
Verônica
ficou séria de repente.
—
Ah...
—
É verdade? – perguntou Vivi curiosa.
—
Eu não sei... Mas, outro dia, ele chegou em casa quase 4 da manhã. Parecia que
tinha se envolvido em alguma briga. Eu não sei o que está acontecendo com ele,
mas se o nosso pai descobrir...
Viviane
percebeu que Verônica estava mais preocupada com o irmão do que com a reação do
pai.
Emanuela
chegou em casa um pouco cansada. Acordar muito cedo todos os dias a estava deixando
bastante sobrecarregada. Logo ao chegar, uma vizinha, dona Heloísa a chamou.
—
Olá, dona Helô. – disse se aproximando da senhora - Tudo bem com a senhora?
—
Olá, querida... Você está chegando agora?
—
Sim. Mas o que a senhora queria comigo?
Dona
Helô era uma senhora nos seus 50 anos, e era conhecida por ser a maior
fofoqueira do bairro. Quando Emanuela se aproximou, a vizinha olhou para os
lados se certificando de que ninguém estava ouvindo a conversa.
—
Eu não te contei, mas há alguns dias, veio um homem e perguntou por vocês...
Ele não parecia ser um conhecido.
Emanuela
tentou disfarçar sua preocupação.
—
E o que ele queria? - perguntou Emanuela um pouco preocupada.
—
Eu não sei. Mas fez perguntas estranhas. Ele sabia que vocês vieram do
orfanato... Perguntou também onde vocês trabalhavam...
—
E a senhora respondeu?
—
Não. Eu não confio em qualquer pessoa. Mas quero que vocês tomem cuidado. Vocês
moram sozinhas... Bem, qualquer coisa é só pedir minha ajuda.
Manu
sorriu.
—
Muito obrigada, dona Helô. Mas não precisa se preocupar tanto... A senhora já
tem tantos problemas. Eu me sinto mal por ser um incômodo.
Dona
Heloísa sorriu.
—
De maneira alguma. Mesmo que eu conheça vocês há pouco tempo, eu me preocupo muito.
Nesse
momento, Mariana também chegou. Ela vinha da casa de Dona Francinete, a
locatária da casa das duas.
—
Oi, Manu! Você me parece tão cansada!- disse Mariana olhando para a irmã, e
falando com Dona Heloísa - Olá, dona Helô!
—
Oi minha filha, como vai? Cheguei quase agora também do trabalho. E você está
vindo da onde?
Mariana
suspirou.
—
Fui ajudar a dona Francinete, já que a filha dela tem me ajudado com os
estudos...
Dona
Helô se preparou para entrar em casa.
—
Bem, eu vou entrando. Daqui a pouco a Vanessa também chega do estágio. Aquela
menina chega com uma fome que vou te contar.
As
meninas riram enquanto viram Dona Heloísa entrando em casa. De repente, Emanuela
ficou um pouco mais séria.
—
Você sabe o que a dona Helô falou?
—
Sei. Toda vizinhança está falando a mesma coisa.
Emanuela
olhou para a irmã.
—
Fico preocupada com você ficando sozinha em casa...
—
Não se preocupe tanto. Eu também não fico o dia todo em casa. Dou minhas aulas
de reforço.
As
duas começaram a andar em direção ao portão da casa onde moravam. Emanuela
ficou calada de repente. Ficou pensando como as duas haviam passado por momentos
difíceis. Às vezes, desejava que tudo fosse diferente.
Mariana
pareceu adivinhar o pensamento da irmã.
—
Vai ficar tudo bem!
Emanuela
sorriu.
— Eu sei. Só estava pensando em tudo o que a gente
passou.
Mariana olhou para a irmã.
— Às
vezes, eu também fico pensando besteiras...
—
Besteiras?
Mariana
sorriu.
—
Besteiras do tipo "e se". E se
nossa mãe não tivesse morrido, e se
conhecêssemos nosso pai... Mas, eu afasto esses pensamentos. E penso que
enquanto estivermos juntas vai estar tudo bem. Acho que a vida é muito curta
para a gente ficar desperdiçando com pensamentos desse tipo.
—
É bem como você disse... – disse Emanuela distante - A gente combinou sorrir
não importa o que aconteça, né?
Mariana
riu alto.
—
O que foi?
—
Desculpa, é que por um momento fiquei em crise de identidade. Você falou como
se fosse eu. Então, eu pensei que se você sou eu, e eu sou você... Então, eu
não estava sendo eu, que é você, o tempo todo!
Emanuela
olhou para a irmã e sorriu.
—
Às vezes, eu tenho esses tipos de pensamento também...
—
Sobre o quê? Em você ser eu e eu ser você? – perguntou Mariana curiosa.
—
Não. Às vezes, eu penso que você não existe. Que é fruto da minha imaginação.
Mariana
caiu na gargalhada.
—
Mari, você não é normal! – disse Emanuela tentando não rir.
—
Quem disse que tem que ser normal para ser feliz, hein?
Emanuela
tentou ficar séria.
—
Você estudou hoje?
Mariana
fez um gesto afirmativo com a cabeça.
—
Tem certeza? – perguntou a irmã inquiridora.
Mariana
fez um muxoxo.
— É
claro que estudei, né? Você não acredita na minha palavra?
De
repente, Emanuela começou a rir.
—
Ué? O que foi agora? – perguntou Mariana não entendendo a risada da irmã.
—
Nada. Eu só pensei que se você passar no vestibular, eu deixo você ir para a
Coréia!
— É sério? Oppa Gangnam Style! – disse imitando a
coreografia tão conhecida.
Emanuela
não se aguentou e caiu na gargalhada.
As
duas riram. Não sabiam o porquê de tanta alegria, mas sabiam que enquanto
tivessem uma a outra tudo estaria bem.
No dia seguinte, pela manhã, Viviane foi
chamada pelo avô assim que se aprontou para ir à faculdade.
Logo
que entrou no escritório do avô, Viviane viu o quanto ele estava ocupado.
— Bom dia, vovô! A minha mãe disse que o senhor
queria falar comigo. Sobre o que é?
Dr.
Otávio que já estava sentado na poltrona não respondeu. Estava muito
concentrado no que estava fazendo.
— Vovô! - insistiu Viviane.
Otávio
pareceu acordar de repente. E se sentiu menos pressionado ao ver o rosto
sorridente da neta.
— Bom dia, Vivi. Como vai a minha neta preferida?
Viviane
sorriu.
— Assim não vale! Esqueceu que sou sua única neta?
Otávio
ficou um pouco sério. Havia pensado muito sobre como diria a família sobre o
conteúdo da carta.
— Viviane, eu tenho um assunto delicado para
conversar com a família, você poderia pedir para que todos se reunissem? Você
pode ver como está a agenda de todos? Assim posso conversar com eles.
— Posso... Mas, do que se trata? Não pode me
adiantar alguma coisa?
Otávio parece indeciso por um momento.
— Não. É melhor quando todos estiverem reunidos.
Viviane
ficou preocupada. A última vez que o vira sério daquele jeito foi quando o
casamento de Fabiano havia sido cancelado.
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