quarta-feira, 6 de março de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 26 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXVI

DUAS VELHAS RAPOSAS SE ENFRENTAM

Quando Ubaldo, o detetive, apareceu no aposento do hotel Gardênia Azul, Afonso, o malandro, achou ser o momento indicado para desaparecer dali a toda velocidade.
Saiu ao patamar e desceu as escadas precipitadamente, subiu à charrete que deixara perto do prédio e fustigou o cavalo, tratando de distanciar-se o mais rápido possível.
Mais de uma vez verificou que não estava sendo perseguido. Respirou aliviado, esfregando as mãos de satisfação, após soltar por um instante as rédeas, persuadido de que, mais uma vez, sua boa sorte não o abandonava. Escapulira antes que Ubaldo Duroi o prendesse. Sua noiva de outro tempo, Denise, estava agora brilhando como esposa exemplar diante dos olhos de seu marido, o barão Luís Paulo.
Em suma, liberdade e dinheiro iam continuar a ser com ele. O dinheiro graúdo de explorar Denise e seus segredos. 
É verdade que, de agora em diante, ele deveria proceder com a máxima discrição, pois não era possível sacrificar uma segunda vez à Maria "Flor de Amor" para salvar a filha da marquesa Renata.
Coisa tão estranha... Por que razão aquela linda e virtuosa jovem tomara para si as culpas de Denise?
- É para mim um verdadeiro mistério - murmurou entre dentes Afonso Houdin - a abnegada conduta dessa moça, será heroísmo ou interesse apenas? Terá sido comprada por Denise com a promessa de milhões?
Sempre sem deter-se, ao trote largo do cavalo que tirara da charrete, Afonso saiu de Nova Orleans, enveredando pela estrada de Saint-Germain, pequena cidade de veraneio, situada a curta distância da capital da Louisiana.
No inverno, aquela cidadezinha achava-se quase deserta. Sem muito esforçar-se, Afonso conseguiu hospedagem no chalé de uma senhora, que tinha a casa sem hóspede algum.
- Duroi nunca pensará em procurar-me neste rincão do mundo. Ele deve imaginar-me oculto no bairro boêmio de Nova Orleans, onde moram aqueles que têm conta a pagar com a justiça.
No chalé, havia uma cavalariça. Na charrete, guardaria disfarces que lhe permitiriam andar por Nova Orleans sem ser reconhecido pela polícia e muito menos por Ubaldo Duroi, autêntico sabujo.
Num lugar deserto do bosque, Afonso trocava de indumentária e colocava barba e peruca postiças. Ficava irreconhecível, de tal maneira, que ao apresentar-se no palácio do barão Luís Paulo, perguntando por Rosane, esta nem lhe reconheceu.
- Sou Afonso - sibilou para a camareira - e preciso de um favor seu... Que entregue esta carta, sem que ninguém tome conhecimento dela, à sua senhora, a baronesinha e escute com atenção, se você me servir bem, terá boas gorjetas. Mas qualquer traição ou indiscrição, eu a castigarei com a ponta da faca.
- Gosto de gorjetas, mas não de ameaças - respondeu Rosane, um tanto trêmula, sentindo cravados nela os olhos de fogo do bandido.
- Boneca, até que você é bonitinha! Na sua primeira folga, vou levá-la ao baile de Mabille.
- Mas, não com essa peruca, nem com essa barba - replicou Rosane, libertando-se de seu pavor.
- Está bem, minha bela. Virei buscá-la com meu másculo rosto apenas encoberto pela aba do chapéu. Agora, o que interessa é que você entregue o bilhete a Denise sem ser vista por ninguém. E que receba dela a resposta que eu preciso.
Tudo aconteceu como o malandro desejava. A resposta estava de acordo com o pedido de Afonso. Denise não lhe mandava dinheiro vivo, mas sim uma letra de câmbio ao portador, para ser cobrada na loja do banqueiro Soliman Jernessy, cem mil francos, bela quantia para dar início a uma segunda etapa de exploração da baronesinha Denise!
A letra de câmbio estava assinada por ela. Denise, sem dúvida, compreendia que o homem que foi seu primeiro amor, perseguido pela justiça, precisava mais que nunca de ser ajudado.
"E fora essa razão", pensava Afonso, “existia uma ainda mais poderosa: o segredo! Um segredo que valia milhões”.
Ele sabia o que todos ignoravam, que Denise não era filha do conde Fernando, que era apenas fruto de um deslize da marquesa Renata.
Os milhões que Denise devia herdar, ele podia fazer em um instante desvanecê-los como bolhas de sabão.  Ou a baronesinha se comportava bem com ele... ou o conde Fernando e o barão Luís Paulo acabariam sabendo que a bela e mimada Denise era apenas uma impostora!
O que Afonso Houdin ignorava é que Denise tinha achado seu verdadeiro pai. A marquesa Renata, sua mãe, nunca lhe revelara o nome dele. Sabia que seu falso pai era o conde Fernando. Mas... Quem era o verdadeiro autor de seus dias?
Satisfeita com o fato de ter um falso pai multimilionário, Denise nunca se preocupou em fazer indagações para esclarecer aquele mistério.
Foi preciso o pequeno drama acontecido no hotel Gardênia Azul para que Denise soubesse que seu genitor era aquele detetive, que sempre lhe foi tão antipático.
Ubaldo apresentou-se de chofre no dia seguinte ao da ocorrência no palácio do barão.
Luís Paulo não estava em casa. O detetive pediu para falar com a baronesinha, esta, um tanto estranhada e temerosa de que Ubaldo a quisesse fazer vítima de alguma outra chantagem, acedeu a recebê-lo.
Ubaldo Duroi penetrou na saleta onde Denise o aguardava e abrindo seus compridos braços, gritou melodramaticamente:
- Venha aos meus braços, filha querida! Denise olhou para ele, dominada pela suspeita de que o detetive tivesse enlouquecido. Mas este não tardou em demonstrar-lhe que estava bem, muito bem!
- Você é a flor que nasceu de meu romântico idílio com a marquesa Renata. Sim, ela, de tão ilustre nobreza, amou este humilde plebeu! Ela mesma lhe confirmará que você é minha filha... Apesar de que isto deverá ser um segredo bem guardado por nós três.
Esta última frase do detetive serviu para desvanecer o alarma, o pavor que no íntimo de seu ser dominava Denise. Que coisa horrível, deixar de ser filha do opulento conde Fernando, para tornar-se filha daquele pé-rapado de detetive particular!
- Sim - prosseguiu Ubaldo Duroi - eu serei seu pai a portas fechadas, como agora, sem que ninguém possa ver nossas ternas efusões nem ouvir as palavras que, ditadas pelo coração, trocaremos em nossos diálogos.
- Certo - apressou-se a responder Denise. - Se agora se descobrir que não sou filha do conde Fernando, eu teria que voltar a ser pobre, coisa que tanto detesto. E é certo que, sabendo-me plebeia, meu marido, o barão Luís Paulo pediria divórcio.
- Eu não consentirei que ninguém arruíne a felicidade de minha filha tão querida! - afirmou Ubaldo em tom agressivo. E acrescentou: - sua mãe, a marquesa Renata, sabe que pagaria com a vida qualquer indiscrição.
- Então... Nada temos a temer - observou a baronesinha, deixando escapar um suspiro de alívio.
- Antes que você se deixe dominar pelo otimismo, responda a uma pergunta, filha querida - pediu Ubaldo. - Afonso Houdin, esse patife, por acaso sabe que você não é filha do conde Fernando?
- Oh, sim, meu pai... Ele sabe! Esse maldito, numa hora de amor e confiança, arrancou-me esse segredo! - retrucou toda aflita Denise.
- Maldição! - proferiu o detetive. - Como você pôde ser tão desmiolada, minha filha? Confiar um segredo que vale milhões a um canalha como Afonso!
- Tem razão, meu pai - respondeu compungida Denise. - Minha única desculpa é que então eu era muito jovem e me achava apaixonada por esse vagabundo!
- Agora você já não o ama? - perguntou Ubaldo.
- Amá-lo?! Eu? O que eu queria é vê-lo morto!
- Você terá essa satisfação - prometeu o detetive. - Para que você não viva inquieta, preocupada, não há coisa melhor que eliminar Afonso Houdin. É um malfeitor e sendo liquidado por mim é um trabalho que economizo ao carrasco.
Até aqui reproduzimos boa parte da primeira conversa confidencial que tiveram Denise e Ubaldo Duroi.

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