O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
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CAPÍTULOS
Segunda
Parte - Capítulo XXVIII
AMIZADE
LEAL
Após
sua chegada a Londres, Maria "Flor de Amor" e Clara Villiers
hospedaram-se na "Rose de France", modesta hospedaria do bairro de
Lambeth, um dos mais pobres da grande capital inglesa.
A
única preocupação das duas jovens era conseguir trabalho, um emprego que lhes
permitisse ganhar o necessário para seu sustento.
Clara
falava com bastante fluência a língua inglesa, enquanto que Maria "Flor de
Amor" tinha apenas rudimentares noções desse idioma.
A
leitura dos anúncios nos jornais era a primeira coisa que as duas jovens faziam
pela manhã bem cedo. Clara não queria empregar-se enquanto "Maria Flor de
Amor" não tivesse achado um trabalho que prestasse para ela.
Mas
a dificuldade com Maria "Flor de Amor" consistia em seu quase total
desconhecimento do idioma inglês.
Após
diversas tentativas, Maria "Flor de Amor" conseguiu ser admitida num
atelier de costura, de uma inglesa que fingia ser francesa, para atrair
clientes que davam preferência às modas de Paris. Se alguma freguesa que
falasse francês aparecesse por ali, seria Maria "Flor de Amor" quem
conversaria com ela.
Nessa
época, a jornada de trabalho era de doze extenuantes horas, que Maria
"Flor de Amor" tinha que passar com as costas curvadas, costurando a
mão, vestidos e até capas de pele. Madame Filomena era uma pessoa exigente,
sempre de olhos postos nos que trabalhavam para ela, pronta a repreender quem
por um momento apenas deixasse de produzir.
Clara
Villiers teve mais sorte para empregar-se. Foi admitida como balconista numa
perfumaria, por saber falar tanto a língua inglesa quanto a francesa. Naquela
loja, o trabalho era suportável e o dono era pessoa compreensiva, sem o egoísmo
sanguessuga de madame Filomena. Clara, sabendo das péssimas condições em que
Maria "Flor de Amor" trabalhava, lia com sofreguidão todas as manhãs
os anúncios que, oferecendo empregos, publicavam os grandes jornais de Londres.
Enquanto
Maria "Flor de Amor" padecia durante doze horas diárias as constantes
exigências da desapiedada modista a cujo serviço estava, longe da Inglaterra,
precisamente em Nova Orleans, dois homens a procuravam sem parar.
Um
deles era o barão Luís Paulo de Rastignac, aquele que nunca deixara de amá-la,
o outro, o conde Fernando de Chanteloup, seu pai.
Ela
nascera daquela paixão que ele dedicara a Marta Aubert, de quem de uma forma
tão infame fora separado pela perversa marquesa Renata.
Mas,
todas as buscas e investigações que o conde e o barão realizavam de nada
serviam, não conseguiam descobrir a mais leve pista que os permitisse encontrar
a desaparecida Maria "Flor de Amor".
Passavam-se
os dias e tanto Fernando como Luís Paulo se desesperavam, porque nem eles nem
as agências de detetives a que recorreram obtinham o menor resultado. Ninguém
sabia nada a respeito de Maria "Flor de Amor".
Desde
logo, eles não recorreram a Ubaldo Duroi. Agora estavam persuadidos de que o
maquiavélico detetive era um sujeito imoral, um intrigante - como o próprio
policial não tardou em confirmar pouco depois.
Nesse
meio tempo o conde Fernando recebeu a notícia de que seu tio, o conde Oswald
Robertson, estava doente gravemente, em Londres e não queria morrer sem dar um
último abraço no sobrinho, que era também seu afilhado.
O
conde Robertson, viúvo sem filhos, tinha apenas um parente: o conde Fernando
Chanteloup. Este não podia deixar de ir ver o nobre e velho aristocrata, que
sempre lhe professou grande afeto.
Morava
em Londres o conde Robertson num castelo suntuoso, como lhe correspondia por
ser ele um dos homens mais ricos da Inglaterra.
Acamado,
percebendo que o fim de sua vida estava muito próximo, Lord Robertson não
cessava de perguntar aos seus criados:
-
Meu afilhado, o conde Fernando, ainda não chegou?
No
embarcadouro de Nova Orleans, Luís Paulo e Fernando se despediram. O jovem
ficou encarregado de prosseguir as exaustivas investigações para descobrir o
paradeiro de Maria "Flor de Amor".
Quando
o conde Fernando chegou ao castelo de seu tio, o conde Robertson, achou este
ainda com vida. O velho abraçou-o, molhando com lágrimas o rosto de Fernando,
que o beijou com emoção filial. Depois, o velho aristocrata falou-lhe a
respeito de seu testamento, feito poucos dias antes.
-
Você é meu herdeiro universal. Quero que uma parte considerável de minha grande
fortuna, mais de cem milhões de libras esterlinas, você a empregue na fundação de
creches, onde as mães que têm de trabalhar fora de casa, deixem suas crianças
ao cuidado de professoras, babás e enfermeiras. Os bairros pobres de Londres
estão precisando muito de creches.
Fernando
de Chanteloup prometeu a seu tio que suas últimas vontades seriam cumpridas à
risca.
Três
dias mais tarde, o conde Robertson agonizava, morrendo nos braços do sobrinho
que iria suceder-lhe nos títulos e na posse de uma das maiores fortunas da
Inglaterra.
Após
os funerais, quando o conde deveria começar a ocupar-se dos múltiplos bens
herdados e levar a efeito as obras beneficentes que o conde Robertson queria
que fossem criadas como grata lembrança de sua passagem por este mundo, Fernando
falou com o mordomo:
-
Preciso do auxílio de alguém que, além do inglês, fale também francês
perfeitamente. Quero empregar uma secretária que reúna essas duas qualidades.
Sei que não é fácil, mas poderá conseguir, sobretudo oferecendo-lhe um ordenado
atraente: quinhentas libras esterlinas, por exemplo.
-
Quinhentas libras! - repetiu o mordomo, atônito. - Ótimo salário! Quem pegar
esse emprego poderá considerar-se uma felizarda.
O
anúncio foi publicado nos dois mais importantes jornais londrinos. E foi lido
por Clara Villiers.
-
Que ótimo emprego para Maria "Flor de Amor" - murmurou generosamente
no primeiro instante. Mas logo se lembrou do exíguo que era o inglês da amiga e
suspirou acrescentando: - Não seria admitida. Ela não sabe escrever em inglês.
Mas
em seguida disse para si mesma: - Quinhentas libras! Ganho apenas setenta como
balconista.
E
se eu tentasse conseguir para mim esse atraente emprego? Valeu-se de um
pretexto para abandonar seu posto na perfumaria durante umas horas e
apresentou-se no castelo.
O
conde Fernando acolheu-a afavelmente e apenas conversaram uns minutos. Fez uma
prova de redação em francês e em inglês e foi admitida.
-
Desejo que a senhora - disse-lhe o nobre - permaneça dia e noite no castelo.
Assim, além do ordenado, terá casa e alimentação e eu poderei requerer seus
serviços a qualquer momento.
Clara
concordou e ficou de tomar posse do emprego no dia seguinte.
Aquela
noite ela e Maria jantaram juntas. "Flor de Amor" estava emagrecida e
muito pálida. As doze horas de trabalho diários sob o olhar implacável de
madame Filomena estavam murchando-a. Desaparecera a cor rosada de suas faces
por completo e em seus belos olhos apareciam a tristeza de uma alma que perdeu
por completo a esperança.
-
Garota! - disse Clara, observando Maria "Flor de Amor" - Você está
doente?
-
Não, mas com a vida que levo naquele atelier infame, não tardarei em estar! -
retorquiu Maria "Flor de Amor".
-
Isso não vai durar, minha querida. Ainda não lhe contei que consegui um novo
emprego. Passei da perfumaria para o castelo do conde Robertson, e sabe com que
ordenado? Quinhentas libras mensais!
-
Quinhentas libras! - repetiu toda admirada Maria "Flor de Amor" - E
qual vai ser o seu trabalho nesse castelo?
-
Secretária do conde Robertson, que fala francês fluentemente.
Ele
precisava de uma secretária que dominasse os dois idiomas. Apresentei-me a ele
e fui aceita. E digo mais: vou fazer com que você seja também admitida naquele
castelo. Não demorará em poder mandar para o inferno a rabugenta madame
Filomena, minha querida Maria "Flor de Amor".
E
Clara não tardou em cumprir a promessa que fizera a sua amiga, continuando
assim a ajudarem-se mutuamente. Felizmente, o mordomo estava precisando de uma
costureira que soubesse consertar as librés do numeroso pessoal que servia ao
castelo. E assim, pois, aquele homem que, além de ser mordomo, chefiava os
demais empregados, admitiu sem dificuldades à Maria "Flor de Amor",
claro que com um salário bem mais magro que o de Clara. Oitenta libras mensais,
com direito a comida e aposento. Deste modo, Maria "Flor de Amor",
empregada no castelo, onde tratava de cumprir a risca o seu dever para que o
mordomo não a mandasse embora, estava bem perto do homem que tão afanosamente a
procurara em Nova Orleans.
E
por um capricho do destino, ela desempenhava o mais humilde dos empregos num
opulento castelo, que pertencia a seu pai e que por lei de herança, ela deveria
herdar!
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