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CAPÍTULO – A desconhecida
Passada
uma semana, o Dr. Otávio mandou chamar o advogado da família. Assim que o Dr.
Tarcísio chegou foi encaminhado pela empregada para o escritório onde o Dr.
Otávio esperava ansiosamente. O advogado já estava acostumado a ser chamado de
repente, visto que Otávio, mais que um advogado, o considerava um amigo. Apesar
de ir muitas vezes aquela casa, o requinte e a elegância da mobília e decoração
sempre lhe concediam um espanto prazeroso. Geralmente, ele não tinha
oportunidade de olhar a casa por inteiro, pois normalmente era logo chamado ao
escritório do seu cliente.
Depois
de pedir para que sentasse em uma cadeira confortável junto à escrivaninha, o
Dr. Otávio entregou ao advogado uma carta que parecia ter um aspecto de muito
tempo, pois se percebia que tinha uma cor amarelada.
—
O que é isso? - perguntou o advogado com um olhar confuso.
O
Dr. Otávio parecia muito sério.
—
Leia o senhor mesmo, se eu lhe contar é possível que não acredite. Tenho
certeza que ficará surpreso tanto quanto eu...
O
advogado se pôs a ler a carta. Logo que terminou, a sua expressão facial havia
mudado. Não tinha como expressar por palavras o que estava sentindo.
—
Essa carta... – disse ele pausadamente. - Ela é verdadeira? - perguntou com
ansiedade na voz.
O
Dr. Otávio acenou afirmativamente com a cabeça.
—
Infelizmente. Muito antes de chamar você, eu pedi para que alguns especialistas
averiguassem a autenticidade do documento e eles afirmaram que, de fato, essa
carta condiz com a data mencionada. – e suspirando- É meu querido amigo... Essa
carta foi escrita há 18 anos, exatamente como a data que está aí.
—
Mas como o senhor a encontrou? Quer dizer, essa carta esteve escondida esse
tempo todo? É realmente inacreditável... Eu nunca imaginei que algo assim
aconteceria na vida real.
O
Dr. Otávio suspirou e pensou que ele teve a mesma reação quando leu aquela
carta pela primeira vez.
—
Eu sei. Mas como você pode ver, ela foi aberta há pouco tempo e por mim. Quem a
encontrou foi minha neta.
Inacreditavelmente, ela encontrou em um livro que havia deixado nas
coisas do pai...
O
advogado parecia pensativo.
—
Esse livro era usado com muita frequência?
Otávio
olhou para o advogado.
—
Eu fiz essa mesma pergunta para Viviane... E segundo ela, esse livro não era
usado há aproximadamente seis meses. Durante esse tempo, qualquer um poderia
ter colocado essa carta lá.
Tarcísio
olhou para o amigo pensativo.
—
O senhor desconfia que alguém de sua família tenha mantido essa carta em
segredo? Bem, felizmente ou infelizmente, temos um número limitado de moradores
na mansão...
O
Dr. Otávio olhou para o advogado e balançou de leve a cabeça negativamente.
—
Felizmente ou infelizmente, Dr. Tarcísio, esse livro não foi usado desde antes
da festa de confraternização que houve na mansão.
O
advogado estava pensativo.
—
Então, isso significa que não só os seus parentes mais próximos, mas familiares
mais distantes e amigos... Todos eles são suspeitos.
Otávio
estava sério.
—
Eu não usaria o termo suspeito... No entanto, eu realmente gostaria de saber
quem manteve isso em segredo e porque só agora resolveu revelar... E,
principalmente, o que essa pessoa ganharia com isso.
O
advogado pegou a carta novamente.
—
Apesar de tudo, Dr. Otávio, o que me intriga mais é o conteúdo dessa carta...
—
E a mim também. – disse Dr. Otávio sério. – Na verdade eu ainda não consigo
acreditar nisso. Como o senhor pode ler, essa carta afirma explicitamente que
existe um neto ou neta meu em algum lugar. Descendente do meu falecido filho
Jorge.
—
E o que o senhor pretende fazer? – perguntou o advogado um pouco curioso.
Otávio
se levantou de onde estava sentado e olhou pela janela atrás de sua poltrona.
—
Foi por isso que entrei em contato com o senhor. Gostaria de pedir algo que
está além de suas funções como advogado. – virou-se e olhou para Dr. Tarcísio.
– Gostaria que o senhor se encarregasse das investigações para descobrir o
atual paradeiro dessa criança... O senhor pode contratar quantas pessoas o
senhor quiser para que possam lhe ajudar.
—
Claro, Dr. Otávio.
O
advogado se pôs de pé para sair.
—
Só uma coisa, Dr. Tarcísio... Conto com sua total discrição. Isso seria um
prato cheio para a mídia. Eu não sei se posso medir as consequências dessa
informação e se teria algum impacto no Grupo Demontieux.
—
Com certeza. – disse o advogado saindo.
No
caminho para a porta da entrada principal, o advogado encontrou-se com a neta
de Otávio.
—
Bom dia, Dr. Tarcísio! Tão cedo por aqui! Não quer ficar para o café da manhã?
—
Bom dia, srta. Viviane. Aceite minhas desculpas... Realmente não há condições
de eu ficar. Quem sabe outro dia?
—
Tudo bem, desculpas aceitas. - respondeu sorrindo. - Mas, por favor, não me
chame de senhorita. Estamos no século XXI e eu sou uma jovem nos meus quase 18
anos... Esse tipo de linguagem é... Como eu posso dizer? Muito antiquado para a
nossa época. Apesar de que para a sua época é adequado... Me chame apenas de
Viviane ou Vivi, se quiser...
O
advogado sorriu deixando, sem querer, transparecer um pouco de constrangimento.
Gabriele, mãe de Viviane, estava chegando quando viu o advogado naquela
situação.
—
Bom dia, Dr. Tarcísio - cumprimentou Gabriele suspirando - Não se importe com a
minha filha... - e com um olhar de repreensão para a filha. - O senhor a
conhece, sempre tão imatura...
Tarcísio
tentou não parecer tão constrangido para não trazer mal estar a Gabriele.
—
Não se preocupe Sra. Gabriele. Eu entendo. De qualquer forma, agradeço a
srta... Digo... Viviane, pelo convite.
O
advogado foi acompanhado pela empregada para a saída.
Gabriele
aproveitou o momento para repreender a filha.
—
Acho que você não deveria responder dessa maneira, Vivi. Ele estava apenas
sendo educado, como você deveria ser.
Viviane
olhou a mãe e sorriu de forma desdenhosa.
—
Ah, por favor... A senhora vai dar uma de mãe agora?
Gabriele
olhou para sua filha, tentando ser paciente.
—
Viviane, quer você queira ou não, eu sou sua mãe e tenho o dever de educá-la. E
você deve me respeitar.
Viviane
olhou séria para a mãe. Seu olhar demonstrava uma mágoa profunda.
—
Claro, mãe. No entanto, seria mais fácil cumprir o meu dever, se você tivesse
cumprido o seu primeiro. Agora, se a senhora me der licença, eu tenho que ir
para a faculdade.
Gabriele
olhou um pouco triste para a filha que saía.
Emanuela
mais uma vez havia acordado muito cedo, por essa razão, quando chegou à
lanchonete onde trabalhava as portas ainda estavam fechadas. Enquanto ela
estava esperando, percebeu ao longe Tatiana se aproximando. Logo quando chegou,
Tatiana, já veio com os seus comentários tão conhecidos.
—
Caiu da cama de novo, amiga? – e falando um pouco mais baixo – Não me diga que
sua irmã teve mais um daqueles pesadelos...
Emanuela
sorriu.
—
Não, dessa vez eu mesma quis acordar mais cedo. Apesar de que, ultimamente, ela
não tem dormido muito bem...
Tatiana
abriu a entrada principal da lanchonete e foi entrando, seguida de Emanuela.
—
Sabe o que eu acho? Eu acho que a sua irmã pode, sei lá, estar começando a se
lembrar. Você não pensa assim? – disse, sentando-se em uma cadeira.
Emanuela
ficou calada de repente.
—
Manu, você não pensa assim? – perguntou Tatiana, olhando para a amiga.
—
Quem sabe... – respondeu ela, acordando dos seus pensamentos. – Eu só acho que
certas coisas bem que deveriam ficar esquecidas.
Tatiana
sentou-se em uma cadeira próxima a uma das mesas.
—
Você tem medo do que ela possa lembrar? - perguntou Tatiana curiosa.
Emanuela
suspirou.
—
Ela não viu uma coisa boa, disso eu tenho certeza. – disse, se sentando em
outra cadeira próxima à amiga.
Tatiana
pareceu saber do que Emanuela se referia.
—
Ah... Você está falando do fato de que sua irmã foi encontrada no quarto onde
sua mãe foi assassinada...
Emanuela
ficou quieta novamente. Tatiana percebeu que havia falado algo que não deveria.
—
Desculpa, acho que ando falando demais. Afinal, eu fiz você se lembrar de algo
ruim... – e batendo na própria boca. – Eu e minha boca grande.
Emanuela
sorriu um pouco distante.
—
Não se preocupe. Independente de você
falar ou não... Eu sempre vou me lembrar
disso todos os dias da minha vida.
Verônica
chegou da faculdade e perguntou a empregada se o seu irmão estava em casa.
Descobriu que ele estava no quarto.
—
Fabrício... – disse abrindo a porta do quarto.
Fabrício
estava afinando uma guitarra. Ao ver a irmã, teve um pequeno sobressalto.
—
Não sabe mais bater na porta não? – disse ele irritado.
Verônica
sentou-se em uma cadeira próxima ao irmão.
—
Precisamos conversar.
Fabrício
olhou para a irmã e riu com desdém.
—
O que foi agora? Resolveu dar uma de mãe? Você esqueceu que eu sou mais velho
que você?
—
Estou falando sério, Fabrício.
Fabrício
continuou afinando a guitarra.
—
Então, fala logo.
Verônica
suspirou.
—
Eu ouvi dizer que você tem andado com pessoas não muito confiáveis. Isso é
verdade? Dizem até que eles são skinheads...
—
As pessoas falam muito.
Verônica
suspirou novamente.
—
Eu também espero que as pessoas só estejam falando demais. Se o papai souber
disso...
Fabrício
olhou de repente para a irmã.
—
O que tem o nosso pai? – disse irritado.
—
Você sabe que o papai não tem gostado muito do seu comportamento. Se ele souber
que esses boatos estão se espalhando, em quem você acha que ele vai acreditar?
Fabrício
riu desdenhoso.
—
Eu não me importo nem um pouco com o que o nosso pai pensa. Para mim, ele
deixou de ser nosso pai há quase um ano atrás.
Verônica
balançou a cabeça negativamente.
—
Quando você vai parar com isso? Já faz quase um ano que a mamãe morreu... Você
tem 21 anos e ainda se comporta como um adolescente.
Fabrício
pareceu alterado com o comentário da irmã.
—
Eu estou me comportando como um adolescente? Por quê?! Por que eu não concordo
com a maneira como o nosso pai leva a vida dele? Sempre trabalho, trabalho e
trabalho! Ele sempre deu mais valor aquele maldito cargo no Grupo do que a
própria família dele! Ou você não se lembra de quando a nossa mãe morreu?
—
Você não precisa me dizer isso...
—
É... Não preciso, mas parece que você não lembra, não é? A nossa mãe... – disse
ele um pouco emocionado. – A mamãe morreu desejando ver o rosto do papai pela
última vez... E nem isso ele pode atender. Você estava lá. Você viu o sofrimento
dela...
—
É, eu vi... Mas, nem mesmo ela culpou o papai. Você sabe que ele não fez de
propósito. – e emocionada. – Por isso que eu peço que volte a ser o Fabrício de
antes. – disse, saindo em seguida.
Alguns
minutos depois o celular de Fabrício tocou.
"Alô?
– disse atendendo - E aí? Foi marcada uma briga pela internet? Não, não
sabia... Ok, hoje à noite, então."
Aquele
dia passou rápido para o Dr. Fabiano. Ele olhou no relógio e já era quase meia
noite.
Fabiano
Alcântara era o filho mais velho de Otávio Alcântara Demontieux, maior
acionista e Presidente do Grupo Demontieux.
Apesar da fama do pai, não quis atuar na administração dos negócios do
Grupo. Não seria o mais velho se seu irmão Jorge não tivesse morrido em um
acidente há aproximadamente 18 anos atrás. Quando o seu irmão morreu, Fabiano
tinha apenas 17 anos e apesar da insistência do pai para que ele fizesse
Administração, resolveu se formar em Medicina e ajudar no Hospital que também
era da sua família.
Naquele
dia, Fabiano estava de plantão no hospital. Como era cirurgião do setor de
emergência, era de se esperar. Estava pensando nisso, quando um interfone o
chamou.
Logo
foi convocado para a sala de cirurgia, onde uma paciente em estado grave
acabara de dar entrada no hospital.
Enquanto
se preparava junto com outros dois médicos, ele pode saber mais sobre a pessoa
que ia ser operada.
—
Quem é? – perguntou, colocando as luvas.
—
Uma mulher entre vinte e vinte e seis anos, vítima de acidente. Não houve uma
grande fratura externa, mas foi detectado coágulo no cérebro. Não temos muito
tempo. – respondeu o Dr. Eduardo, o
médico que ia dar assistência a Fabiano.
Dr.
Fabiano e os outros dois entraram rapidamente na sala onde a cirurgia iria ser
realizada.
Logo
ao entrar na sala, Fabiano pode ver o rosto da mulher que ia ser operada. Por
um momento, pensou que aquela devia ser a criatura mais linda que já vira.
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