1° CAPÍTULO – A carta
De repente, as imagens se confundiam. Parecia que
ela estava em um lugar escuro. Estava abafado. Podia ouvir a chuva longe. Ouvia
passos, vozes... Não sabia o que diziam. Seriam apenas sussurros?
Sentia-se desconfortável. Que lugar era aquele?
Parecia que por mais que respirasse, o ar simplesmente não entrava em seus
pulmões... Súbito, um tiro.
Mariana acordou de repente. Estava suando. Percebeu que chovia forte. Parecia
que seu coração ia pular para fora. Foi aquele pesadelo de novo. O pesadelo que
a atormentava desde que era ainda criança. Sempre que chovia...
Olhou para o
lado e viu a irmã gêmea Emanuela dormindo. Desceu da cama, saiu do quarto e foi
para a cozinha. Bebeu um pouco de água. Ainda estava tremendo. Voltou para o
quarto. Emanuela acordou com o barulho que a irmã havia provocado ao fechar a
porta.
— O que foi? -
perguntou Emanuela ainda sonolenta à irmã. - Teve um pesadelo de novo?
Mariana
sentou-se na cama e fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Emanuela ligou o abajur próximo a ela e olhou para o despertador. Ainda eram
três da manhã, daqui a uma hora estaria se vestindo para ir ao trabalho, afinal
já tinha 18 anos, e não fazia muito tempo que haviam saído do orfanato. A irmã
continuou sentada na cama em silêncio, parecia um pouco pálida.
— Você está bem?
- perguntou Emanuela ainda preocupada. - Você não tem dormido muito bem
ultimamente...
— Não se
preocupe... - Mariana sorriu, tentando não transparecer a sensação ruim que
tivera com o pesadelo.
Emanuela sabia
que a irmã não estava sendo de todo sincera.
— Está tudo bem
mesmo?
— Sim. Quer
dizer, eu não sei... - disse um pouco confusa. - Esses pesadelos... – e um
pouco mais baixo – Será que podem ser apenas imaginação?
Emanuela sorriu.
Criou coragem e levantou-se da cama.
— Pode ser. Você
tem estudado muito ultimamente. Além de dar aulas particulares. - disse ela -
Tente descansar mais um pouco. Eu vou me arrumar para ir ao trabalho.
Emanuela abriu o
pequeno guarda-roupa para pegar seu uniforme de trabalho.
Mariana pareceu
pensativa.
— Eu... Eu
gostaria de lembrar... - disse olhando para a irmã. - Daquele dia...
Emanuela de
repente estancou. Seu olhar pareceu assustado por um momento, como se estivesse
se lembrando de algo muito ruim, no entanto, logo voltou aos sentidos.
— Não se
preocupe com isso. Já faz muito tempo... – e olhando para a irmã – Acho que
devemos esquecer.
Mariana
concordava em parte com a irmã.
— Tem razão. -
disse ela. - Mas bem que eu queria me lembrar. Eu realmente gostaria de saber o
que aconteceu... Eu fui a única testemunha do que aconteceu e não consigo me
lembrar de nada.
Emanuela achou o
uniforme que procurava.
— Por enquanto,
vamos deixar de lado tudo isso... Com certeza, não depende de nós. - e sorrindo
- Agora eu preciso me arrumar para o trabalho, por que se não a gente não vai
ter dinheiro nem para o aluguel.
— O orfanato não
nos dá uma ajuda de custo?
— É muito
pouco... E eles já fizeram muito em conseguir um emprego para mim. De qualquer
forma, tenho que me arrumar logo.
Mariana ficou um
pouco surpreendida.
— Mas, ainda são
três da madrugada!
— E daí? Eu
aproveito e faço o café da manhã, não faz mal fazer isso de vez em quando.
Emanuela pegou o
uniforme da lanchonete onde trabalhava. Mariana, ainda sentada na cama,
reclamou:
— Eu bem que
poderia conseguir um emprego também! Só dar aulas de reforço não ajuda muito...
Emanuela olhou
para a irmã com o olhar de "o que foi agora?".
— Não foi o que
combinamos. Nós combinamos que você estudaria para entrar em uma universidade e
depois que conseguisse um estágio, eu começaria a estudar... E você disse
também que não iria reclamar.
Mariana
deitou-se de lado olhando para a irmã.
— Você se
comporta como se fosse a responsável por tudo. – e jogando o travesseiro na
irmã – Você se acha muito legal bancando a irmã mais velha! – riu.
Emanuela
sorriu.
— E não sou?! Eu
sou mais velha 5 minutos... Você como sempre, muito atrasada...
— Foi você que
agarrou no meu pé e me puxou para dentro, sabidinha. Você acha que eu não me
lembro, é?
As duas se
olharam e começaram a rir.
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Viviane acordou
cedo. Tinha dormido mal. Não gostava quando chovia tão forte. Levantou-se e
depois de tomar banho e se arrumar, secou os cabelos longos e loiros. Desceu
para tomar o café da manhã. Na sala de jantar, a mãe e o avô, que sempre
acordavam mais cedo que todos na mansão, já estavam terminando.
— Bom dia vovô!
– disse ela, dando um beijo carinhoso no rosto do avô que retribuiu com um
sorriso. – O senhor vai para o escritório? – Pensei que ia trabalhar em casa
hoje...
Dr. Otávio, um
senhor nos seus quase 70 anos, olhou para a neta.
— E você não vai
cumprimentar a sua mãe?
Viviane olhou
para a mãe um pouco fria.
— Ah... Bom dia,
mãe.
— Bom dia, Vivi.
– cumprimentou sorrindo. – Você dormiu bem?
Viviane olhou
para a mãe.
— Perfeitamente.
– e pegando um pedaço de bolo – Agora me diz uma coisa, quando você volta para
a Itália? É que eu fico um pouco desconfortável com pessoas estranhas...
— Viviane. – Dr.
Otávio chamou a atenção da neta.
Ela percebeu o
olhar desaprovador do avô.
— O que foi,
vovô? Não é verdade? Essa mulher passa dois anos fora e em um mês quer que eu a
trate como se fosse da família?
— Viviane, eu
disse para parar com isso.
A garota olhou
para o avô. Pensou em dizer algo, mas se calou. Ao invés disso, se levantou e
saiu sem dizer uma palavra.
Foi para a
biblioteca que tinham na mansão. Antes de ir para a faculdade, lembrou-se que
precisava levar um livro para a amiga Verônica.
— Cadê aquele
livro? – perguntou a si mesma, enquanto procurava nas estantes.
De repente,
lembrou-se da última vez que o viu. Lembrou-se que há um semestre costumava
estudar no quarto de hóspedes onde estavam as coisas do seu falecido pai. Subiu
as escadas e se dirigiu até o quarto. Ao entrar, percebeu que algo estava
diferente. Foi para fora do quarto e gritou por uma das empregadas.
— Rute! Você
mexeu nas coisas do meu pai recentemente?
A empregada apareceu
um pouco assustada.
— Deus que me
livre, ficar mexendo em coisa de morto. Vai que a alma do morto não gosta! Você
mesmo que fica mexendo nesses treco
aí.
— Ai, Rute,
também não precisa ofender os objetos pessoais do meu pai. Eu só perguntei por
que achei estranho, só isso. Afinal já faz uns seis meses que eu não pego em
nada aqui.
Viviane riu,
enquanto via a empregada fazer o sinal da cruz e resmungando enquanto saía. Ela
olhou novamente no quarto, não tinha tempo a perder. De repente, viu o livro
que procurava, pegou-o e saiu rapidamente, já estava atrasada para a aula.
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Emanuela chegara
cedo demais na lanchonete onde trabalhava. Mas não reclamava, pelo menos podia
causar uma boa impressão na chefe. Afinal, fazia pouco tempo que fora
contratada e não fazia mal ter uma imagem de empregada dedicada. Percebeu que
sua colega Tatiana se aproximava.
— Chegou cedo,
hein!
— Claro! – disse
rindo – É preciso impressionar, não é? Afinal, é meu primeiro emprego.
Tatiana
suspirou.
— Você tem
sorte, garota. Foi muito difícil para eu conseguir o meu primeiro emprego. Mas,
você teve a ajuda do orfanato onde você estava. Mas, mudando de assunto, você não
tem curiosidade de saber quem é seu pai biológico?
Emanuela pareceu
surpresa.
— Por que a
pergunta tão de repente?
— Eu não sei...
Eu só pensei que se fosse eu, teria curiosidade. – e olhando para a amiga
intrigada – Imagina se seu pai fosse um homem rico? Você nem precisaria
trabalhar...
Manu riu.
— Você não está
assistindo novelas demais, não?
Tatiana sorriu.
— Ah, só pensei... Você nunca teve
essa curiosidade de conhecer seus pais biológicos? Hoje em dia tem tantos meios
de você procurar.
Emanuela sorriu,
não podia explicar que era quase impossível encontrar seu pai biológico.
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A Faculdade Katharine
Barros, era a faculdade mais cara e mais elitizada do país. Apenas os mais
ricos tinham o privilégio de estudar nessa faculdade. André também era um
desses privilegiados.
André chegou à
faculdade e percebeu que seu amigo Gabriel já estava na sala.
— E aí, Gabriel?
Como foi anteontem na festa daquela menina da Medicina?
Gabriel sorriu.
— Ah? Ah...
Aquela garota... Bem, o que eu posso dizer dela? É a garota mais irritante que
eu já conheci.
— A Yasmim?
Sério? Ela me pareceu muito gente boa. - disse André pensativo.
— Yasmim? Quem
falou em Yasmim? Estava falando daquela Viviane.
André riu.
— A sua
prometida?
— Não começa. Ô garota chata!
André tentou
parar de rir.
— Sério, depois
que você me disse que quando vocês eram pequenos seus pais queriam que vocês
dois se casassem, eu realmente fiquei impressionado. Os dois herdeiros dos
maiores grupos empresariais do país se casando... Cara, vocês entrariam na
lista dos mais ricos do mundo. – e pensativo - Mas, vamos combinar que ela é a
maior gatinha.
— Gatinha? É
pode até ser, mas o que tem de gatinha tem de irritante. Aquela lá está mais
para mimadinha. Garota insuportável. É sério, no dia em que eu gostar de uma
garota daquele tipo, pode reservar a vaga.
— Vaga?
— Sim, em um hospício.
De repente, os
dois perceberam um rapaz que não era da turma original chegou e se sentou no
fundo da sala.
— Acho que eu já
vi aquele cara em algum lugar. – disse André pensativo.
Gabriel também
parecia puxar pela memória.
— Eu sei quem é
aquele. Ele é filho de um dos diretores do grupo Demontieux*, o Fabrício.
— O grupo Empresarial
Demontieux? O da sua prometida?
Gabriel olhou
para André com o olhar "eu já disse para parar".
— Sinceramente,
não sei o que veio fazer aqui... – continuou Gabriel - Pensei que ele tinha
desistido da faculdade.
— Por quê?
— Não sei se
alguém inventou isso. Mas, dizem que ela anda se envolvendo com pessoas meio
barra pesada.
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Viviane chegou à
faculdade. Estava um pouco atrasada. Verônica a esperava na cantina da
faculdade impaciente.
— Vivi, o que
aconteceu? Você demorou muito. Perdemos 25 minutos de aula!
— Eu sei. Mas,
eu estava procurando o livro que você me pediu. Pensei que tinha perdido... A
última vez que o usei foi no semestre passado.
Viviane abriu a
bolsa que carregava e tirou o livro.
— Aqui.
Verônica pegou o
livro e algo caiu. Era uma carta.
— O que é isso?
– perguntou Verônica como para si mesmo, pegando a carta no chão. – Parece bem
antiga.
Verônica
entregou a carta para Viviane. Vivi observou o documento.
— Que
estranho... Essa carta é bem antiga mesmo, mas parece que nunca foi aberta.
Verônica não
acreditava naquilo.
— Ah, por favor.
Essa carta parece ter no mínimo 10 anos, como assim, nunca foi aberta?
— Estou falando
sério. Olha.
Verônica olhou
com cuidado.
— Tem razão. –
disse intrigada. - Espera, parece que tem algo escrito por fora. Está muito
claro... Acho que tem o nome do remetente aqui... O primeiro nome está apagado,
mas o segundo nome... É isso! Demontieux!
— Demontieux? –
perguntou Viviane confusa - Então é para o meu avô...
— Pode ser...
Mas, seus tios também não tem esse sobrenome? Pode ser para algum deles também.
— Têm, mas em
geral usam o Alcântara. Vou guardar, depois entrego para ele. Estou curiosa
para saber do que se trata. Vamos, estamos muito atrasadas!
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O dia passou
rápido. Já era noite. Mais que isso, já eram 4 da madrugada. O Dr. Otávio
sentou-se na poltrona do seu escritório. Por mais que tentasse, não conseguia
dormir. Estava agitado demais para isso. Em suas mãos havia uma carta. Ele
mesmo não sabia quantas vezes já a havia lido. Mas a revelação que aquela carta
fazia era inacreditável. Lembrou-se da neta, Viviane, batendo a sua porta logo
que chegou da faculdade.
"— Vovô, poderia falar com você um
instante? - perguntou Viviane - Eu tenho algo muito interessante para
mostrar...
O Dr. Otávio olhou para a neta de sua poltrona e de alguma forma ficou um pouco
preocupado com a expressão facial da neta. Raramente, se via Viviane tão séria.
— Pode falar. Mas o que é tão importante? Você
está me parecendo muito séria... Aconteceu alguma coisa com a minha neta
preferida?
Viviane, que ainda estava na porta, entrou e
entregou uma carta com um pouco amarelada pelo tempo.
— O que é isso? - perguntou ele intrigado.
— Eu encontrei dentro de um livro que eu tinha
perdido nas coisas do papai... Eu não abri, parece ser endereçada ao senhor... Eu
acho que deve ser importante."
O conteúdo da
carta era algo realmente impressionante, no entanto, algo incomodava Otávio.
Como essa carta havia parado no livro de Viviane? E como só agora essa carta
foi descoberta? E algo mais importante, se a informação contida naquela carta
era de fato verdadeira, então, também tinha de saber o que faria a partir
daquele momento.
*Demontieux (lê-se Demontiê)
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