domingo, 10 de fevereiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 19 - PARTE 3 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XIX – Parte 3

SEM MÁSCARA


Naquele momento, a mulher ouviu um rumor atrás de si. Às pressas, tornou a colocar os óculos escuros. Depois, com uma voz que se esforçava para mostrar calma, perguntou:

Examinou bem a joia, senhor Fromont? Já pode me dizer qual a avaliação que fez e fazer ao menos um adiantamento?
- Denise, minha querida, não apenas vinte milhões, mas toda a minha fortuna eu daria, se soubesse que isso poderia fazê-la feliz!
A moça se virou, rápida, com os olhos arregalados pelo medo. A um passo dela, com a fisionomia cheia de tristeza, a fronte sulcada por profunda ruga, estava o conde Fernando!
- Papai! - balbuciou Denise, quase sem ar, sufocada pelo susto, pela surpresa. - Por favor, não faça um juízo apressado pelo que está acontecendo... Eu asseguro que... Interrompeu-se, ansiando, não sabendo como continuar.
Fernando, procurando mostrar-se calmo, dominar-se e vencer a emoção, fez um gesto brusco, como para cortar qualquer inútil discussão.
- Vamos embora - disse, apressadamente, vendo que o joalheiro estava de volta à sala. O momento não é para discussões. Retornemos ao palacete e ali falaremos desse... assunto, que não chego sequer a saber qualificar!
Como se privada de suas forças, incapaz de reagir, a jovem baronesa acompanhou o fidalgo, saindo da joalheria, e juntos atravessaram a rua. Quando, porém, chegaram ao lado da carruagem do conde, junto ao qual, de cartola na mão, os esperava respeitosamente o cocheiro, Denise teve um ímpeto de rebelião.
- Não posso! - disse com a voz estrangulada para não provocar a curiosidade dos passantes. - Não posso ir com você, papai! Peço-lhe, deixe-me, deixe que eu me vá... Abandone-me ao meu destino!
Mais uma vez, o conde Fernando se esforçou por demonstrar calma, por dominar os sentimentos.
Não se pôde, todavia, eximir de agarrar aquela que acreditava sua filha por um braço, como se temesse que ela fugisse, metendo-se na multidão.
- Denise, que fez você?! - exclamou com a voz alterada. - Como pôde chegar ao humilhante extremo de procurar vender as joias que deviam ser seu orgulho? Como você teve a coragem de humilhar deste modo todos nós?
- Papai, deixe-me ir...
- Não, não posso! Trate de compreender! Deve-me uma explicação completa, sem subterfúgios, que você dará mais tarde.
- Papai...
A voz do conde Fernando se tornou imperiosa:
- Perca esse ar de torturada, essa expressão de desespero. Pense que seu marido estava comigo até a poucos minutos e pode estar de volta de um momento para outro! Que iria pensar, se a visse nesse estado? Rápido! Não me faça repetir... Vamos na minha carruagem.
Incapaz de reagir, tão estonteada estava, Denise obedeceu. As portas da carruagem se fecharam e o veículo partiu. No mesmo momento quase, a charrete de Luís Paulo parou diante da joalheria Fromont e o rapaz dela desceu, entrando na loja que o proprietário estava já começando a fechar.
Um pouco admirado por não encontrar mais ali o conde, perguntou a Fromont, que o observava, por sua vez, com certa curiosidade.
- Meu sogro não estava aqui? Sabe para onde foi?
- Saiu há alguns minutos apenas - respondeu o comerciante, meio hesitante.
- É estranho. Pensei que me esperasse, pois fui buscar um talão de cheques para ele...
- Com certeza, pensou que o senhor ia demorar e achou melhor ir andando.
- Mas não deixou nenhum recado para mim? Sabia que eu voltaria!
- Não. Não deixou recado.
Procurando em vão, descobrir o motivo pelo qual o sogro procedera tão estranhamente, não o esperando, o barão Luís Paulo dirigiu-se para sua charrete. Além de preocupado, estava um tanto aborrecido. Talvez por isto não tivesse reparado no olhar estranho que o joalheiro lhe lançou, enquanto ele se afastava. Assim que partiu com o conde Fernando, Denise se encolheu o mais que pôde, num canto, mergulhada no mais fechado silêncio. Pensava consigo, como poderia sair daquela situação, realmente embaraçosa, como poderia justificar-se perante Fernando, sobre o seu modo de agir. Mais uma vez, amaldiçoava Afonso Houdin, que a levara aquele extremo de degradação e por culpa de quem estava em vias de perder tudo o que havia conquistado à custa de trapaça e mentira, de que também se sentia culpada.
Durante o trajeto, não foi trocada uma única palavra entre pai e filha. Fernando, por sua vez, muito preocupado, não ousava falar-lhe, com receio de ouvir a explicação que temia. Em vão se perguntava, buscava uma razão para o estranho e inqualificável procedimento da filha. Vender as joias da família! Recordando o que dissera o joalheiro, sentia o sangue se lhe gelar nas veias.
Temia que Fromont pudesse ter reconhecido na elegantíssima jovem de óculos escuros a baronesinha Denise de Rastignac. Que iria ele pensar? Que escândalo seria, se ele propalasse a vergonhosa notícia? E como reagiria Luís Paulo, se chegasse a saber o péssimo comportamento de Denise? "É incrível! Inexplicável!", dizia a si mesmo, custando quase a crer no que seus próprios olhos haviam visto. "Seria uma desonra sem medida! Como pode Denise ter necessidade de tanto dinheiro? Para que precisa dele? Não será para Luís Paulo, certamente, uma vez que eu estou perfeitamente a par da situação financeira dele, que não é de causar preocupação".
Com o coração magoado, o cérebro em tumulto, o fidalgo torcia as mãos, em verdadeiro desespero.
"Denise vai ter um filho...", pensava. "Mas isto não é motivo suficiente para que tivesse sentido o desejo de ter em mãos uma importância tão grande. Que coisa terá pretendido fazer, meu Deus, e por que não recorreu a mim, se tinha motivos para não falar com o marido?"
A parada da carruagem veio arrancar Fernando Chanteloup dos seus pensamentos.
- Chegamos, senhor conde - disse a voz impessoal do cocheiro, que já havia descido e estava abrindo a porta do veículo...
O conde Fernando tocou, quase com temor, o braço da filha.
- Estamos em sua casa, Denise - disse. - Desça, por favor.
Mecanicamente, a jovem desceu da charrete e, apoiando-se no braço do fidalgo, subiu a grande escadaria do palacete. Só desta vez a filha da marquesa Renata dirigiu a palavra a Fernando para dizer:
- Por que me trouxe para cá, papai? Luís Paulo pode ter voltado.
Mas não teve tempo de receber uma resposta porque, mal havia entrado no vestíbulo, Rosana, sua camareira, lhe veio ao encontro, para lhe tirar dos ombros o casaco de peles.
Como se atendesse a um mudo convite do conde, Denise atravessou a vasta sala que ficava à esquerda do vestíbulo e ali se atirou numa poltrona, com os braços apertados contra o peito, como se pretendesse defender-se de um ataque imaginário. Nem se lembrara de tirar os óculos negros. Calmo, falando tranquilamente, Fernando lhe chamou a atenção para esse detalhe, dizendo:
- Tire esses óculos, Denise. Quero olhá-la nos olhos.
Lentamente, como uma sonâmbula, a moça obedeceu. Enquanto isso acontecia, o conde começou a caminhar a largos passos pela sala. Os olhares que lançava à suposta filha não eram nem severos nem ameaçadores, antes cheios de uma grande angústia, capaz de despertar compaixão.
- Minha filha – disse por fim, com a voz sufocada, vendo que a jovem por si só não se decidia a falar, persistindo na mesma atitude passiva - por acaso, desde que o destino a reconduziu a mim, não tenho sido um bom pai? Fiz alguma coisa que a descontentasse? Não tenho, sempre, aberto meu coração com você?
A moça não respondeu e continuou de olhos baixos.
- Creio, na realidade - continuou Fernando, após um instante de hesitação - ter sido para você mais um amigo que um pai... Sempre procurei conquistar assim sua confiança, aquela confiança que uma filha deve ter no pai, especialmente quando este não tem ao seu lado uma esposa que o auxilie na tarefa de bem orientar a filha... Que fiz eu de mau, afinal? Responda-me, Denise, eu lhe peço. Não permaneça assim calada. Não sabe como me fez sofrer o que aconteceu, porém, mais ainda me magoa essa sua atitude de agora. Acaso não mereço sua confiança?
Quase inaudivelmente, Denise sussurrou:
- Oh, merece sim, papai...
O conde se aproximou, acariciou-lhe levemente os cabelos, procurando acalmá-la:
- Então, filha, por que não se abre comigo, por que não me conta suas mágoas?
Ainda desta vez, Denise deixou de responder e, com um movimento instintivo, fugiu ao seu carinho. Exasperado, Fernando explodiu por fim:
- Afinal, que é que está havendo? Explique-se! Trate de justificar-se, ao menos! Não pretendo muito, mas exijo que me diga por que chegou à decisão de vender as joias! Você, uma baronesa de Rastignac e, além de tudo, minha filha!
Denise, como que oprimida por um peso tremendo, abaixou ainda mais a cabeça. Tinha os olhos fechados e não seria fácil saber o que pensava naquele momento. Aquele silêncio obstinado, teimoso, persistente, fez cintilar uma fagulha de cólera no coração do conde.
- Vamos! Afinal, você sabe o que fez? - continuou acusador, fazendo terrível esforço para dominar a ira que o invadia.
- Sabe, ao menos, a gravidade do seu ato?
- Sei...
- E então?... Deve explicar-se! Tenho direito a uma explicação! Oh, não é pelo dinheiro que falo assim! Isto é o de menos importância! É que eu quero saber o motivo que a levou a fazer aquilo! Não se trata do valor intrínseco das joias, mas do valor moral, sentimental! Elas sempre pertenceram à família Chanteloup e à família Rastignac e aqueles que as possuem e que as usam, têm considerado sacrossanto o dever de zelar por elas!
Tirou um lenço do bolso e passou-o na fronte, depois nos lábios, embora estivessem secos. Parecia querer encontrar as palavras, o modo mais seguro de fazer a jovem compreender claramente o que lhe queria transmitir. Mas a cólera superou tudo e ele a despejou sobre a suposta filha:
- Denise, olhe para mim, enquanto eu falo! Estou dizendo-lhe e repetindo que vinte, trinta milhões nada são, em comparação com o valor inestimável que aquelas joias têm tido para os membros da minha família e para os da família de seu marido, o barão de Rastignac!
Quem as usa, não só com elas se adorna, mas honra a tradição de uma raça, de uma casta sobre a qual, no passado, jamais houve a menor mancha! Denise, está entendendo?
A moça sacudiu a cabeça, como se quisesse livrar-se de um pensamento doloroso. Afonso, sua cínica imagem, não lhe saía um instante da mente. As tradições, os valores morais não contavam para ela. O que queria era encontrar uma escapatória para aquela situação...
- Papai, você não me compreende... - exclamou, vendo que agora os olhos do conde tinham um clarão ameaçador.
Fernando se curvou e segurou, com força, o braço de uma poltrona...
- É o que tenho estado a tentar, mas não consigo! Não consigo!
Denise sentia que lhe faltava o ar, a voz. E o seu falso pai continuava furioso:
- Confesso que não a entendo! O que você fez é tremendamente grave! Minha mãe tinha orgulho de poder usar essas joias que você lançou, como reles mercadoria, sobre o balcão de um joalheiro, de cujas mãos elas passariam sabe-se lá para as de quem...
- Mas você não sabe por que fiz tudo isso! - exclamou Denise, com acento seco e dolorido.
- Ao contrário, sei de tudo! E sua culpa agora é maior, porque você queria trocar as pedras verdadeiras por outras de imitação! Infelizmente, eu mesmo ouvi quando você disse isto. Sabe o que significa isso? Significa colocar a mentira no lugar da verdade, o logro no lugar da honestidade! Significa destruir tudo o que há de belo e de puro no afeto de uma filha para com o pai!
Denise compreendeu que se não se defendesse, agravaria ainda mais a situação. Tinha esperado que tudo se acomodasse, que o conde Fernando lhe sugerisse, com seu autodomínio, através dos conselhos que fosse dando, uma ideia, a que ela se apegasse, como justificativa para o que fizera. Mas a cólera do fidalgo havia chegado ao auge. A moça, crescida à margem da sociedade, havia subestimado o valor da palavra honra para um homem como Fernando Chanteloup.
- Papai - exclamou Denise, pondo-se de pé. - Você me insulta!
- Não! - rebateu o conde, desesperado. - Estou procurando não fazê-lo! Estou tentando evitá-lo, como posso. Mas você não se justifica e eu não tenho a coragem de dar um nome à ação que você praticou! Confesso que me sinto envergonhado!
A voz do conde Fernando, embora ele tudo fizesse para se dominar, se elevara e seu rosto estava lívido. Por alguns minutos, o silêncio reinou soberano na sala, enquanto o nobre, com os braços cruzados, não cessava de fitar a filha.
Pouco a pouco, porém, o fidalgo foi se acalmando, readquirindo o habitual domínio sobre si.
Como quem procura persuadir a si próprio, continuou:
- Não... Não... A minha filha, minha única filha, não pode ter se afastado assim levianamente do caminho da honra e da fidalguia... Mas, mesmo que isso tivesse acontecido, não a quero abandonar, justamente neste momento. Seu marido não deve ser seu juiz.

2 comentários:

  1. Como será que Denise vai sair dessa? Vamos esperar para ver...

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  2. Acho que Denise vai se sair bem dessa, e o próprio Fernando, bobo como é, vai dar sem querer uma dica pra ela. Essa tem mutia sorte, além da esperteza! Vou aguardar os acontecimentos.

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