quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 23 - PARTE 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXIII - Parte 2

O SACRIFÍCIO DE MARIA “FLOR DE AMOR”


- Sim, eu a amei, Maria "Flor de Amor" - prosseguiu o jovem barão de Rastignac, tentando em vão dominar a sua emoção - amei-a como o que há de mais belo e de mais puro no mundo.

- Luís Paulo!...
- Deixe-me falar!
- Mas você não sabe!
- Sei até demais! Você era a minha divindade e melhor seria que estivesse realmente morta e eu não soubesse de nada! Talvez continuasse adorando sua imaculada lembrança!
- Meu amor...
- Não pronuncie essa frase! Agora só poderei recordar-me de você com desprezo! A minha divindade ruiu e agora vejo claramente os pedaços do mísero barro de que você era feita!
Os olhos de Maria "Flor de Amor" fixaram-se no rapaz e Luís Paulo exigiu dela:
- E não me olhe dessa maneira! Houve um tempo em que eu não podia resistir ao seu olhar sem me sentir enfeitiçado!
Num gesto desesperado, Luís Paulo passou a mão nos cabelos, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas.
- E eu desprezo a mim mesmo, desprezo a minha fraqueza passada!
Sentia que não poderia mais resistir ao olhar de Maria "Flor de Amor", mas não se retirava, não queria fazê-lo sem antes lhe dizer tudo o que tinha dentro de si.
A moça também se recobrara por um instante de seu terrível abatimento.
Sabia que estava em jogo a sua felicidade e, mais do que esta, a sua honestidade. Embora tendo que renunciar ao prazer sublime de ter Luís Paulo para si, sentia que não podia perder a estima que ele sempre tivera por ela, mesmo que a julgasse culpada.
Por um instante, sentiu a tentação de contar-lhe tudo, de esclarecer a situação... Mas, no momento em que ia pronunciar as palavras decisivas, avistou, atrás das costas de Luís Paulo e Ubaldo Duroi, o rosto de Denise, imóvel no corredor.
Foi questão de um segundo... Um segundo que lhe pareceu um século...
"Não me denuncie! Não revele a verdade!...", diziam os olhos de Denise.
Um arrepio percorreu o corpo de Maria "Flor de Amor". Uma luta terrível, demasiadamente grande para ser suportada impavidamente, travava-se dentro dela.
Devia desmascarar Denise, que pouco antes ela já salvara das mãos assassinas de Afonso Houdin? Tirara-a então de um perigo para jogá-la em um outro ainda maior? A que ficaria reduzida sua boa ação? Maria "Flor de Amor", vacilando, levou a mão ao coração.
Devia tomar uma decisão! Era questão de salvar a sua honra ou de arruinar para sempre a de Denise. Que representava aquela mulher para ela? Por que deveria salvá-la e sacrificar-se pela sua felicidade? Ela já não lhe roubara o amor de Luís Paulo? Não possuía direitos sobre o homem amado? Ela não era mais infeliz que Denise? Mesmo que aquela mulher perdesse o homem amado, não ficaria só no mundo, já que tinha um pai a quem recorrer, pelo qual era amada e que poderia consolar a sua dor...
Mas ela, Maria "Flor de Amor", o que possuía? Possuía por único bem, como única razão de viver, seu amor por Luís Paulo! Se perdesse tudo isso, se não pudesse esperar mais nada, que lhe restaria no mundo? Não, o sacrifício era demasiadamente grande! Não podia, não podia fazê-lo! A felicidade de Denise seria a sua própria e eterna infelicidade!...
Naquele instante, o barão Luís Paulo, talvez adivinhando que ainda havia incerteza na jovem, disse:
- Fale infeliz! Está tudo terminado entre nós, mas não quero condená-la antes de ouvi-la! Se existe alguma coisa que a desculpe, fale! Conte-me porque se aproximou de um homem como Afonso Houdin, que é um bandido! Seja sincera, pelo menos! Talvez, em lugar de ódio, possa sentir compaixão por você! "Mas tome cuidado, não se cale! Não se cale porque, depois de hoje, nunca mais nos tornaremos a ver! Nunca mais terá a oportunidade de justificar-se, de trocar uma só palavra comigo, eu que a amei mais do que tudo no mundo! Se as recordações ainda valerem alguma coisa para você, conte-me tudo!...
Maria "Flor de Amor" não tinha forças sequer para respirar.
Bastaria ir até o corredor, abrir a porta do quarto da marquesa Renata, na qual Denise se escondera novamente, e tudo estaria terminado para a tresloucada mulher de Luís Paulo. Seria suficiente que Maria "Flor de Amor" falasse para triunfar, para ter a felicidade!
Não havia dúvida alguma: o barão de Rastignac, convencendo-se da indignidade da esposa, abandoná-la-ia, cheio de desprezo. E, então, tornaria a amá-la... Atirar-se-ia novamente aos seus pés... E lhe pediria perdão, depois daquela prova terrível.
Finalmente, através das nuvens pesadas do seu futuro, tornaria a brilhar o sol prometedor de felicidade.
Uma palavra, uma única palavra, podia afastar aquelas nuvens, como um sopro de vento da primaveral... Maria "Flor de Amor", no entanto, pálida e aniquilada, não ousava pronunciar a palavra decisiva; nem sequer fazer o gesto que a salvaria.
Sentia a proximidade de Denise... Percebia que a infeliz e mentirosa mulher achava-se pertíssimo dela e mesmo que não a visse naquele instante, percebia a sua presença, o ar parecia ressoar com as suas preces, implorando piedade.
- Justifique-se! - gritou Luís Paulo com impaciência.
- Espere, pelo amor de Deus! - implorou Maria "Flor de Amor" no limite de suas forças. - Dê-me tempo para pensar.
- Não! Você quer tempo para inventar uma mentira! Deve falar agora! Imediatamente!...
- Mas eu...
O barão Luís Paulo, voltando-lhe as costas, disse à jovem, com acento de desprezo:
- Você não tem nada a dizer! Não tem sequer a coragem de afirmar que foi o acaso que a trouxe aqui e prove-me que não tem nada a ver com Afonso Houdin! Faça-o e eu retirarei tudo o que disse! Faça-o, pelo amor de Deus, caso contrário não responderei pelos meus atos!
- Não posso... Você me pede algo impossível.
Luís Paulo de Rastignac deu um passo à frente e sua mão correu novamente para o bolso, no qual havia enfiado o revólver.
- Olhe para mim, Maria "Flor de Amor"! Dou-lhe até a satisfação da minha ira! Admito até mesmo que estava certo de que você pudesse justificar-se! Dissesse o que dissesse!... Ainda confiava em você, mas é tão falsa que não sabe sequer o que dizer! Não é uma mulher, é um demônio, um réptil venenoso!...
Cada insulto feria o coração de Maria "Flor de Amor" como uma punhalada. Aniquilada, a jovem escondeu o rosto entre as mãos... Contudo, no seu grande abatimento, na sua dor, estava lindíssima.
Luís Paulo de Rastignac, malgrado tudo, teve que fazer força para vencer o desejo incontido de inclinar-se para ela e abraçá-la com ternura, esquecido do mal que julgava que ela lhe fizera.
Mas foi só questão de um instante. Recobrou-se em seguida. Não, ela não era digna de sua piedade e muito menos do seu amor!...
Daquele momento em diante, ele queria pertencer a uma só, àquela a quem estava ligado por um vínculo sagrado: Denise, a única mulher que, pelo menos ele acreditava, ficara-lhe fiel.
Maria "Flor de Amor" continuava muda e imóvel.
E a voz de Luís Paulo ressoou novamente, fraca, mas decidida:

  
- Vá para o mais longe possível! Não apareça mais em meu caminho! Não quero nem mesmo recordar que você está viva!... Pelo menos, se estivesse morta, eu poderia chorá-la como tal!
O rapaz fez menção de retirar-se, porém, dominado por uma ideia repentina, voltou-se outra vez e enfiou nervosamente a mão no bolso do paletó.
- Tome! - acrescentou, atirando com desprezo um maço de notas aos seus pés. - Não quero ter o remorso de deixá-la sozinha e sem meios! Dinheiro não me importa, contanto que você desapareça de minha vida para sempre!
Um soluço abafado saiu dos lábios pálidos de Maria "Flor de Amor".
- Não adianta chorar! - disse novamente o barão de Rastignac. - Agora é tarde!... Faça o que fizer, diga o que disser, só terei uma triste recordação de você! Adeus! Adeus para sempre!...
Maria "Flor de Amor" cobriu o rosto com as mãos, incapaz de resistir, incapaz de lutar.
Já se arrependia do que fizera.
A decisão de gritar a verdade apertava seu peito, contraía-lhe a garganta...
Porém, quando olhou em volta através do véu de lágrimas que lhe obscurecia a visão, não havia mais ninguém no aposento. 

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