O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XIX – Parte 4
SEM MÁSCARA
Cheia
de esperança, a filha da marquesa Renata se aproximou do conde Fernando,
convicta de que passado o primeiro ímpeto de fúria, ele facilmente a perdoaria.
-
Então me perdoa, papai?
Fernando
estendeu a mão, como se lhe fosse acariciar o rosto, mas algo o conteve, talvez
a expressão de alegria, de quase triunfo, que viu brilhar nos olhos dela, e
disse, sem responder diretamente à pergunta:
-
Todavia, a sombra da dúvida não pode persistir, a me escurecer a existência.
Preciso saber o que foi que a levou a vender as jóias, que problema, que
dificuldades forçaram você a conseguir, por esse meio, aquele dinheiro. Você não
ignora que sou rico! Pois bem, se o seu motivo era justo, por que não veio a
mim? Se você quer aquele dinheiro, eu o dou, mas seja sincera, diga-me a
verdade. Só com essa condição terá o que deseja.
A baronesinha, ante estas
palavras, fez um gesto de desaponto. Estava perfeitamente senhora de si, mas ao
mesmo tempo compreendia que o perigo não fora totalmente afastado. Tinha,
porém, esperança de safar-se bem, visto como o conde Fernando, depois do acesso
de cólera, mudara de tom. E para alcançar mais eficazmente o seu objetivo,
instintivamente, com aquele atrevimento e cinismo, que era o resultado de ter
vivido anos ao lado de uma mulher como a marquesa Renata, sentiu que as
lágrimas, poderoso meio de persuasão, sempre ao alcance de todas as mulheres,
as lágrimas naquele momento viriam perfeitamente a calhar.
Não foi muito difícil
bastou um pequeno esforço de vontade e o pranto jorrou abundante de seus olhos.
O conde Fernando, então,
lhe passou um braço em torno dos ombros e murmurou:
- Não chore, querida. Não
posso vê-la assim... Peço-lhe: diga-me tudo... Abra seu coração comigo, sem
receio...
- Eu direi tudo a você,
papai - respondeu Denise, soluçando com uma habilidade que teria enganado o
homem mais esperto. - Mas... "É tão horrível!"... Além disso, é um
segredo... Que não pertence somente a mim...
Ao pronunciar esta frase,
a farsante sentiu um frêmito agitar o corpo do conde.
- Há, então, uma terceira
pessoa envolvida no assunto? - interrogou Fernando, com voz grave.
- Infelizmente sim.
- Alguém... Que você ama?
- Sim, papai, eu o amo...
O conde Fernando
deixou-se cair numa poltrona, tão abatido que parecia ter envelhecido dez anos.
- Bem que receei que
fosse isso... Então, por causa de um homem, por culpa de um homem, você quase
lançou na lama o nome de duas tradicionais e honradas famílias?
- Um homem que eu amo...
- Isto não tem a mesma
importância! Ou admitamos que tem, mas o fato de ter a coragem de confessar que
ama outro homem, poucos meses depois do seu casamento, passa para segundo
plano, frente à sua grande culpa essencial!
- Papai, você não está
entendendo! O homem que eu tenho no coração...
Fernando ergueu as mãos e
levou-as aos ouvidos, como se não quisesse ouvir mais nem uma palavra.
- O homem que você ama
deve ser, sem dúvida um miserável, se chegou a permitir que você cometesse uma
ação tão degradante!
- Não! Não é um
miserável! - rebateu Denise. - Cometeu um erro, um erro gravíssimo, convenho,
mas me jurou que de agora em diante procederá de modo a não errar mais e eu
creio nele!
- Basta, basta!... Não
posso mais ouvi-la! Tenho a impressão de que nem mesmo é minha filha, falando
assim! Se as coisas estão assim, não quero ser o seu acusador, porque como pai,
não estou em condições de justificá-la. Vá encontrar-se com Luís Paulo e
confesse-lhe tudo!
Maravilhosamente, com a
habilidade de uma atriz consumada, Denise simulou enorme espanto:
- A Luís Paulo?... -
balbuciou. - Então não compreende, papai?
O conde Fernando virou-se
bruscamente para ela.
- Talvez não tenha
compreendido bem, mas no ponto em que parecem estar as coisas, é absolutamente
necessário que você fale a respeito com seu marido! Ele deve saber de tudo!
- Mas, papai... Ele já
sabe!
Fernando, naquele
instante, acreditou que todo o seu sangue se tivesse gelado nas veias e olhou
para a filha a fim de ver se não teria ela enlouquecido.
- Luís Paulo sabe de
tudo? - exclamou com voz rouca. - É impossível! Ele é um cavalheiro, um
fidalgo! Se estivesse a par do que acabo de saber...
- Comportar-se-ia
exatamente como está fazendo: calar-se-ia. Em todo caso, papai, receio que
nunca poderei esquecer o fato de que você acreditou... Que eu podia ter... Um
amante!
O rosto do conde Fernando
fizera-se de uma palidez mortal. O atrevimento de Denise era tal que naquele
instante assumia todos os tons da verdade e não era possível deixar de
acreditar nela. Percebendo que o golpe fora muito forte para o fidalgo, talvez
forte demais, a moça recomeçou a chorar e se atirou entre os braços dele,
ocultando-lhe o rosto no peito.
- Papai, papai... -
soluçou - Quero confessar tudo... Mas jure-me, dê-me sua palavra de honra que
não dirá uma só palavra do que vou lhe contar a meu marido... A ninguém, mas
principalmente a ele! Se você não fizer o que estou pedindo, estou certa de que
ele cometerá uma loucura, indo até ao suicídio, para não ter que sobreviver à
desonra!
- Não lhe posso prometer
nada!
- Deve! Pense no meu
remorso, se acontecesse qualquer coisa ao meu marido! Se ele... Se matasse,
praticamente a culpa seria minha, e eu não teria mais paz por toda a vida!...
Não acha que isso possa bastar para se passar por cima da honra da família?
Um gemido saiu do peito
do conde Fernando. Estava subjugado, completamente à mercê da habilidade
infernal da jovem que soubera, com perfeição, simular uma dor que não sentia e
inventar a terrível mentira que a salvaria.
- Pois bem - disse
Fernando, cheio de nobreza naquele momento de suprema ansiedade - dou-lhe a
minha palavra de honra que calarei...
Denise, agitada pela
alegria da vitória, sem um pingo de remorso, cobriu de beijos o rosto do conde
Fernando.
- Papai, querido, eu
sabia que você compreenderia!
- Está bem, mas vamos à
explicação...
- Sim, sim, direi tudo.
Se souber como me sinto contente, livre de um tremendo peso! Quantas noites de
insônia eu tenho passado, pensando no que você teria feito, se tivesse
sabido!... As joias que eu vendi e as que anteriormente fui entregar ao
joalheiro serviriam... Para salvar meu marido!
- Salvar Luís Paulo?
- Sim, ele! - E que outro
homem eu poderia amar, papai? Todas as palpitações de meu coração são por ele,
seja o que for que ele faça ou o erro que cometa! Eu lhe pertenço, ele é meu
marido... Por isso, fiz tudo para manter
o segredo. Darei até a vida por Luís Paulo!
O tom da jovem era tão
apaixonado que o conde Fernando, emocionado, estreitou-a contra si.
- Pobre criança! Como
deve ter sofrido... Devo ter estado todo este tempo fora de mim, pois devia
logo ter percebido que você, tão boa, pura e honesta, você que soube sair
imaculada de tantas vicissitudes no passado, não poderia ser culpada! Conte-me
tudo agora. Quero ajudá-la, quero arrancá-la desta horrível situação que pôs
você tão desvairada que nem mais pensou no que poderia acontecer. Prometo que
silenciarei, que nada mencionarei a Luís Paulo, mas preciso saber tudo! A única
coisa que reprovo é não ter-me falado antes...
- Mas não compreende,
então, papai - exclamou Denise, erguendo para ele os belos olhos que eram sua
melhor arma de combate - que eu não poderei dizer-lhe tudo? Seria, se o
fizesse, a acusadora de meu marido, daquele que amo mais que a própria vida!
- Mas, em resumo, que
fez, afinal, Luís Paulo?
Denise hesitou um
instante, mas logo se recuperou e disse, em voz baixa:
- Cometeu um erro
gravíssimo, infelizmente, para o qual eu sou a primeira a pensar que não há
desculpa... Jogou e perdeu uma importância astronômica!
- Luís Paulo?! Parece
impossível!... Sempre foi tão sensato, tão ponderado...
- O delírio do jogo se
apoderou dele...
- Mas, onde jogou?
Quando? Com quem?
- Não sei, não sei com
exatidão. Sei apenas que foi numa roda íntima. Deixou-se empolgar e perdeu, sob
palavra... E tem de pagar dentro de determinado prazo. Eis porque você não
notou nenhuma alteração na sua situação financeira.
O conde Fernando sacudiu
a cabeça, como se a enormidade daquilo que estava acabando de saber
ultrapassasse sua imaginação.
- E... Quanto perdeu?
- Uma importância
fabulosa, já disse... O que consegui com o joalheiro era apenas a quarta parte
da dívida, parte que seria entregue agora e serviria para acalmar a exigência
dos credores...
- São tão exigentes
assim?
- São fidalgos, papai; venceram,
ganharam, e exigem o pagamento.
- Sim... Compreendo...
Denise se deixou cair
novamente na poltrona, como quem se sente esgotada, humilhada pela custosa
confissão. Mas, na realidade, o que queria era ocultar o rosto aos olhares do
conde Fernando, para que ele não percebesse a satisfação que estava sentindo,
por mais aquele logro bem passado.
- E Luís Paulo? -
perguntou o fidalgo. - Como se portou com você? Quero dizer: como se
justificou?
- Como poderia fazê-lo?
Fui a primeira a notar que ele estava diferente, fechado em si mesmo,
permanentemente preocupado e inúmeras vezes lhe perguntei o que tinha, qual a
razão daquilo, sem obter resultado. Depois, um dia, quando eu menos esperava,
talvez porque compreendeu que não tinha outra saída, contou-me tudo... Esperara
até o último instante, com o anseio de me poupar um grande desgosto, mas a
demora fora inútil. Confessou, primeiro, ter contraído uma dívida considerável,
cuja origem não quis explicar. Depois, como eu insisti, contou que se tratava
de uma dívida de jogo. Só à custa de muito trabalho, muita insistência,
consegui saber qual a importância que havia perdido. E então me fez prometer,
me fez jurar que não falaria do assunto com ninguém... Ameaçando matar-se, se
eu não cumprisse o juramento...
Denise, a esta altura,
lançou uma olhadela ao conde Fernando, tendo no rosto um ar de vítima
perfeitamente simulado.
- É fácil imaginar o meu
estado de alma - prosseguiu. - Mas, por outro lado, como poderia recorrer a
você, papai, diante de uma ameaça tão terrível?
O conde Fernando abriu os
braços, desesperado:
- Mas, também, vender as
joias... - objetou.
- Tinha que fazê-lo! -
afirmou Denise, nervosa. - Luís Paulo, acima de tudo, é um cavalheiro e você
conhece as regras, papai! As dívidas de jogo se pagam... Ou com dinheiro ou com
sangue! Agora você já sabe de tudo, mas prometa-me, por Deus, que de seus
lábios não sairá uma única palavra, porque meu marido chegou a um ponto tal,
que não hesitaria um instante em pôr em execução seu propósito de suicídio, se viesse
a saber que algo transpirou.
- Nada receie, querida -
disse Fernando. - Prometi que nada direi e mantenho minha palavra. Mas confesso
que algo está destroçado dentro de mim... - Luís Paulo, logo Luís Paulo, em
quem eu depositava toda a minha confiança, praticar um ato desses... "E
ele está a par de que você estava a vender as joias da família?"
Denise fingiu enxugar os
olhos no seu lencinho bordado.
- Sim, pelo menos
indiretamente... Eu lhe prometera que iria conseguir uma parte do que precisava
para satisfazer os credores e ele naturalmente não pode ter imaginado outra
coisa, deve logo ter pensado no que eu iria fazer para salvá-lo do aperto...
O conde Fernando fez um
gesto nervoso.
- É terrível! Não consigo
conceber tanta inconsciência! Jogar no pano verde uma importância que sabia
perfeitamente não poder pagar... É uma coisa que só os loucos e os desonestos
fazem!
- Não o insulte diante de
mim, papai, por favor! Eu já o perdoei e você deve fazer a mesma coisa. Ele é
tão jovem...
- Não posso perdoá-lo,
nunca poderei fazê-lo! É jovem, sim, mas você também é e, por isso, não se dá
conta da gravidade da sua culpa! Você não passa de um dócil instrumento nas
mãos dele!
- Papai, é o pai do filho
que estou esperando!
Vencido, dominado, o
conde Fernando acabou dizendo:
- Está bem, Denise...
Seja como quiser...
- Oh! Papai querido!
- Bem, não quero que por
causa desse fato desagradável, você tenha sua saúde perturbada, noites de
insônia, aflição, que no seu estado poderiam ser funestas. Diga-me, com
exatidão, de quanto precisa para liquidar toda a dívida de Luís Paulo... Quero
providenciar imediatamente para saldar esse compromisso, para limpar o nome
dele.
- Como é bom!...
- Vamos: qual é o total?
A filha da marquesa
Renata umedeceu levemente os lábios com a ponta da língua. Depois, tomou
coragem e disse lentamente:
- Vinte milhões de
francos.
Contrariamente ao que
havia esperado, porém, nenhum gesto, nenhuma contração muscular demonstrou em
Fernando surpresa ou desagrado. Apenas seus olhos continuavam a expressar
tristeza e desapontamento e também um pouco de cansaço.
- Está certo - disse, sem
dar nenhuma demonstração de estar admirado. - Amanhã pela manhã, darei ordem ao
meu administrador para lhe fazer entrega desses vinte milhões, que serão
creditados na sua conta no Banco Colonial. Você compreende perfeitamente que
tenho razões para não confiar sequer um centavo a Luís Paulo. Além disso, não
quero conversa com ele e negócios, então, absolutamente!
A expressão de Denise
alterou-se.
- Mas, papai, você prometeu
que não daria a mínima demonstração de estar a par do segredo dele. Pelo
dinheiro, está certo que não confie nele... Mas quanto ao resto, deve tratá-lo
como sempre.
Fernando, com ternura,
segurou entre as mãos o rosto da falsa filha, como se segurasse uma flor.
Olhou-a por um instante,
enquanto em seu próprio rosto se estampava uma expressão de infinito amor.
Depois sussurrou docemente:
- Querida Denise, para
não ver seus olhos tão lindos molhados de lágrimas, daria não a minha fortuna,
mas meu próprio sangue!
Denise, mais uma vez, safou-se. Vamos ver até quando... Muito interessante!
ResponderExcluirDenise conseguiu enganar Fernando mais uma vez, e ainda sujou a barra de Luís Paulo! Que raiva! Estou indócil pra ver a virada dos bons rsrsrs. Que folhetim!
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