quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 19 - PARTE 4 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XIX – Parte 4


SEM MÁSCARA

Cheia de esperança, a filha da marquesa Renata se aproximou do conde Fernando, convicta de que passado o primeiro ímpeto de fúria, ele facilmente a perdoaria.
- Então me perdoa, papai?
Fernando estendeu a mão, como se lhe fosse acariciar o rosto, mas algo o conteve, talvez a expressão de alegria, de quase triunfo, que viu brilhar nos olhos dela, e disse, sem responder diretamente à pergunta:
- Todavia, a sombra da dúvida não pode persistir, a me escurecer a existência. Preciso saber o que foi que a levou a vender as jóias, que problema, que dificuldades forçaram você a conseguir, por esse meio, aquele dinheiro. Você não ignora que sou rico! Pois bem, se o seu motivo era justo, por que não veio a mim? Se você quer aquele dinheiro, eu o dou, mas seja sincera, diga-me a verdade. Só com essa condição terá o que deseja.
A baronesinha, ante estas palavras, fez um gesto de desaponto. Estava perfeitamente senhora de si, mas ao mesmo tempo compreendia que o perigo não fora totalmente afastado. Tinha, porém, esperança de safar-se bem, visto como o conde Fernando, depois do acesso de cólera, mudara de tom. E para alcançar mais eficazmente o seu objetivo, instintivamente, com aquele atrevimento e cinismo, que era o resultado de ter vivido anos ao lado de uma mulher como a marquesa Renata, sentiu que as lágrimas, poderoso meio de persuasão, sempre ao alcance de todas as mulheres, as lágrimas naquele momento viriam perfeitamente a calhar.
Não foi muito difícil bastou um pequeno esforço de vontade e o pranto jorrou abundante de seus olhos.
O conde Fernando, então, lhe passou um braço em torno dos ombros e murmurou:
- Não chore, querida. Não posso vê-la assim... Peço-lhe: diga-me tudo... Abra seu coração comigo, sem receio...
- Eu direi tudo a você, papai - respondeu Denise, soluçando com uma habilidade que teria enganado o homem mais esperto. - Mas... "É tão horrível!"... Além disso, é um segredo... Que não pertence somente a mim...
Ao pronunciar esta frase, a farsante sentiu um frêmito agitar o corpo do conde.
- Há, então, uma terceira pessoa envolvida no assunto? - interrogou Fernando, com voz grave.
- Infelizmente sim.
- Alguém... Que você ama?
- Sim, papai, eu o amo...
O conde Fernando deixou-se cair numa poltrona, tão abatido que parecia ter envelhecido dez anos.
- Bem que receei que fosse isso... Então, por causa de um homem, por culpa de um homem, você quase lançou na lama o nome de duas tradicionais e honradas famílias?
- Um homem que eu amo...
- Isto não tem a mesma importância! Ou admitamos que tem, mas o fato de ter a coragem de confessar que ama outro homem, poucos meses depois do seu casamento, passa para segundo plano, frente à sua grande culpa essencial!
- Papai, você não está entendendo! O homem que eu tenho no coração...
Fernando ergueu as mãos e levou-as aos ouvidos, como se não quisesse ouvir mais nem uma palavra.
- O homem que você ama deve ser, sem dúvida um miserável, se chegou a permitir que você cometesse uma ação tão degradante!
- Não! Não é um miserável! - rebateu Denise. - Cometeu um erro, um erro gravíssimo, convenho, mas me jurou que de agora em diante procederá de modo a não errar mais e eu creio nele!
- Basta, basta!... Não posso mais ouvi-la! Tenho a impressão de que nem mesmo é minha filha, falando assim! Se as coisas estão assim, não quero ser o seu acusador, porque como pai, não estou em condições de justificá-la. Vá encontrar-se com Luís Paulo e confesse-lhe tudo!
Maravilhosamente, com a habilidade de uma atriz consumada, Denise simulou enorme espanto:
- A Luís Paulo?... - balbuciou. - Então não compreende, papai?
O conde Fernando virou-se bruscamente para ela.
- Talvez não tenha compreendido bem, mas no ponto em que parecem estar as coisas, é absolutamente necessário que você fale a respeito com seu marido! Ele deve saber de tudo!
- Mas, papai... Ele já sabe!
Fernando, naquele instante, acreditou que todo o seu sangue se tivesse gelado nas veias e olhou para a filha a fim de ver se não teria ela enlouquecido.
- Luís Paulo sabe de tudo? - exclamou com voz rouca. - É impossível! Ele é um cavalheiro, um fidalgo! Se estivesse a par do que acabo de saber...
- Comportar-se-ia exatamente como está fazendo: calar-se-ia. Em todo caso, papai, receio que nunca poderei esquecer o fato de que você acreditou... Que eu podia ter... Um amante!
O rosto do conde Fernando fizera-se de uma palidez mortal. O atrevimento de Denise era tal que naquele instante assumia todos os tons da verdade e não era possível deixar de acreditar nela. Percebendo que o golpe fora muito forte para o fidalgo, talvez forte demais, a moça recomeçou a chorar e se atirou entre os braços dele, ocultando-lhe o rosto no peito.
- Papai, papai... - soluçou - Quero confessar tudo... Mas jure-me, dê-me sua palavra de honra que não dirá uma só palavra do que vou lhe contar a meu marido... A ninguém, mas principalmente a ele! Se você não fizer o que estou pedindo, estou certa de que ele cometerá uma loucura, indo até ao suicídio, para não ter que sobreviver à desonra!
- Não lhe posso prometer nada!
- Deve! Pense no meu remorso, se acontecesse qualquer coisa ao meu marido! Se ele... Se matasse, praticamente a culpa seria minha, e eu não teria mais paz por toda a vida!... Não acha que isso possa bastar para se passar por cima da honra da família?
Um gemido saiu do peito do conde Fernando. Estava subjugado, completamente à mercê da habilidade infernal da jovem que soubera, com perfeição, simular uma dor que não sentia e inventar a terrível mentira que a salvaria.
- Pois bem - disse Fernando, cheio de nobreza naquele momento de suprema ansiedade - dou-lhe a minha palavra de honra que calarei...
Denise, agitada pela alegria da vitória, sem um pingo de remorso, cobriu de beijos o rosto do conde Fernando.
- Papai, querido, eu sabia que você compreenderia!
- Está bem, mas vamos à explicação...
- Sim, sim, direi tudo. Se souber como me sinto contente, livre de um tremendo peso! Quantas noites de insônia eu tenho passado, pensando no que você teria feito, se tivesse sabido!... As joias que eu vendi e as que anteriormente fui entregar ao joalheiro serviriam... Para salvar meu marido!
- Salvar Luís Paulo?
- Sim, ele! - E que outro homem eu poderia amar, papai? Todas as palpitações de meu coração são por ele, seja o que for que ele faça ou o erro que cometa! Eu lhe pertenço, ele é meu marido...  Por isso, fiz tudo para manter o segredo. Darei até a vida por Luís Paulo!
O tom da jovem era tão apaixonado que o conde Fernando, emocionado, estreitou-a contra si.
- Pobre criança! Como deve ter sofrido... Devo ter estado todo este tempo fora de mim, pois devia logo ter percebido que você, tão boa, pura e honesta, você que soube sair imaculada de tantas vicissitudes no passado, não poderia ser culpada! Conte-me tudo agora. Quero ajudá-la, quero arrancá-la desta horrível situação que pôs você tão desvairada que nem mais pensou no que poderia acontecer. Prometo que silenciarei, que nada mencionarei a Luís Paulo, mas preciso saber tudo! A única coisa que reprovo é não ter-me falado antes...
- Mas não compreende, então, papai - exclamou Denise, erguendo para ele os belos olhos que eram sua melhor arma de combate - que eu não poderei dizer-lhe tudo? Seria, se o fizesse, a acusadora de meu marido, daquele que amo mais que a própria vida!
- Mas, em resumo, que fez, afinal, Luís Paulo?
Denise hesitou um instante, mas logo se recuperou e disse, em voz baixa:
- Cometeu um erro gravíssimo, infelizmente, para o qual eu sou a primeira a pensar que não há desculpa... Jogou e perdeu uma importância astronômica!
- Luís Paulo?! Parece impossível!... Sempre foi tão sensato, tão ponderado...
- O delírio do jogo se apoderou dele...
- Mas, onde jogou? Quando? Com quem?
- Não sei, não sei com exatidão. Sei apenas que foi numa roda íntima. Deixou-se empolgar e perdeu, sob palavra... E tem de pagar dentro de determinado prazo. Eis porque você não notou nenhuma alteração na sua situação financeira.
O conde Fernando sacudiu a cabeça, como se a enormidade daquilo que estava acabando de saber ultrapassasse sua imaginação.
- E... Quanto perdeu?
- Uma importância fabulosa, já disse... O que consegui com o joalheiro era apenas a quarta parte da dívida, parte que seria entregue agora e serviria para acalmar a exigência dos credores...
- São tão exigentes assim?
- São fidalgos, papai; venceram, ganharam, e exigem o pagamento.
- Sim... Compreendo...
Denise se deixou cair novamente na poltrona, como quem se sente esgotada, humilhada pela custosa confissão. Mas, na realidade, o que queria era ocultar o rosto aos olhares do conde Fernando, para que ele não percebesse a satisfação que estava sentindo, por mais aquele logro bem passado.
- E Luís Paulo? - perguntou o fidalgo. - Como se portou com você? Quero dizer: como se justificou?
- Como poderia fazê-lo? Fui a primeira a notar que ele estava diferente, fechado em si mesmo, permanentemente preocupado e inúmeras vezes lhe perguntei o que tinha, qual a razão daquilo, sem obter resultado. Depois, um dia, quando eu menos esperava, talvez porque compreendeu que não tinha outra saída, contou-me tudo... Esperara até o último instante, com o anseio de me poupar um grande desgosto, mas a demora fora inútil. Confessou, primeiro, ter contraído uma dívida considerável, cuja origem não quis explicar. Depois, como eu insisti, contou que se tratava de uma dívida de jogo. Só à custa de muito trabalho, muita insistência, consegui saber qual a importância que havia perdido. E então me fez prometer, me fez jurar que não falaria do assunto com ninguém... Ameaçando matar-se, se eu não cumprisse o juramento...
Denise, a esta altura, lançou uma olhadela ao conde Fernando, tendo no rosto um ar de vítima perfeitamente simulado.
- É fácil imaginar o meu estado de alma - prosseguiu. - Mas, por outro lado, como poderia recorrer a você, papai, diante de uma ameaça tão terrível?
O conde Fernando abriu os braços, desesperado:
- Mas, também, vender as joias... - objetou.
- Tinha que fazê-lo! - afirmou Denise, nervosa. - Luís Paulo, acima de tudo, é um cavalheiro e você conhece as regras, papai! As dívidas de jogo se pagam... Ou com dinheiro ou com sangue! Agora você já sabe de tudo, mas prometa-me, por Deus, que de seus lábios não sairá uma única palavra, porque meu marido chegou a um ponto tal, que não hesitaria um instante em pôr em execução seu propósito de suicídio, se viesse a saber que algo transpirou.
- Nada receie, querida - disse Fernando. - Prometi que nada direi e mantenho minha palavra. Mas confesso que algo está destroçado dentro de mim... - Luís Paulo, logo Luís Paulo, em quem eu depositava toda a minha confiança, praticar um ato desses... "E ele está a par de que você estava a vender as joias da família?"
Denise fingiu enxugar os olhos no seu lencinho bordado.
- Sim, pelo menos indiretamente... Eu lhe prometera que iria conseguir uma parte do que precisava para satisfazer os credores e ele naturalmente não pode ter imaginado outra coisa, deve logo ter pensado no que eu iria fazer para salvá-lo do aperto...
O conde Fernando fez um gesto nervoso.
- É terrível! Não consigo conceber tanta inconsciência! Jogar no pano verde uma importância que sabia perfeitamente não poder pagar... É uma coisa que só os loucos e os desonestos fazem!
- Não o insulte diante de mim, papai, por favor! Eu já o perdoei e você deve fazer a mesma coisa. Ele é tão jovem...
- Não posso perdoá-lo, nunca poderei fazê-lo! É jovem, sim, mas você também é e, por isso, não se dá conta da gravidade da sua culpa! Você não passa de um dócil instrumento nas mãos dele!
- Papai, é o pai do filho que estou esperando!
Vencido, dominado, o conde Fernando acabou dizendo:
- Está bem, Denise... Seja como quiser...
- Oh! Papai querido!
- Bem, não quero que por causa desse fato desagradável, você tenha sua saúde perturbada, noites de insônia, aflição, que no seu estado poderiam ser funestas. Diga-me, com exatidão, de quanto precisa para liquidar toda a dívida de Luís Paulo... Quero providenciar imediatamente para saldar esse compromisso, para limpar o nome dele.
- Como é bom!...
- Vamos: qual é o total?
A filha da marquesa Renata umedeceu levemente os lábios com a ponta da língua. Depois, tomou coragem e disse lentamente:
- Vinte milhões de francos.
Contrariamente ao que havia esperado, porém, nenhum gesto, nenhuma contração muscular demonstrou em Fernando surpresa ou desagrado. Apenas seus olhos continuavam a expressar tristeza e desapontamento e também um pouco de cansaço.
- Está certo - disse, sem dar nenhuma demonstração de estar admirado. - Amanhã pela manhã, darei ordem ao meu administrador para lhe fazer entrega desses vinte milhões, que serão creditados na sua conta no Banco Colonial. Você compreende perfeitamente que tenho razões para não confiar sequer um centavo a Luís Paulo. Além disso, não quero conversa com ele e negócios, então, absolutamente!
A expressão de Denise alterou-se.
- Mas, papai, você prometeu que não daria a mínima demonstração de estar a par do segredo dele. Pelo dinheiro, está certo que não confie nele... Mas quanto ao resto, deve tratá-lo como sempre.
Fernando, com ternura, segurou entre as mãos o rosto da falsa filha, como se segurasse uma flor.
Olhou-a por um instante, enquanto em seu próprio rosto se estampava uma expressão de infinito amor. Depois sussurrou docemente:
- Querida Denise, para não ver seus olhos tão lindos molhados de lágrimas, daria não a minha fortuna, mas meu próprio sangue!

2 comentários:

  1. Denise, mais uma vez, safou-se. Vamos ver até quando... Muito interessante!

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  2. Denise conseguiu enganar Fernando mais uma vez, e ainda sujou a barra de Luís Paulo! Que raiva! Estou indócil pra ver a virada dos bons rsrsrs. Que folhetim!

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