domingo, 24 de fevereiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 23 - PARTE 1 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXIII - Parte 1

O SACRIFÍCIO DE MARIA “FLOR DE AMOR”

Momentos depois, Luís Paulo chegava ao escritório de Ubaldo Duroi. O detetive, naturalmente, ficou um tanto surpreso ao ver o barão surgir daquela maneira, pálido e excitado. Ofereceu uma cadeira que Luís Paulo não aceitou. Então Ubaldo perguntou:
- Aconteceu alguma coisa grave? Está tão transtornado...
- O fato de eu estar aqui, sem avisar, bem o demonstra!
- Pois bem, pode confiar em mim. Ao mesmo tempo, recomendo-lhe calma, já que, em certas ocasiões, é prejudicial perder o controle.
- A calma nunca foi uma de minhas grandes qualidades! Em todo caso, vim falar-lhe sobre uma carta de Ivonne Delapierre, aquela tal cartomante, que há pouco me foi entregue...
- Uma carta?
Luís Paulo tirou do bolso a carta que tomara de Rosane.
- Exatamente, senhor Duroi! Uma carta, na qual ela acusa a minha esposa de infidelidade!
- Mas não é possível!
- Leia, por favor!
Ubaldo, assim que deu uma olhada na folha de papel que o barão de Rastignac lhe estendia, custou a conter uma exclamação de espanto. Estava convencido da veracidade da acusação, já que se lembrava perfeitamente que fora obrigado a prender Afonso, justamente tentando salvar Denise.
- Maldição! - explodiu, olhando e tornando a olhar para o papel. - Afonso é muito rápido nas suas ações!... E eu que pensava que ele, depois de fugir da prisão, estivesse preocupado somente em esconder-se em algum buraco!
- Então - perguntou Luís Paulo com impaciência - que me diz a respeito disso?
O detetive, o qual não podia dizer ao barão para não acreditar naquela carta, temendo que ele mesmo fosse verificar os fatos, limitou-se a dizer:
- Não se pode ficar indiferente, realmente, a uma carta igual a esta...
- E daí?
- Esta Ivonne Delapierre se expõe a uma grave acusação por difamação...
O barão Luís Paulo fez um gesto de raiva.
- Isto tem pouca importância! Resta saber se você quer vir comigo e, assim, em nome da lei poderá dar voz de prisão a esse meliante.
Ubaldo Duroi, procurando manter a calma, sentou-se atrás da escrivaninha.
- Senhor barão, temos que ponderar a situação...
- Acho que não há muito o que pensar!
- Poderia ser somente uma cilada...
- Pois, então, vamos ver!
Já que não havia maneira de acalmar Luís Paulo, o detetive afirmou:
- Por favor, tenha a bondade de ouvir-me por um instante.
- Mas temos pressa, Duroi! - replicou o rapaz. - Caso contrário, chegaremos tarde demais!
- Então, acredita que o que está escrito na carta seja verdade?
Luís Paulo abriu os braços.
- Que sei eu? Quero verificar, só isso! E...
- E se por acaso a baronesa tivesse sido atraída aquele hotel com um expediente qualquer e não para traí-lo? Não poderia estar sendo vítima de falsas aparências?
- Explique-se melhor!
- Deve convir que não tem muita confiança em sua esposa...
- Não sei... Confesso que perdi a cabeça...
Ubaldo sorriu ligeiramente.
- O que eu ouvi foi somente isto: o senhor pretende ir até o hotel "Gardênia Azul". Não é assim?
- Sim, é isso mesmo.
- Admitamos, portanto, que a baronesa tenha recebido uma carta igual a esta, na qual dissessem que o senhor se entretinha com uma mulher naquele hotel...
- Mas eu me encontrava no meu palácio quando Denise saiu.
- Pode ter ido antes para surpreendê-lo.
Impressionado com os argumentos do detetive, Luís Paulo concordou em sentar-se.
- Afinal, que vamos fazer? - perguntou Ubaldo Duroi, inclinando-se mais para ele. - Sem dúvida alguma, barão de Rastignac, estamos lidando com uma pessoa muito astuciosa, a qual tem por objetivo o encontro de sua esposa com alguém naquele hotel. Pois bem, poderia ser tudo uma trama montada por Ivonne Delapierre a qual, com uma finalidade que ainda não consegui apurar, parece estar resolvida a arruinar o seu casamento.
- Eu ficaria bem feliz se as coisas estivessem no pé em que você diz...
- Vê, então, que não devemos nos precipitar!
Mas se Ubaldo julgava ter vencido a parada, era por não contar com a impulsividade de Luís Paulo. Este, realmente, levantou-se e disse escandalizado:
- Não devemos nos precipitar? Pelo contrário, devemos ir verificar imediatamente o que se passa e procurar punir o culpado desta brincadeira de mau gosto, seja ele quem for!
- Concordo, mas...
- Afinal, Duroi, quer ou não quer vir comigo ao "Gardênia Azul"?
- Se eu fosse o senhor, barão de Rastignac, não iria a esse lugar.
- Então, dê-me um bom motivo para não fazê-lo!
- Para dizer a verdade...
- Está vendo? Se não quiser ir comigo, eu irei sozinho!
O detetive, percebendo que qualquer tentativa para deter Luís Paulo seria inútil, disse com ar conformado:
- Neste caso, eu também vou. Não permitirei que se exponha a certos perigos...
- Quanto a isso, não tenha medo!
Ubaldo, malgrado aquilo tudo, esperava poder ajudar Denise de qualquer maneira. Confiava muito na sua habilidade e na sua experiência para tentar salvar aquela que agora sabia ser sua filha. A pesada carruagem do barão Luís Paulo, porém, custava a vencer o trânsito e eles demoravam muito a chegar. E Ubaldo se regozijava a cada parada forçada que a carruagem dava.
Tremia ao pensar na situação precária em que sua filha se encontraria se eles chegassem a tempo! Se o destino fora favorável à Denise até aquele dia, as coisas poderiam mudar de repente e o detetive, apesar de toda a sua força de ânimo, sentia-se vacilar ao pensar que pudesse ser obrigado a prender Afonso Houdin juntamente com sua filha!
Luís Paulo, com a testa banhada de suor, sombrio e pensativo, permanecia imóvel como uma estátua.
- Senhor barão, gostaria de fazer-lhe uma pergunta – disse, de repente, Ubaldo Duroi.
- O que se trata?
- Se, por um maldito acaso, verificarmos que... Sua esposa é culpada e que a cartomante tinha razão... Como pretende agir?
- Bem, não farei certas cenas de ciúmes que põem em ridículo os maridos. De qualquer forma, se aquele que se encontra com ela manifestar intenções belicosas, terá que se haver comigo. Estou armado e nunca me deixei vencer por ninguém!
Ao ouvir aquelas palavras, malgrado toda a sua frieza, o detetive sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
Contudo, murmurou:
- Claro, claro... Sempre é melhor estar preparado para enfrentar qualquer espécie de perigo...
No mesmo instante, a carruagem dobrou por uma rua lateral e, logo após, estacionava diante do hotel "Gardênia Azul".
O porteiro, ao ver aquela berlinda de luxo, correu imediatamente ao encontro daqueles que julgou serem novos clientes, perguntando atenciosamente:
- Os senhores desejam aposentos?
Sem responder, Luís Paulo perguntou por sua vez:
- Você viu, por acaso, entrar uma senhora loura, bastante alta e muito elegante?
Encabulado, o homem murmurou:
- Não sei dizer...
- Como não sabe?! Viu ou não viu?
Apesar do tom decidido do barão Luís Paulo, o porteiro sorriu levemente.
- Veja - murmurou - antes de responder, preciso saber quem são os senhores.
A frase era duvidosa: exatamente aquela que qualquer porteiro de um hotel mal-afamado como o "Gardênia Azul" faria.
O barão de Rastignac estava, portanto, para dizer algo ao homem, quando os ecos da balbúrdia que Afonso Houdin provocava no andar superior chegaram à entrada do hotel.
- Está ouvindo lá em cima? - disse Luís Paulo imediatamente a Ubaldo. - Vamos! Siga-me!
E assim dizendo, empurrando o porteiro bruscamente, lançou-se escadas acima, seguido a pouca distância pelo detetive.
Afonso, porém, ao ouvir o ruído de passos que se aproximavam e vendo aparecer no corredor o barão de Rastignac, seguido de Ubaldo Duroi, tomado de pânico, não achou nada melhor, já que todas as vias de fuga estavam fechadas, do que refugiar-se novamente em seu quarto.
E assim, quando Ubaldo e Luís Paulo chegaram ao ponto em que haviam descoberto Afonso Houdin, encontraram-se diante de várias portas, todas fechadas.
O barão de Rastignac tirara a pistola do bolso e apertava-a convulsivamente na mão fechada.
Incerto, virou-se para o detetive.
- Viu em que porta ele entrou?
- Não tive tempo... Vinha atrás do senhor.
O destino estava sendo muito cruel com Maria “Flor de Amor”. Aquela mulher que era justamente a causa da sua infelicidade, ela poderia deixar expulsar, desmascarar, revelar a infâmia de que fora capaz, mas não o fez.
Quanto ao barão Luís Paulo, quem poderia descrever a impressão que sentiu ao rever a mulher inesquecível que julgava morta? Onde tornava a ver a mulher que amara e pela qual sofrera tanto?  No hotel "Gardênia Azul", o hotel mais equívoco da cidade e justamente na companhia de um bandido da pior espécie, que se apressara em esconder-se, ao invés de defender a moça que estava com ele!
Enganado pelas aparências, pensando que Maria "Flor de Amor" era culpada, Luís Paulo permaneceu imóvel, incapaz de mover-se. Por sua vez, embora sem se aproximar, Maria "Flor de Amor" fitou-o com seus olhos cor do céu e disse com ar infinitamente triste:
- Luís Paulo... Eu teria dado a vida para revê-lo ao menos por um instante. E agora, mesmo achando-me nesta situação, estou feliz da mesma forma...
O barão Luís Paulo, ainda sob o efeito da tremenda surpresa, não soube o que responder.
Havia uma luta tremenda em seu íntimo. Agora acreditava que ela era uma pobre infeliz, uma criatura que fizera de tudo para se passar pela filha de Fernando Chanteloup, ao passo que ele possuía as provas de que Denise e, nenhuma outra, era a descendente daquela nobre família.
Maria "Flor de Amor" compreendia muito bem o que lhe estava acontecendo. Mas ela que, naquele momento, poderia aproveitar as circunstâncias para se defender, para fazer valer a sua inocência, não reagiu... Inclinada para ele, disse com voz suplicante:
- Querido... Sei que agora um abismo intransponível nos separa... Mas só lhe peço uma coisa: não me julgue! Não me imponha o suplício terrível do seu desprezo!...
Luís Paulo, ao ver a mulher amada a ponto de correr para ele, tremeu, sentindo em seu íntimo o desejo desesperado de abraçá-la, de cobri-la de beijos, de esquecer tudo nos seus lábios divinos.
Mas seus olhos caíram mais uma vez sobre o aposento no qual a encontrara... Tornou a ver a figura de Afonso Houdin, o bandido, aquele que agora acreditava ser o amante de Maria "Flor de Amor". E, enfiando novamente a pistola no bolso, enquanto Ubaldo Duroi, ignorando o drama que se desenrolava à sua frente, suspirava aliviado, lançou à Maria um olhar frio e distante!
- Não tente justificar-se, seria perfeitamente inútil! - disse Luís Paulo. - Sou um homem e posso compreender muito bem a situação, embora você vá procurar falseá-la com palavras mentirosas, que não precisa pronunciar. Não tema, não a julgo porque não tenho esse direito! Você não representa absolutamente nada para mim! Já se passaram os dias em que eu via somente o seu rosto e só vivia para a sua lembrança! Está tudo terminado!
- Luís Paulo! - suplicou Maria "Flor de Amor" desesperada. - Pelo amor de Deus... Não fale assim!...
- Sua presença neste lugar não deixa dúvidas! Sonhei por muito tempo, confesso, com você, mas agora abri os olhos finalmente - replicou o barão.
- Cale-se, Luís Paulo! Cale-se, pelo amor de Deus!...
- Não, eu tenho o direito de falar! Por que lhe pouparia o meu desprezo? Quem é você para me pedir isso?
Maria "Flor de Amor" parecia petrificada. Só os seus lábios pálidos tremiam convulsivamente... Cada palavra de Luís Paulo a feria como uma chicotada. Se a morte a levasse naquele instante, ela a saudaria com alegria, como se fosse uma libertadora.
Não podia acreditar em seus ouvidos.
Não queria se convencer de que era mesmo Luís Paulo, o seu Luís Paulo, a dizer-lhe aquelas palavras terríveis.

Um comentário:

  1. Nesse folhetim, as coincidências só acontecem para prejudicar os heróis. Quando será que isso vai mudar? Vamos ver... Mas a história está muito interessante...

    ResponderExcluir