sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 19 - PARTE 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA


O INFERNO
DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL

Capítulo XIX (continuação)
UM CORAÇÃO TORTURADO


- Querida! - disse-lhe com ternura - como deve ter sofrido! E que aconteceu com ele? Tornou a vê-lo, depois daquela noite alguma vez?

- Nunca mais! - respondeu Luísa, com voz estrangulada. - E eu o amava! Juro que o amava, apesar de sua perfídia e de sua vida dissoluta.
- Não tentou encontrá-lo?
- De que me serviria? Afonso sabe muito bem esconder-se.
Maria "Flor de Amor" teve um sobressalto:
- Você disse que ele se chama Afonso? Alto? De cabelos ruivos? - perguntou, ansiosa e estupefata. - Mas, então, era ele! Ele mesmo!
- Ele, quem? - perguntou a pobre doente, apertando convulsivamente a mão da amiga. - Diga-me... Você o viu?  E lhe falou?
- Oh! Luísa querida... - murmurou Maria "Flor de Amor", ao mesmo tempo em que seus olhos se enchiam de lágrimas. - A sorte foi bem cruel com você, minha boa amiga! Aquele homem é um patife e um assassino!
Luísa se retraiu, horrorizada e mal conseguiu conter um grito:
- Um assassino? Meu Afonso, um criminoso? Que diz você, Maria "Flor de Amor"? Enlouqueceu?
- É ele, eu lhe asseguro, é ele mesmo. Foi ele quem, há pouco, apunhalou uma pobre mocinha inocente. E depois, como se isso não bastasse, como se sua culpa já não fosse imensa e sem perdão, acusou outra pessoa, um bom e honesto rapaz...
Luísa, estarrecida, respirava dificilmente e sua face estava exangue...
- Senhor! - murmurou. - Tenha piedade dele!
- Só Deus pode ajudar-nos neste momento - disse Maria "Flor de Amor". - Foi certamente graças a ele que consegui descobrir o engano, e por isso, minha amiga, peço-lhe que me ajude para que se faça justiça.
Maria "Flor de Amor" tinha o rosto em fogo, pela emoção, e sua voz era aflita, enquanto procurava dominar com o olhar a pobre doente, que já não parecia ter mais vontade própria.
- Afonso deve ser punido! - afirmou Maria "Flor de Amor". - E o meu amor será libertado, ninguém mais suspeitará dele.
- Amo meu marido - balbuciou Luísa. - Eu o amo, apesar de tudo, já lhe disse...
- Você não terá que acusá-lo - explicou Maria "Flor de Amor", - Não terá que fazer mais que fingir estar passando muito mal... O doutor Démon virá ver o que você tem e eu poderei entrar no gabinete dele, sem que ninguém me atrapalhe. Sei o que devo fazer...
Vendo que a jovem estava ainda hesitante, apressou-se a acrescentar:
- Trata-se de impedir um novo delito, Luísa! Quer tornar-se cúmplice daquele monstro? Quer que ele, ajudado pelo doutor Démon, dê cabo da moça que já tentou assassinar? Onde está a sua honradez?
A enferma fechou os olhos e murmurou, resignada:
- Está bem, querida, farei o que deseja. Pedirei socorro, simularei estar passando muito mal. Minha consciência não me deixará em paz se souber que uma criatura humana encontrou a morte, porque nada fiz em sua ajuda.
Maria "Flor de Amor" beijou-a com gratidão, e depois, nas pontas dos pés, retornou ao seu quarto e ficou aguardando o momento de penetrar no gabinete do médico canalha. Depois de enervante espera, que durou mais ou menos uma hora, ouviu passos rápidos no corredor e vozes agitadas, eram duas enfermeiras que passavam conversando entre si e uma delas bateu na porta do gabinete do doutor Démon, chamando:
- Doutor! Luísa está passando mal!
Houve um momento de silêncio e depois a voz rouca do maléfico doutor respondeu:
- Está bem. Mas não é sangria desatada, dentro em pouco irei vê-la.
Quanto tempo decorreu, antes de a porta ser aberta? Foram poucos, minutos, mas que à Maria "Flor de Amor", que esperava ansiosa, parecera uma eternidade.
Quando os passos do doutor deixaram de ser ouvidos, o que significava que ele estava no fim do corredor, e entrara no quarto de Luísa, Maria "Flor de Amor" tirou os sapatos, abriu a porta cautelosamente, silenciosa e, furtiva, penetrou naquele recinto de crimes que era o gabinete do doutor Judas Démon, onde olhou em torno por um instante. Nada na escrivaninha. Só havia alguns papéis, uma garrafa de água, um copo, sobre uma pequena mesa, um vaso de flores...
"Não é possível"... Murmurou Maria “Flor de Amor” para si mesma: "Não é, possível que eu tenha sofrido tanto inutilmente! Que a pobre Flora esteja condenada a morrer nas mãos daquele assassino!” De repente, Maria “Flor de Amor” pareceu ouvir ruídos... Apurou os ouvidos... Felizmente era somente o desespero de estar fazendo algo que se fosse descoberta, seria o seu fim. Mas, onde teria o maldito médico colocado o veneno? Aproximou-se da pequena mesa, afastou o vaso de flores e, de súbito, descobriu, quando seu coração já estava a bater fortemente, um pequenino frasco contendo um líquido incolor, de aparência absolutamente inócua.
Era o veneno destinado a Flora Sardon.
Com mãos que absolutamente não tremiam, Maria "Flor de Amor" derramou o conteúdo do frasco no vaso onde estavam as flores, depois, com muito cuidado para não deixar pingar sequer uma gota, encheu outra vez o frasco com a água da garrafa e recolocou-o no lugar onde estava antes.


Seus nervos estavam tensos, tão tensos que sentia vontade de rir, de rir e chorar ao mesmo tempo.
Cautelosa, silenciosamente, regressou ao quarto e, uma vez fechada a porta, recostou-se nela com um suspiro de alívio.
A primeira parte do seu plano dera resultado. Agora, só restava esperar e ver de que modo se precipitariam os acontecimentos.
Ajoelhou-se junto à cama, juntou as mãos e murmurou uma prece de agradecimento a Deus por lhe ter dado, embora prisioneira naquela lúgubre clínica, a possibilidade de ajudar Luís Paulo e à vítima da perfídia de Afonso.
Estava para deitar-se e tentar dormir, quando ouviu baterem à porta. Não respondeu de imediato, temendo que o doutor Démon tivesse descoberto o seu truque e tivesse vindo em sua busca.
As batidas se repetiram insistentes.
- Quem é? - perguntou Maria "Flor de Amor", antes de abrir.
Respondeu-lhe a voz de uma enfermeira:
- Senhorita Maria... Venha depressa... Aconteceu uma desgraça...
Abriu, então, embora ainda assustada. A luz, espectral do corredor deixou ver o rosto, da enfermeira.
- Venha - disse ela, estendendo a mão e segurando-lhe o braço. - A coitada da Luísa... Morreu!
Como se a terra se tivesse aberto aos seus pés, Maria "Flor de Amor" vacilou e recuou instintivamente, não podia acreditar naquela notícia terrível. Luísa, morta? Deixara-a, havia pouco, apenas com dor de cabeça. Tinham combinado entre si que a pobre doente fingisse estar passando mal. Que havia acontecido? De que maneira a simulação se transmudara em verdade?
- Venha - disse novamente a enfermeira, cujo semblante não traduzia a mais leve emoção. - Pensei que gostaria de vê-la ainda uma vez, pois vamos levá-la agora mesmo, e era sua amiga.
Cambaleando, Maria "Flor de Amor" acompanhou a outra pelo corredor, e quase havia transposto a porta do quarto de Luísa, quando a voz de Démon a fez estremecer.
- Por que entrou aqui, Maria? A pobrezinha sofreu um ataque cardíaco, não padeceu muito... Mas sei que a vista do cadáver de sua amiga lhe causará muita tristeza... Ficara entre ela e a porta e olhava-a com aqueles olhinhos malévolos, que causavam medo e repulsa a pobre Maria "Flor de Amor".
- Venha ao meu gabinete, quero falar-lhe - disse com uma voz baixa e falsamente doce, o doutor Démon.
- Quero ver minha amiga - disse Maria "Flor de Amor", tremendo. - Quero beijá-la pela última vez. Deixe-me vê-la, doutor!
- Não! Agora não - respondeu ele. E, fazendo-a caminhar à sua frente, forçou-a a voltar por onde viera. - No momento, a vista daquela pobrezinha a perturbaria muito - disse. - Mais tarde, quando seu corpo estiver vestido, quando o tivermos colocado entre flores...
Parecia um gracejo atroz, falar em flores naquela casa sinistra dos mortos-vivos, porém Maria "Flor deAmor" não quis insistir para não irritar o médico e entrou no gabinete dele.
Sobre a escrivaninha estavam ainda os papéis, como há pouco, o vaso com flores estava na mesinha, parecia que ali nada havia acontecido e, no entanto, em poucos momentos, a vida de três pessoas tinha sido completamente mudada.
Depois de um instante, vencida pela emoção, trêmula de medo de que Judas Démon desconfiasse da substituição do líquido no frasco, Maria "Flor de Amor" se deixou cair numa cadeira e começou a chorar, as lágrimas lhe banhavam o rosto, os soluços lhe sacudiam o peito.
- Mas, vamos! Que é isso? - perguntou Démon, aproximando-se.
Ela procurou recuar, para afastá-lo de si, mas se dominou a tempo e respondeu apenas:
- Luísa era tão boa e queria-me tanto bem, e eu a ela...
- Sim, sim, compreendo - disse o médico. - É uma grande dor, sim, mas não se deve desesperar dessa forma. Era uma pobre doente incurável e talvez tenha sido melhor para ela...
- Mas gostava de mim - disse Maria "Flor de Amor".
O doutor Démon, então, pousou uma das mãos sobre a cabeça da jovem e lhe acariciou os cabelos.
- Eu também gosto de você, Mariazinha... - declarou Démon, e sua voz era melíflua e cheia de falsa ternura. - Também gosto de você, e se você não fosse tão arredia comigo, um dia eu a tornaria dona disto tudo, deste manicômio que é tão rendoso!
Continuava a acariciar-lhe os cabelos e Maria "Flor de Amor", com um gesto brusco, levantou-se e se afastou dele, fazendo menção de sair da sala.
- Maria, que há agora? - perguntou Judas Démon, tornando-se imediatamente rude e autoritário. - Você mesma disse que estava satisfeita por permanecer aqui, comigo, que não tinha mais ninguém no mundo... Por que não se decide a aceitar o meu sentimento?
A moça inclinou a cabeça e, vencendo a tempo o desejo de lançar no rosto daquele patife o quanto sua manifestação de afeto a repugnava, juntou convulsivamente as mãos e murmurou:
- Por favor, doutor... Não é hora de falar nisso... A morte da pobre Luísa foi um golpe muito rude para mim, estou inteiramente perturbada e não sei mais o que digo e o que faço...
Novamente ele se aproximara dela.
- Não leve a mal se não pareço dar apreço ao seu afeto, doutor - disse Maria "Flor de Amor", procurando mostrar-se submissa e dócil. - Sei que me quer bem, já me deu muitas provas disso e tenho inteira confiança no senhor. Mas preciso ficar sozinha, doutor... - olhou-o apenas por entre os cílios e acrescentou: - Um dia desses falaremos do que o senhor me disse. Prometo-o doutor. Démon lhe tomou a mão, apertou-a ardentemente e, sorrindo, deixou ver duas fileiras de dentes amarelos e horríveis.
- Maria... Doce como seu próprio nome. Lembre-se de que me prometeu dar uma resposta. O mais depressa possível, minha querida.
- Boa noite, doutor - disse Maria "Flor de Amor".
E exausta de tantas emoções repentinas, amedrontada e esgotada foi trancar-se no seu quarto onde, finalmente, pôde enfiar-se sob as cobertas. Em vão, porém, tentou adormecer. Havia já decorrido muito tempo, sem que o sono chegasse para restaurar suas forças combalidas, quando um rumor lhe chegou aos ouvidos. Sem fazer o mínimo ruído, a jovem se ergueu do leito e, pela frincha da porta, que abriu com cuidado, pôde distinguir o homem que horas, antes estivera em conversa com o diretor do manicômio. Era Afonso, que tinha na mão o frasco que ela, em tempo, havia tirado dele o veneno e enchido de água pura, e caminhava para a saída. Só então a pobre moça, esgotada ao extremo, mas satisfeita por ter salvo a vida de uma inocente, voltou para o leito.
A claridade da aurora já começava a penetrar no quarto, e ela ainda não pregara olhos.
"Agora tenho que fugir", continuava a pensar. "Devo fugir deste horrível manicômio. Isto aqui sempre me foi insuportável, mas agora, depois do que Démon disse ontem, não mais poderei viver aqui."
E a voz de sua dor lhe perguntava: "Mas como, Maria "Flor de Amor"? Como poderá sair se todas as portas estão fechadas para você, se a vigilância que o doutor Judas Démon organizou, juntamente com seus asseclas, é tremenda? "Viviana!", pensou Maria "Flor de Amor", "é uma pessoa desprezível, muitas e muitas vezes eu a vi maltratar doentes indefesos, tive muitas oportunidades de conhecer seu mau coração... Mas não é verdade que Deus, na sua bondade, muitas vezes se serve de criaturas indignas, para os seus desígnios? Viviana disse que me poderia ajudar... Que está pronta a fazê-lo." "É imprudente", aconselhava-lhe a razão. "Se Viviana se ofereceu para ajudá-la, tem, certamente, um objetivo secreto, não sabe em quem se fia, não sabe o que poderá acontecer..."
Lutando com esses pensamentos contraditórios, a pobre Maria "Flor de Amor" nem reparou que já era dia claro. Quando notou, sobressaltada, ouviu a voz do doutor Démon que, batendo à sua porta, dizia:
- Bom dia, minha amiguinha... Bom dia para você!
Isso ainda mais a decidiu a jogar com a sorte. Resolvida, pois ia fugir, ia escapar à insistência daquele malvado que lhe provocava tamanha repulsa, foi logo depois procurar Viviana e encontrou a enfermeira fazendo a limpeza no quarto de Luísa.
A pobre morta já fora transportada para a capela, e aquelas quatro paredes que tinham visto seu desespero e seu triste fim, estavam prontas para acolher outra criatura infortunada.
- Viviana - disse-lhe em voz baixa, depois de ter fechado aporta ao entrar - lembra-se do que me disse ontem?
- Claro - respondeu a outra, com ar malicioso. - Lembro-me muito bem, e também de que fiquei espantada por ver que não queria aceitar a minha ajuda...
- Estive pensando melhor, Viviana - respondeu Maria "Flor de Amor". - Se você ainda quisesse fazer o que me ofereceu, se me ajudasse a sair desta casa maldita, procuraria todos os modos para lhe demonstrar meu reconhecimento. Oh! Viviana! - E Maria "Flor de Amor" juntou as mãos - Eu não aguento mais! Tenho medo de ficar louca de verdade!
A mulher largou a vassoura a um canto, abriu um momento a porta, verificando se não havia ninguém por perto e disse, em voz baixa:
- Pois eu sei de um meio... A única sala que tem porta para o exterior, e na qual a vigilância é quase nula, é a da capela. Esta noite, à última hora, os enfermeiros levarão da capela para a sala de anatomia o corpo de Luísa. O doutor Démon resolveu fazer a autópsia. Trate de chegar antes deles.
- Oh! Não! Não terei coragem! - balbuciou Maria "Flor de Amor", aterrada só de pensar em permanecer a sós, no escuro, na capela, com a morta.
- Não seja tola! - replicou Viviana. - Eu irei juntamente com os homens, tratarei de distraí-los, afastá-los-ei com um pretexto qualquer e, enquanto eles não se ocuparem de nós, fugiremos juntas. Iremos para minha casa, que fica na outra margem do rio, não muito longe daqui. É um lugar seguro e o doutor Démon não pensará em nos procurar lá, porque nunca soube que, além do quarto que me dá aqui, eu possuo outra morada.
- Mas... Poderemos mesmo fugir?- perguntou ainda incerta a mocinha.
- Certamente, se você não for boba, se não, lhe faltar coragem no último momento e se souber agir com rapidez. De outro modo, será o seu futuro.  E, também, o meu... - disse Viviana com, voz soturna.

6 comentários:

  1. Paulo, já estou com pena de Maria "Flor de Amor", acho que vai entrar numa fria confiando em Viviana! Coisas terríveis devem acontecer, como em todo folhetim que se preze. Vou esperar curiosa! Muito bom! Bjs

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    1. Claro que vem uma grande "FRIA" por aí.
      Beijos, Maria do Sul.

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  2. **** Lete Souza ****5 de outubro de 2012 às 10:27

    Uii Acho que Maria num deveria confiar tanto em Viviana .... Vaamoss Aguarda os proximos capitulos!! Bjss

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    1. Bem vinda ao grupo de comentaristas, Lete, o enredo ainda vai esquentar muito. Beijos.

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  3. Paulo, também acho que tem alguma coisa errada com essa proposta de Viviana. Vamos esperar para ver. A história está eletrizante. Parabéns!

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