O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
CapítuloXXIII
O JURAMENTO A UM MORIBUNDO (CONTINUAÇÃO)
Assustadíssimo,
Luís Paulo se curvou para o pai, procurando reanimá-lo e ajudá-lo. Vendo,
porém, que as mãos dele, que segurava, tornavam-se cada vez mais frias,
ergueu-se depressa, dizendo:
-
Vou chamar o médico, papai... Um momento...
Mas
o velho fidalgo, erguendo a mão com dificuldade, puxou para si o filho e disse,
com voz já bem fraca:
-
Não... Não... Não adianta o médico... Não poderá... Fazer mais nada!
Prometa-me... Mais uma vez, meu filho... Que você casará com a filha de
Fernando...
Com
o coração constrangido, Luís Paulo se aproximou novamente do velho pai,
colocando-lhe a mão no braço. Não podia, não tinha coragem de lhe dar tamanho
desgosto, naquele momento em que a asa gélida da morte o estava envolvendo...
Com
o rosto contraído pelo sofrimento, Luís Paulo, enquanto sentia a impressão de
que a doce voz de Maria "Flor de Amor" o chamava de longe, pronunciou
pela segunda vez, o solene juramento:
-
Juro que saberei cumprir a promessa de desposar a filha do conde Fernando
Chanteloup.
-
Obrigado, meu filho... E agora, depressa, trate de chamar Fernando... Quero
falar com ele... Antes que tudo tenha
acabado... Depressa, peço-lhe...
Fazendo
um grande esforço para não se deixar vencer por um acesso de desespero, torturado
ao mesmo tempo pela dor de ver o pai moribundo e pela certeza de não poder mais
realizar seu sonho de ventura com Maria "Flor de Amor", Luís Paulo se
lançou para fora do aposento. O mordomo, que esperava do lado de fora,
disse-lhe que Fernando se encontrava na biblioteca. Ia acrescentar qualquer
coisa, mas Luís Paulo, sem lhe dar atenção, correu ao lugar indicado, abrindo
impetuosamente a porta.
Além
do conde Fernando, porém, sentada numa poltrona, elegantíssima num vestido de
alta costura, mas que, por outro lado, não condizia com uma visita a um doente
grave, estava a linda Denise. Por um momento, ficou indeciso. Depois, com a voz
alterada, disse:
-
Bom dia, condessinha... Desculpe, conde... Meu pai quer falar-lhe
imediatamente... Seu estado é desesperador agora...
Rapidamente,
Fernando se pôs de pé e, acompanhado por Denise, embora esta não tivesse sido
convidada, dirigiu-se para o quarto onde o conde estava a morrer.
-
Aproxime-se de mim, Fernando - disse o velho fidalgo. - Estou muito mal e sei
que não resistirei muito tempo... Antes de mais nada, quero agradecer o que
você fez pelo meu filho e por mim. Não abandone Luís Paulo, peço-lhe! Ele é tão
jovem... Falei-lhe acerca do nosso projeto de casamento, dele com a sua
filha... E ele... Disse que está de
acordo...
-
Luís Paulo será um segundo filho para mim - prometeu o conde, que procurava
conter as lágrimas, à vista do velho amigo Ernesto. - Estou certo de que Denise
será capaz de fazê-lo feliz e de sentir-se também feliz ao lado dele.
Ernesto
de Rastignac voltou-se para Denise, que acompanhava a cena com estranha
expressão de júbilo.
-
Aproxime-se, minha querida, e dê-me sua mão... Você também, Luís Paulo...
Quando
os dois jovens obedeceram, sussurrou o barão, com a voz cada vez mais fraca:
-
Uno as vossas mãos, meus filhos... E faço votos para que permaneçam sempre
unidos, por toda a vida...
Denise,
intempestivamente, exclamou:
-
Barão Ernesto, não tenha receio! Estou apaixonada pelo seu filho e, pela parte
que me toca, pode morrer descansado que, se ele me quiser como esposa, nunca o
abandonarei, nunca!
-
Luís Paulo - interveio Fernando - Denise diz a verdade. - Há alguns dias me
confessou seu amor por você. Mas, agora, quero ouvir a sua opinião...
-
Sim... - acrescentou lentamente o moribundo - sim, Luís Paulo, você deve dizer,
diante de Fernando, se quer de fato sua filha como esposa.
-
Quero, papai... - murmurou Luís Paulo, surdamente. - Quero desposar a filha do
conde Fernando.
Não
havia o rapaz acabado de pronunciar estas palavras, com o cenho contraído, e já
Denise se atirava nos seus braços, ocultando o rosto em seu peito, talvez para
simular uma emoção que estava longe de sentir.
E
então o barão Ernesto, com um leve sorriso nos lábios, fechou os olhos e seu
coração deixou de pulsar.
O
conde Fernando e sua filha Denise se retiraram. Luís Paulo permaneceu por longo
tempo ao lado do corpo do pai. Fernando cuidou em seguida dos pormenores
necessários para o enterro do barão.
Só
à tarde, quando o salão, para onde fora conduzido o cadáver, começava a ficar
imerso na escuridão, Denise, cansada de esperar na biblioteca, para ali se
dirigiu e, achegando-se a Luís Paulo, sussurrou:
-
Querido, saia daí, peço-lhe... Você não comeu nada durante todo o dia. Beba, ao
menos, leite ou uma bebida quente, para se reanimar um pouco.
Por
alguns instantes, pareceu que ele nem sequer a ouvira, depois se levantou, pois
era certo que até aquele instante estava em jejum e se encaminhou para a porta.
Denise, sem sequer lançar um olhar para o morto, que, de resto, não provocava
em seu coração de pedra a menor emoção, tratou de segui-lo até a sala vizinha.
Uma
vez ali, Luís Paulo se aproximou de um armário e, depois de ter bebido um trago
de licor, que fez voltar a cor ao seu rosto, até então impressionantemente
pálido, virou-se para ela e disse, fitando-a profundamente nos olhos:
-
É bom que nos encontremos a sós, Denise. Preciso falar-lhe.
A
moça se aproximou, envolvendo-o com o perfume que seu corpo irradiava, com
exagero.
-
Pode dizer, Luís Paulo, meu futuro esposo.
-
Quero falar-lhe honestamente, como um fidalgo, porque sei que deste colóquio
dependerá nossa futura felicidade. Não nos conhecemos bem e, se você me ama,
isto aconteceu porque nos vimos apressadamente uma ou duas vezes...
Naturalmente, sinto-me lisonjeado por ter despertado o interesse de uma jovem
como você... Mas está certa de que seu sentimento por mim é sincero, e não
devido a uma impressão passageira, como acontece tão comumente entre pessoas
jovens?
-
Estou certíssima! - respondeu Denise, lançando ao rapaz um olhar lânguido e
cheio de promessas.
Luís
Paulo se deixou cair numa poltrona, desencorajado:
-
Perdoe... Mas lamento que as coisas sejam assim - murmurou. - Desejaria que
nunca nos tivéssemos encontrado, condessinha Denise! Seria muito melhor para
nós...
-
Por que fala dessa maneira, Luís Paulo?
-
Por quê? É penoso explicar e receio que depois disso você me odeie, Denise, em
vez de amar... O que quero dizer é isto: eu, embora não possa dizer que você me
desagrade, não estou em condições de retribuir o seu amor... Meu coração
pertence a uma outra jovem, a quem amo com verdadeira paixão.
O
rapaz não suspeitava que, falando com sinceridade à Denise e expondo-lhe seu
gravíssimo problema de consciência, iria provocar o seu ódio. Se, pudesse ler,
naquele instante, os pensamentos que fervilhavam na mente daquela criatura
perversa, arrepender-se-ia do seu modo de agir! No entanto, Denise, com os
olhos fixos nele, parecia refletir intensamente.
-
Posso saber - disse de súbito - porque, se não me ama, prometeu casar-se
comigo, diante de seu pai moribundo?
-
Por um simples motivo, que lhe direi agora mesmo: meu pai estava a morrer e
aquele era o único meio de que deixasse este mundo com o coração em paz! Você,
no meu lugar, teria negado esse consolo a um pobre velho?
Para
surpresa do moço, Denise deixou escapar uma risada sarcástica, que fazia
tremendo contraste com a atmosfera que reinava na casa.
-
Que nobre coração tem você, Luís Paulo! É uma criatura cheia de delicadeza e de
atenções! Não quis dar um desgosto a um moribundo, mas não se importa de
maltratar o coração de uma mulher que o ama! Francamente, não podia supor que
sua consciência fosse assim tão elástica...
Ante
aquelas palavras injustas, pronunciadas com marcada acritude, Luís Paulo
compreendeu que se enganara, supondo que naquela criatura tão bela pudesse
existir um pouco de raciocínio e de humana compreensão.
Parecia-lhe
ter caído numa armadilha e de que dela não conseguiria sair, mesmo fazendo os
maiores esforços.
-
Condessinha - insistiu ainda Luís Paulo. - procure raciocinar! Acredito...
Acredito que não está formulando um juízo sensato, desapaixonado, sobre a
situação em que me encontro. Será possível que não perceba o que significa um
casamento sem amor?
-
Unicamente da sua parte, Luís Paulo de Rastignac!
-
Mas, mesmo que você me ame, Denise, obstina-se em não querer interpretar o
verdadeiro sentido das minhas palavras! Uma pessoa que ama não se comporta como
você... Não quer compreender que o pior dos males que possam ferir um homem é o
de simular um sentimento que, na realidade, está bem longe de possuir? Certo,
poderei desposá-la, viver ao seu lado dia e noite, mas a todo instante, dia e
noite, o semblante querido de outra mulher estará diante dos meus olhos,
contrapondo-se ao seu! Isso será terrível, desumano, para mim e para você...
Seguiu
um silêncio entre os dois, que nem Luís Paulo nem Denise se decidiam a romper.
Ao longe, um sino soou soturnamente.
A
notícia da morte do barão Ernesto de Rastignac já se devia ter espalhado.
Foi
aquele dobre que incitou Luís Paulo a concluir:
-
Condessinha Denise... A senhorita é o árbitro do meu destino. Asseguro-lhe que,
se me liberar do juramento que fiz a meu pai, contará comigo como amigo e
devedor para o resto da vida. Aliás, acredito que esta seja a solução mais
acertada...
Denise
se pôs de pé e, ficou a perscrutar o rapaz sentado à sua frente. Depois, ela
disse:
-
Não percebo o que quer dizer com "liberá-lo do juramento", Luís
Paulo, mas uma coisa é certa: você disse, parece, que lhe será penoso viver ao
meu lado e amado por mim!
-
Não disse propriamente isto, Denise, mas...
-
Deixe-me terminar! Pois bem, barão Luís Paulo de Rastignac, julgue-me como
quiser, mas a minha decisão é esta: quero que mantenha o juramento que fez à
cabeceira de seu pai agonizante!
Luís
Paulo levou as mãos à cabeça, desesperado.
-
Mas, não compreende que isso é impossível? - exclamou. - O coração humano não
pode sofrer imposições! Se você agir assim, estará preparando a infelicidade
para nós mesmos! Tudo o que agora nos parece belo e atraente, fonte de alegria e
de prazer, transformar-se-á na mais dolorosa escravidão! Ainda uma vez, eu lhe
suplico, Denise, não cometa semelhante erro!
Eram,
porém, vãs as súplicas de Luís Paulo que, por amor filial, deixara-se apanhar
pelo grilhão de uma promessa que não deveria ter feito. Naquele momento,
todavia, todo o ambicioso e malvado temperamento da marquesa Renata Duplessis
revivia em sua filha Denise, com extrema violência. Com atitude felina, ela
caminhou para Luís Paulo e, conseguindo aproximar seus lábios aos dele, após
beijá-lo, sussurrou:
-
Não, não, não suplique... Não se humilhe... Séria inútil Luís Paulo. É meu,
agora, e eu não o deixarei ir embora. Não me importa se outra mulher existe, se
a ama... Eu farei com que a esqueça, com o meu carinho, com o calor dos meus
beijos! Você acabará se apaixonando por mim, verá! Não poderá deixar de ser
assim, pois eu estou loucamente enamorada de você.
E
para confirmar o que dizia, novamente o beijou. A aparente passividade do jovem
fez com que Denise pensasse que ele gostara do beijo, aquela espécie de trunfo
que usara, em sua experiência amorosa, e um brilho de vitória cintilou em seus
olhos. Exclamou, então, arfante:
-
Você me amará... Vai amar-me!... E assim será, porque você é o homem com quem
eu sempre sonhei casar.
E,
depois de lhe haver lançado um último olhar cheio de ardor, saiu da sala.
A
porta não se acabara ainda de fechar atrás dela e, Luís Paulo, incapaz de
dominar-se, oprimido pela dor causada pela morte do pai e pela perspectiva do
que o esperava num futuro próximo, explodiu em soluços sem lágrimas, enquanto
seus lábios tremiam, murmurando, como numa prece:
-
Maria... Minha linda Maria "Flor de Amor"! Você está no meu coração e
eu, apesar disso, devo dar-lhe o meu adeus para sempre!...
Pobre Luís Paulo, como cai em armadilhas esse rapaz! Casar com Denise, ninguém merece esse castigo rsrsrs. Acho que o sofrimento de Luís Paulo e de Maria "Flor de Amor" ainda vai durar muito! Muito bom Paulo! Bjs.
ResponderExcluirAs coincidências têm sido desfavoráveis aos heróis. Quem sabe no futuro, isso mude... Mas vai demorar... Está saboroso como todo folhetim...
ResponderExcluirVão curtindo... mesmo no final, o reencontro do pai com a verdadeira filha será uma enorme coincidência.
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