domingo, 21 de outubro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 23 - PARTE 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


CapítuloXXIII
O JURAMENTO A UM MORIBUNDO (CONTINUAÇÃO)


Assustadíssimo, Luís Paulo se curvou para o pai, procurando reanimá-lo e ajudá-lo. Vendo, porém, que as mãos dele, que segurava, tornavam-se cada vez mais frias, ergueu-se depressa, dizendo:
- Vou chamar o médico, papai... Um momento...
Mas o velho fidalgo, erguendo a mão com dificuldade, puxou para si o filho e disse, com voz já bem fraca:
- Não... Não... Não adianta o médico... Não poderá... Fazer mais nada! Prometa-me... Mais uma vez, meu filho... Que você casará com a filha de Fernando...
Com o coração constrangido, Luís Paulo se aproximou novamente do velho pai, colocando-lhe a mão no braço. Não podia, não tinha coragem de lhe dar tamanho desgosto, naquele momento em que a asa gélida da morte o estava envolvendo...
Com o rosto contraído pelo sofrimento, Luís Paulo, enquanto sentia a impressão de que a doce voz de Maria "Flor de Amor" o chamava de longe, pronunciou pela segunda vez, o solene juramento:
- Juro que saberei cumprir a promessa de desposar a filha do conde Fernando Chanteloup.
- Obrigado, meu filho... E agora, depressa, trate de chamar Fernando... Quero falar com ele...  Antes que tudo tenha acabado... Depressa, peço-lhe...
Fazendo um grande esforço para não se deixar vencer por um acesso de desespero, torturado ao mesmo tempo pela dor de ver o pai moribundo e pela certeza de não poder mais realizar seu sonho de ventura com Maria "Flor de Amor", Luís Paulo se lançou para fora do aposento. O mordomo, que esperava do lado de fora, disse-lhe que Fernando se encontrava na biblioteca. Ia acrescentar qualquer coisa, mas Luís Paulo, sem lhe dar atenção, correu ao lugar indicado, abrindo impetuosamente a porta.
Além do conde Fernando, porém, sentada numa poltrona, elegantíssima num vestido de alta costura, mas que, por outro lado, não condizia com uma visita a um doente grave, estava a linda Denise. Por um momento, ficou indeciso. Depois, com a voz alterada, disse:
- Bom dia, condessinha... Desculpe, conde... Meu pai quer falar-lhe imediatamente... Seu estado é desesperador agora...
Rapidamente, Fernando se pôs de pé e, acompanhado por Denise, embora esta não tivesse sido convidada, dirigiu-se para o quarto onde o conde estava a morrer.
- Aproxime-se de mim, Fernando - disse o velho fidalgo. - Estou muito mal e sei que não resistirei muito tempo... Antes de mais nada, quero agradecer o que você fez pelo meu filho e por mim. Não abandone Luís Paulo, peço-lhe! Ele é tão jovem... Falei-lhe acerca do nosso projeto de casamento, dele com a sua filha... E ele...  Disse que está de acordo...
- Luís Paulo será um segundo filho para mim - prometeu o conde, que procurava conter as lágrimas, à vista do velho amigo Ernesto. - Estou certo de que Denise será capaz de fazê-lo feliz e de sentir-se também feliz ao lado dele.
Ernesto de Rastignac voltou-se para Denise, que acompanhava a cena com estranha expressão de júbilo.
- Aproxime-se, minha querida, e dê-me sua mão... Você também, Luís Paulo...
Quando os dois jovens obedeceram, sussurrou o barão, com a voz cada vez mais fraca:
- Uno as vossas mãos, meus filhos... E faço votos para que permaneçam sempre unidos, por toda a vida...
Denise, intempestivamente, exclamou:
- Barão Ernesto, não tenha receio! Estou apaixonada pelo seu filho e, pela parte que me toca, pode morrer descansado que, se ele me quiser como esposa, nunca o abandonarei, nunca!
- Luís Paulo - interveio Fernando - Denise diz a verdade. - Há alguns dias me confessou seu amor por você. Mas, agora, quero ouvir a sua opinião...
- Sim... - acrescentou lentamente o moribundo - sim, Luís Paulo, você deve dizer, diante de Fernando, se quer de fato sua filha como esposa.
- Quero, papai... - murmurou Luís Paulo, surdamente. - Quero desposar a filha do conde Fernando.
Não havia o rapaz acabado de pronunciar estas palavras, com o cenho contraído, e já Denise se atirava nos seus braços, ocultando o rosto em seu peito, talvez para simular uma emoção que estava longe de sentir.
E então o barão Ernesto, com um leve sorriso nos lábios, fechou os olhos e seu coração deixou de pulsar.
O conde Fernando e sua filha Denise se retiraram. Luís Paulo permaneceu por longo tempo ao lado do corpo do pai. Fernando cuidou em seguida dos pormenores necessários para o enterro do barão.
Só à tarde, quando o salão, para onde fora conduzido o cadáver, começava a ficar imerso na escuridão, Denise, cansada de esperar na biblioteca, para ali se dirigiu e, achegando-se a Luís Paulo, sussurrou:
- Querido, saia daí, peço-lhe... Você não comeu nada durante todo o dia. Beba, ao menos, leite ou uma bebida quente, para se reanimar um pouco.
Por alguns instantes, pareceu que ele nem sequer a ouvira, depois se levantou, pois era certo que até aquele instante estava em jejum e se encaminhou para a porta. Denise, sem sequer lançar um olhar para o morto, que, de resto, não provocava em seu coração de pedra a menor emoção, tratou de segui-lo até a sala vizinha.
Uma vez ali, Luís Paulo se aproximou de um armário e, depois de ter bebido um trago de licor, que fez voltar a cor ao seu rosto, até então impressionantemente pálido, virou-se para ela e disse, fitando-a profundamente nos olhos:
- É bom que nos encontremos a sós, Denise. Preciso falar-lhe.
A moça se aproximou, envolvendo-o com o perfume que seu corpo irradiava, com exagero.
- Pode dizer, Luís Paulo, meu futuro esposo.
- Quero falar-lhe honestamente, como um fidalgo, porque sei que deste colóquio dependerá nossa futura felicidade. Não nos conhecemos bem e, se você me ama, isto aconteceu porque nos vimos apressadamente uma ou duas vezes... Naturalmente, sinto-me lisonjeado por ter despertado o interesse de uma jovem como você... Mas está certa de que seu sentimento por mim é sincero, e não devido a uma impressão passageira, como acontece tão comumente entre pessoas jovens?
- Estou certíssima! - respondeu Denise, lançando ao rapaz um olhar lânguido e cheio de promessas.
Luís Paulo se deixou cair numa poltrona, desencorajado:
- Perdoe... Mas lamento que as coisas sejam assim - murmurou. - Desejaria que nunca nos tivéssemos encontrado, condessinha Denise! Seria muito melhor para nós...
- Por que fala dessa maneira, Luís Paulo?
- Por quê? É penoso explicar e receio que depois disso você me odeie, Denise, em vez de amar... O que quero dizer é isto: eu, embora não possa dizer que você me desagrade, não estou em condições de retribuir o seu amor... Meu coração pertence a uma outra jovem, a quem amo com verdadeira paixão.
O rapaz não suspeitava que, falando com sinceridade à Denise e expondo-lhe seu gravíssimo problema de consciência, iria provocar o seu ódio. Se, pudesse ler, naquele instante, os pensamentos que fervilhavam na mente daquela criatura perversa, arrepender-se-ia do seu modo de agir! No entanto, Denise, com os olhos fixos nele, parecia refletir intensamente.
- Posso saber - disse de súbito - porque, se não me ama, prometeu casar-se comigo, diante de seu pai moribundo?
- Por um simples motivo, que lhe direi agora mesmo: meu pai estava a morrer e aquele era o único meio de que deixasse este mundo com o coração em paz! Você, no meu lugar, teria negado esse consolo a um pobre velho?
Para surpresa do moço, Denise deixou escapar uma risada sarcástica, que fazia tremendo contraste com a atmosfera que reinava na casa.
- Que nobre coração tem você, Luís Paulo! É uma criatura cheia de delicadeza e de atenções! Não quis dar um desgosto a um moribundo, mas não se importa de maltratar o coração de uma mulher que o ama! Francamente, não podia supor que sua consciência fosse assim tão elástica...
Ante aquelas palavras injustas, pronunciadas com marcada acritude, Luís Paulo compreendeu que se enganara, supondo que naquela criatura tão bela pudesse existir um pouco de raciocínio e de humana compreensão.
Parecia-lhe ter caído numa armadilha e de que dela não conseguiria sair, mesmo fazendo os maiores esforços.
- Condessinha - insistiu ainda Luís Paulo. - procure raciocinar! Acredito... Acredito que não está formulando um juízo sensato, desapaixonado, sobre a situação em que me encontro. Será possível que não perceba o que significa um casamento sem amor?
- Unicamente da sua parte, Luís Paulo de Rastignac!
- Mas, mesmo que você me ame, Denise, obstina-se em não querer interpretar o verdadeiro sentido das minhas palavras! Uma pessoa que ama não se comporta como você... Não quer compreender que o pior dos males que possam ferir um homem é o de simular um sentimento que, na realidade, está bem longe de possuir? Certo, poderei desposá-la, viver ao seu lado dia e noite, mas a todo instante, dia e noite, o semblante querido de outra mulher estará diante dos meus olhos, contrapondo-se ao seu! Isso será terrível, desumano, para mim e para você...
Seguiu um silêncio entre os dois, que nem Luís Paulo nem Denise se decidiam a romper. Ao longe, um sino soou soturnamente.
A notícia da morte do barão Ernesto de Rastignac já se devia ter espalhado.
Foi aquele dobre que incitou Luís Paulo a concluir:
- Condessinha Denise... A senhorita é o árbitro do meu destino. Asseguro-lhe que, se me liberar do juramento que fiz a meu pai, contará comigo como amigo e devedor para o resto da vida. Aliás, acredito que esta seja a solução mais acertada...
Denise se pôs de pé e, ficou a perscrutar o rapaz sentado à sua frente. Depois, ela disse:
- Não percebo o que quer dizer com "liberá-lo do juramento", Luís Paulo, mas uma coisa é certa: você disse, parece, que lhe será penoso viver ao meu lado e amado por mim!
- Não disse propriamente isto, Denise, mas...
- Deixe-me terminar! Pois bem, barão Luís Paulo de Rastignac, julgue-me como quiser, mas a minha decisão é esta: quero que mantenha o juramento que fez à cabeceira de seu pai agonizante!
Luís Paulo levou as mãos à cabeça, desesperado.
- Mas, não compreende que isso é impossível? - exclamou. - O coração humano não pode sofrer imposições! Se você agir assim, estará preparando a infelicidade para nós mesmos! Tudo o que agora nos parece belo e atraente, fonte de alegria e de prazer, transformar-se-á na mais dolorosa escravidão! Ainda uma vez, eu lhe suplico, Denise, não cometa semelhante erro!
Eram, porém, vãs as súplicas de Luís Paulo que, por amor filial, deixara-se apanhar pelo grilhão de uma promessa que não deveria ter feito. Naquele momento, todavia, todo o ambicioso e malvado temperamento da marquesa Renata Duplessis revivia em sua filha Denise, com extrema violência. Com atitude felina, ela caminhou para Luís Paulo e, conseguindo aproximar seus lábios aos dele, após beijá-lo, sussurrou:
- Não, não, não suplique... Não se humilhe... Séria inútil Luís Paulo. É meu, agora, e eu não o deixarei ir embora. Não me importa se outra mulher existe, se a ama... Eu farei com que a esqueça, com o meu carinho, com o calor dos meus beijos! Você acabará se apaixonando por mim, verá! Não poderá deixar de ser assim, pois eu estou loucamente enamorada de você.
E para confirmar o que dizia, novamente o beijou. A aparente passividade do jovem fez com que Denise pensasse que ele gostara do beijo, aquela espécie de trunfo que usara, em sua experiência amorosa, e um brilho de vitória cintilou em seus olhos. Exclamou, então, arfante:
- Você me amará... Vai amar-me!... E assim será, porque você é o homem com quem eu sempre sonhei casar.
E, depois de lhe haver lançado um último olhar cheio de ardor, saiu da sala.
A porta não se acabara ainda de fechar atrás dela e, Luís Paulo, incapaz de dominar-se, oprimido pela dor causada pela morte do pai e pela perspectiva do que o esperava num futuro próximo, explodiu em soluços sem lágrimas, enquanto seus lábios tremiam, murmurando, como numa prece:
- Maria... Minha linda Maria "Flor de Amor"! Você está no meu coração e eu, apesar disso, devo dar-lhe o meu adeus para sempre!...

3 comentários:

  1. Pobre Luís Paulo, como cai em armadilhas esse rapaz! Casar com Denise, ninguém merece esse castigo rsrsrs. Acho que o sofrimento de Luís Paulo e de Maria "Flor de Amor" ainda vai durar muito! Muito bom Paulo! Bjs.

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  2. As coincidências têm sido desfavoráveis aos heróis. Quem sabe no futuro, isso mude... Mas vai demorar... Está saboroso como todo folhetim...

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  3. Vão curtindo... mesmo no final, o reencontro do pai com a verdadeira filha será uma enorme coincidência.

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