O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
CapítuloXXIII
O
JURAMENTO A UM MORIBUNDO
O
velho barão Ernesto, desde quando o filho fora encarcerado falsamente acusado
de tentativa de homicídio, jazia doente num dos quartos austeros do seu grande
palacete deserto, recusando a intervenção do médico da família, que pretendia
tratar dele... Finalmente, certo dia, aquele mesmo em que fora à cidade falar
com seu advogado, o conde Fernando, o único que tinha acesso franco no palácio
Rastignac, veio procurar o querido amigo. O barão, que se encontrava derreado
numa grande poltrona de couro negro, à vista de Fernando, que entrava
sorridente no quarto, comentou, com uma ruga amarga no canto dos lábios:
-
Oh! Fernando... O sorriso é agora uma coisa rara nesta casa. Ainda bem que o
vejo alegre...
Naquelas
palavras, havia um laivo de reprovação e Fernando, percebendo isso, respondeu:
-
Caro Ernesto, sei que no seu estado de espírito deve ser muito penoso suportar
o espetáculo da alegria de outrem, mas não tive a intenção de lhe impor esse
sentimento.
Receando
que o amigo se houvesse ofendido com sua observação, o barão protestou:
-
Desculpe-me, Fernando, não quero reprovar sua alegria. Não a você, que tanto
tem sofrido. E não diga que não me quer impor o seu alegre sorriso, pois ele me
consola, eu lhe asseguro...
Fernando
bateu amistosamente uma das mãos sobre o joelho de Ernesto.
-
Sabe acaso, velho amigo, o que está dizendo? Não lhe quero impor o espetáculo
de minha alegria, porque dentro em pouco a sua alegria será ainda maior que a
minha! E agora, velho esquisitão, que vive metido aqui na sua toca como um
urso, prepare-se para uma boa notícia!
Fernando
divagava, para não causar ao amigo doente uma muito forte impressão.
-
Boa notícia? Vai falar sobre...
-
Justamente! O seu ursinho! Sobre Luís Paulo. Ele vai regressar a esta casa.
Deve chegar dentro de pouco tempo. Saiu do xadrez porque é inocente. O
criminoso, o agressor de Flora, foi Afonso, um meu empregado.
Como
se uma faísca elétrica tivesse percorrido o corpo do barão, este se pôs de pé,
balbuciando:
-
Luís Paulo... O meu Luís Paulo... Foi reconhecida sua inocência!
Nos
olhos de Ernesto brilhavam lágrimas. Silenciosamente, apertou a mão do amigo,
murmurando:
-
Fernando... Estou velho, muito velho... Mas só pela grande alegria que me acaba
de proporcionar, se for preciso dar minha vida por você, não hesitarei um
instante em fazê-lo!
Quase
no mesmo instante, os dois fidalgos se abraçavam cordialmente. Incapaz de
falar, um se entregava à grande alegria de ser pai, de estar vivo, e ambos ao
prazer de se sentirem amigos, verdadeiramente amigos, até a morte.
Quando
aquele momento de intensa emoção passou, uma espécie de agitação pareceu
invadir o barão Ernesto. Soaram todas as campainhas e toda a criadagem correu
ao quarto dele, para receber instruções.
Tudo
deveria ser aprontado, tudo posto em ordem, os menores detalhes observados para
que o palacete logo estivesse em condições de receber o patrãozinho que
voltava. E quando não havia mais nada para ser feito, o velho começou a
caminhar pelo seu gabinete, com as feições avermelhada por estranho rubor que,
não lhe era natural.
Seus
olhos brilhavam, como os de quem tem febre, e notava-se claramente que só
graças à sua grande força de vontade conseguia permanecer de pé.
Vãos
foram todos os conselhos de prudência de Fernando. O barão só pensava no filho,
em Luís Paulo que estava para chegar.
Os
rumores das carruagens que passavam pela rua causavam-lhe sobressalto e, à medida
que o tempo corria, sem que o filho aparecesse, mais e mais ele se agitava,
repetindo:
-
Por que demora assim? Terá havido alguma coisa, um acidente?
-Não,
nada disso - procurava tranquilizar Fernando - você sabe como são as
formalidades no Palácio da Justiça...
-
Não demora, e ele chegará.
O
velho, porém, mal o escutava e insistia:
-
Talvez não queira vir para cá, estará talvez sentido comigo, pelo que lhe disse
àquela noite... Ah! Meu querido filho! Que Deus perdoe a minha
intransigência... Eu devia ter acreditado nele, compreendido que não poderia
ser culpado...
-
Ernesto, meu amigo, acalme-se! -aconselhava o conde Fernando, preocupado. - Não
se excite assim! Pense um pouco na sua saúde...
Afinal,
na paz do palacete, ouviu-se o ruído da rodagem de uma carruagem que se
aproximava, vindo afinal deter-se junto à entrada principal. Depois, a grande
escada estalou sob passos apressados.
E
enquanto o barão Ernesto permanecia imóvel, vibrante de emoção, aporta se abriu
e apareceu Luís Paulo que, sem olhar em torno, sem dizer uma só palavra,
atirou-se nos braços do pai.
Fernando,
retirando-se discretamente para um canto, apreciava com olhos comovidos a cena.
-
Papai, papai! - murmurou Luís Paulo, afinal, sendo o primeiro a se recuperar da
intensa emoção. - Não sabe quanto pensei em você, nestes últimos dias tão
terríveis...
-
Também eu... Também eu não deixei de pensar em você, meu filho! Sabendo-o
torturado como malfeitor. Eu nunca deveria dar mais crédito às aparências do
que às suas afirmações... Não fosse o temor do castigo divino, eu teria me
suicidado!
Luís
Paulo abraçou ainda mais fortemente o velho pai.
-
Não fale assim! - exclamou. - Esqueça. Tudo acabou, agora, estamos novamente
juntos, e eu o quero como sempre, papai... Nada mais nos separará...
-
Sim, nada nos poderá separar! - repetiu o barão, com as faces cobertas de
lágrimas.
Só
naquele instante, Luís Paulo percebeu a presença do conde Fernando. Livrando-se
com delicadeza dos braços do pai, dirigiu-se a ele, com a mão estendida,
dizendo:
-
Conde, nunca esquecerei o que fez por mim! Dê-me a grande honra de lhe apertar
a mão!
Fernando,
porém, com um gesto espontâneo que por si mesmo era uma prova de toda a sua
nobreza e generosidade de alma, em vez de apertar a mão que lhe era estendida,
abriu os braços e exclamou:
-
Que é isso, Luís Paulo?! Tem medo de abraçar um amigo que o viu nascer? Um
amigo de tantos anos?
Infelizmente,
porém, neste nosso mundo de pecadores, felicidade demais não é concedida pelo
bom Deus! Enquanto um raio de sol iluminava o austero gabinete, e Fernando e
Luís Paulo estavam a se abraçar, um ruído surdo lhes chamou a atenção.
Voltaram-se
os dois e, com dolorosa surpresa e consternação viram o barão Ernesto caído ao
solo, de olhos fechados, a cabeleira branca fazendo contraste com a cor escura
do tapete.
O
organismo do ancião, minado pela velhice, a doença e as emoções, não resistira
ao impacto maior, que fora o regresso do filho.
O
velho e nobre coração fraquejara, não mais sustentando, com suas pulsações, o
corpo cansado. O absoluto silêncio que sucedera ao inesperado ruído da queda
foi quebrado pelo grito angustioso de Luís Paulo:
-
Papai! Meu pai!...
Mais
tarde, na grande alcova imersa na penumbra, o barão Ernesto abriu penosamente
os olhos e olhou em torno. Luís Paulo, que estava sentado até aquele instante à
sua cabeceira, ergueu-se apressadamente e lhe ajeitou as cobertas que, no sono
agitado que se seguira à perda de sentidos, ele havia amarrotado.
-
Luís Paulo... - sussurrou o velho moribundo.
-
Não fale, papai! - recomendou o moço. - Fique quieto. Viu em que deu ficar tão
agitado? O médico recomendou repouso absoluto, absoluto!
Mas
o barão, em vez de atender ao pedido do filho, ergueu-se um pouco no leito e
continuou:
-
Não falemos da minha saúde, agora... Sei que para mim tudo está acabado. Mas há
uma coisa importante que quero explicar a você, antes de ir embora para
sempre...
-
Pai, por favor, não fale assim!
-
É a triste e indisfarçável verdade, meu filho... Antes de fechar para sempre os
olhos, preciso que você jure pela sua santa mãe, que está em glória, e por meu
eterno descanso, que cumprirá fielmente o que agora vou lhe pedir.
O
jovem Luís Paulo, fixando os olhos imensamente tristes em seu progenitor, cujo
semblante estava com a lividez precursora da morte, respondeu gravemente:
-
Sua vontade será sempre sagrada para mim. E nunca deixarei de cumprir, por mais
que me possa doer, o juramento que o senhor exigir de mim - disse o rapaz.
-
Essas suas nobres frases me tranquilizam - respondeu o velho. - Agora devo
confiar a você que, há algum tempo, numa noite de insônia, na escuridão do meu
quarto, repentinamente iluminado por uma luz fantasmagórica, apareceu-me aquela
que foi sua bondosa mãe e minha virtuosa esposa, a baronesa Elvira... Ela me
disse estas mesmas palavras:
"Luís
Paulo, nosso filho, só poderá ser feliz se desposar a filha do conde Fernando.
Esse casamento dará a ele muita ventura, e a mim, a plena paz para minha
alma".
-
Isso me disse ela, - continuou o barão - e eu a escutei como se ainda estivesse
viva ao meu lado, como se por um milagre impossível tivesse ressuscitado.
-
O senhor tem certeza que a viu, de que não foi um sonho, papai?
-
Você sabe que eu sou espiritualista e que não me deixo alucinar por
imaginações. Pode estar certo, Luís Paulo, que sua mãe me apareceu real e
verdadeiramente e que suas palavras foram as mesmas que acabo de repetir, pois
ficaram gravadas na minha memória.
"Nessa
oportunidade, o próprio conde Fernando não sabia que tinha viva uma filha. Foi
somente algum tempo depois que Denise chegou até ao palácio Chanteloup".
-
E agora eu acrescento: ela é uma jovem virtuosa, pura, e ingênua e desconhece o
mal, em suma, um anjo convertido em mulher. Você não pode achar companheira
melhor para uma vida a dois, serena e honesta, jure, pois, Luís Paulo, que de
acordo com a vontade de uma morta, para você sagrada, e respeitando assim a
vontade paterna, você casará com a filha do conde Fernando. Você fica calado?
Hesita em aceitar a esposa que seus pais destinaram para você, querendo
assegurar-lhe sua felicidade enquanto viver neste mundo?
-
Não... Não hesito... Não posso negar - exclamou Luís Paulo com tremendo esforço.
Para
cumprir o desejo de sua mãe morta e para obedecer à vontade de seu pai, teria
que renegar o amor que sentia por Maria "Flor de Amor" e unir-se a
uma criatura que não amava, com quem não simpatizava, com uma mulher a quem
nunca, nunca... Conseguiria amar... O bom filho triunfou sobre o apaixonado.
Olhando para seu pai, cuja vida estava extinguindo-se, Luís Paulo, invocando o
santo nome de Deus, estendendo a mão, jurou solenemente:
-
Juro que casarei com a filha do conde Fernando, tal como é a expressa vontade
de meus queridos pais!
-
Que Deus o bendiga! - exclamou, comovido, estendendo os braços trêmulos na
direção de Luís Paulo, para estreitá-lo contra o peito.
Pai
e filho trocaram lágrimas que de seus olhos fazia brotar a intensa emoção
daqueles momentos.
-
Bendito seja, Luís Paulo! Que Deus o abençoe. Não se arrependa de ter jurado,
meu filho. Eu digo a você, com o acento profético que nunca falta aos que vão
morrer, que você será plenamente feliz ao lado da filha de meu melhor amigo.
-
O senhor, papai, promete-me uma felicidade que não poderá nascer desse
matrimônio. Eu não amo essa moça e tudo me faz crer que nunca chegarei a
amá-la, nem antes nem depois do casamento - alegou o rapaz.
-
Meu filho - disse o velho barão - responda-me sinceramente: você ainda pensa
naquela moça por quem fez a tolice de internar-se num manicômio, não é isso?
Luís
Paulo permaneceu de cabeça baixa. Era incapaz de mentir e compreendia que o
pai, olhando-o nos olhos, perceberia a verdade.
-
Por que não responde? - insistiu seu pai. - Não disponho de muito tempo de
vida, Luís Paulo... Não me faça morrer com esta tristeza no coração! Você ainda
ama aquela mulher que foi a causa de todas as suas provações?
-
Sim, papai - respondeu ele, finalmente, erguendo altivamente a cabeça. - Amo-a
mais do que a minha própria vida! E confesso que quisera que fosse ela quem se
tornasse a baronesa de Rastignac...
-
Basta! Não quero ouvir mais nem uma palavra! - cortou o conde, com inesperada
recuperação da sua antiga energia. - Você jurou que respeitaria a sagrada
vontade de sua mãe morta e também a vontade deste velho que está prestes a
morrer! Se insisto nessa sua união com uma jovem que, pelo menos, por enquanto
não ama, é que agora sei que estou às portas da morte e que só a filha do conde
Fernando poderá fazer você feliz. E se você não cumprir o seu solene juramento,
nem sua mãe nem eu teremos paz no túmulo e... "Ai!", exclamou com
angústia o barão que, com um esgar de dor levou a mão ao coração e sua boca se
escancarou, em busca de ar, do ar que os pulmões não conseguiam mais aspirar.
Que história, Paulo! Sempre que um dos mocinhos aparentemente está saindo de um drama, aparece outro! Pobre Luís Paulo, tendo que casar com a falsa condessa, usurpadora da felicidade de Maria! Que confusão terrível! Como sofrerão esses dois até o final do folhetim! Muito bom! Bjs.
ResponderExcluirE que terrível destino... Maria irá arrumar a noiva para o casamento.
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