sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 23 - PARTE 1 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


CapítuloXXIII
O JURAMENTO A UM MORIBUNDO

O velho barão Ernesto, desde quando o filho fora encarcerado falsamente acusado de tentativa de homicídio, jazia doente num dos quartos austeros do seu grande palacete deserto, recusando a intervenção do médico da família, que pretendia tratar dele... Finalmente, certo dia, aquele mesmo em que fora à cidade falar com seu advogado, o conde Fernando, o único que tinha acesso franco no palácio Rastignac, veio procurar o querido amigo. O barão, que se encontrava derreado numa grande poltrona de couro negro, à vista de Fernando, que entrava sorridente no quarto, comentou, com uma ruga amarga no canto dos lábios:
- Oh! Fernando... O sorriso é agora uma coisa rara nesta casa. Ainda bem que o vejo alegre...
Naquelas palavras, havia um laivo de reprovação e Fernando, percebendo isso, respondeu:
- Caro Ernesto, sei que no seu estado de espírito deve ser muito penoso suportar o espetáculo da alegria de outrem, mas não tive a intenção de lhe impor esse sentimento.
Receando que o amigo se houvesse ofendido com sua observação, o barão protestou:
- Desculpe-me, Fernando, não quero reprovar sua alegria. Não a você, que tanto tem sofrido. E não diga que não me quer impor o seu alegre sorriso, pois ele me consola, eu lhe asseguro...
Fernando bateu amistosamente uma das mãos sobre o joelho de Ernesto.
- Sabe acaso, velho amigo, o que está dizendo? Não lhe quero impor o espetáculo de minha alegria, porque dentro em pouco a sua alegria será ainda maior que a minha! E agora, velho esquisitão, que vive metido aqui na sua toca como um urso, prepare-se para uma boa notícia!
Fernando divagava, para não causar ao amigo doente uma muito forte impressão.
- Boa notícia? Vai falar sobre...
- Justamente! O seu ursinho! Sobre Luís Paulo. Ele vai regressar a esta casa. Deve chegar dentro de pouco tempo. Saiu do xadrez porque é inocente. O criminoso, o agressor de Flora, foi Afonso, um meu empregado.
Como se uma faísca elétrica tivesse percorrido o corpo do barão, este se pôs de pé, balbuciando:
- Luís Paulo... O meu Luís Paulo... Foi reconhecida sua inocência!
Nos olhos de Ernesto brilhavam lágrimas. Silenciosamente, apertou a mão do amigo, murmurando:
- Fernando... Estou velho, muito velho... Mas só pela grande alegria que me acaba de proporcionar, se for preciso dar minha vida por você, não hesitarei um instante em fazê-lo!
Quase no mesmo instante, os dois fidalgos se abraçavam cordialmente. Incapaz de falar, um se entregava à grande alegria de ser pai, de estar vivo, e ambos ao prazer de se sentirem amigos, verdadeiramente amigos, até a morte.
Quando aquele momento de intensa emoção passou, uma espécie de agitação pareceu invadir o barão Ernesto. Soaram todas as campainhas e toda a criadagem correu ao quarto dele, para receber instruções.
Tudo deveria ser aprontado, tudo posto em ordem, os menores detalhes observados para que o palacete logo estivesse em condições de receber o patrãozinho que voltava. E quando não havia mais nada para ser feito, o velho começou a caminhar pelo seu gabinete, com as feições avermelhada por estranho rubor que, não lhe era natural.
Seus olhos brilhavam, como os de quem tem febre, e notava-se claramente que só graças à sua grande força de vontade conseguia permanecer de pé.
Vãos foram todos os conselhos de prudência de Fernando. O barão só pensava no filho, em Luís Paulo que estava para chegar.
Os rumores das carruagens que passavam pela rua causavam-lhe sobressalto e, à medida que o tempo corria, sem que o filho aparecesse, mais e mais ele se agitava, repetindo:
- Por que demora assim? Terá havido alguma coisa, um acidente?
-Não, nada disso - procurava tranquilizar Fernando - você sabe como são as formalidades no Palácio da Justiça...
- Não demora, e ele chegará.
O velho, porém, mal o escutava e insistia:
- Talvez não queira vir para cá, estará talvez sentido comigo, pelo que lhe disse àquela noite... Ah! Meu querido filho! Que Deus perdoe a minha intransigência... Eu devia ter acreditado nele, compreendido que não poderia ser culpado...
- Ernesto, meu amigo, acalme-se! -aconselhava o conde Fernando, preocupado. - Não se excite assim! Pense um pouco na sua saúde...
Afinal, na paz do palacete, ouviu-se o ruído da rodagem de uma carruagem que se aproximava, vindo afinal deter-se junto à entrada principal. Depois, a grande escada estalou sob passos apressados.
E enquanto o barão Ernesto permanecia imóvel, vibrante de emoção, aporta se abriu e apareceu Luís Paulo que, sem olhar em torno, sem dizer uma só palavra, atirou-se nos braços do pai.
Fernando, retirando-se discretamente para um canto, apreciava com olhos comovidos a cena.
- Papai, papai! - murmurou Luís Paulo, afinal, sendo o primeiro a se recuperar da intensa emoção. - Não sabe quanto pensei em você, nestes últimos dias tão terríveis...
- Também eu... Também eu não deixei de pensar em você, meu filho! Sabendo-o torturado como malfeitor. Eu nunca deveria dar mais crédito às aparências do que às suas afirmações... Não fosse o temor do castigo divino, eu teria me suicidado!
Luís Paulo abraçou ainda mais fortemente o velho pai.
- Não fale assim! - exclamou. - Esqueça. Tudo acabou, agora, estamos novamente juntos, e eu o quero como sempre, papai... Nada mais nos separará...
- Sim, nada nos poderá separar! - repetiu o barão, com as faces cobertas de lágrimas.
Só naquele instante, Luís Paulo percebeu a presença do conde Fernando. Livrando-se com delicadeza dos braços do pai, dirigiu-se a ele, com a mão estendida, dizendo:
- Conde, nunca esquecerei o que fez por mim! Dê-me a grande honra de lhe apertar a mão!
Fernando, porém, com um gesto espontâneo que por si mesmo era uma prova de toda a sua nobreza e generosidade de alma, em vez de apertar a mão que lhe era estendida, abriu os braços e exclamou:
- Que é isso, Luís Paulo?! Tem medo de abraçar um amigo que o viu nascer? Um amigo de tantos anos?
Infelizmente, porém, neste nosso mundo de pecadores, felicidade demais não é concedida pelo bom Deus! Enquanto um raio de sol iluminava o austero gabinete, e Fernando e Luís Paulo estavam a se abraçar, um ruído surdo lhes chamou a atenção.
Voltaram-se os dois e, com dolorosa surpresa e consternação viram o barão Ernesto caído ao solo, de olhos fechados, a cabeleira branca fazendo contraste com a cor escura do tapete.
O organismo do ancião, minado pela velhice, a doença e as emoções, não resistira ao impacto maior, que fora o regresso do filho.
O velho e nobre coração fraquejara, não mais sustentando, com suas pulsações, o corpo cansado. O absoluto silêncio que sucedera ao inesperado ruído da queda foi quebrado pelo grito angustioso de Luís Paulo:
- Papai! Meu pai!...
Mais tarde, na grande alcova imersa na penumbra, o barão Ernesto abriu penosamente os olhos e olhou em torno. Luís Paulo, que estava sentado até aquele instante à sua cabeceira, ergueu-se apressadamente e lhe ajeitou as cobertas que, no sono agitado que se seguira à perda de sentidos, ele havia amarrotado.
- Luís Paulo... - sussurrou o velho moribundo.
- Não fale, papai! - recomendou o moço. - Fique quieto. Viu em que deu ficar tão agitado? O médico recomendou repouso absoluto, absoluto!
Mas o barão, em vez de atender ao pedido do filho, ergueu-se um pouco no leito e continuou:
- Não falemos da minha saúde, agora... Sei que para mim tudo está acabado. Mas há uma coisa importante que quero explicar a você, antes de ir embora para sempre...
- Pai, por favor, não fale assim!
- É a triste e indisfarçável verdade, meu filho... Antes de fechar para sempre os olhos, preciso que você jure pela sua santa mãe, que está em glória, e por meu eterno descanso, que cumprirá fielmente o que agora vou lhe pedir.
O jovem Luís Paulo, fixando os olhos imensamente tristes em seu progenitor, cujo semblante estava com a lividez precursora da morte, respondeu gravemente:
- Sua vontade será sempre sagrada para mim. E nunca deixarei de cumprir, por mais que me possa doer, o juramento que o senhor exigir de mim - disse o rapaz.
- Essas suas nobres frases me tranquilizam - respondeu o velho. - Agora devo confiar a você que, há algum tempo, numa noite de insônia, na escuridão do meu quarto, repentinamente iluminado por uma luz fantasmagórica, apareceu-me aquela que foi sua bondosa mãe e minha virtuosa esposa, a baronesa Elvira... Ela me disse estas mesmas palavras:
"Luís Paulo, nosso filho, só poderá ser feliz se desposar a filha do conde Fernando. Esse casamento dará a ele muita ventura, e a mim, a plena paz para minha alma".


- Isso me disse ela, - continuou o barão - e eu a escutei como se ainda estivesse viva ao meu lado, como se por um milagre impossível tivesse ressuscitado.
- O senhor tem certeza que a viu, de que não foi um sonho, papai?
- Você sabe que eu sou espiritualista e que não me deixo alucinar por imaginações. Pode estar certo, Luís Paulo, que sua mãe me apareceu real e verdadeiramente e que suas palavras foram as mesmas que acabo de repetir, pois ficaram gravadas na minha memória.
"Nessa oportunidade, o próprio conde Fernando não sabia que tinha viva uma filha. Foi somente algum tempo depois que Denise chegou até ao palácio Chanteloup".
- E agora eu acrescento: ela é uma jovem virtuosa, pura, e ingênua e desconhece o mal, em suma, um anjo convertido em mulher. Você não pode achar companheira melhor para uma vida a dois, serena e honesta, jure, pois, Luís Paulo, que de acordo com a vontade de uma morta, para você sagrada, e respeitando assim a vontade paterna, você casará com a filha do conde Fernando. Você fica calado? Hesita em aceitar a esposa que seus pais destinaram para você, querendo assegurar-lhe sua felicidade enquanto viver neste mundo?
- Não... Não hesito... Não posso negar - exclamou Luís Paulo com tremendo esforço.
Para cumprir o desejo de sua mãe morta e para obedecer à vontade de seu pai, teria que renegar o amor que sentia por Maria "Flor de Amor" e unir-se a uma criatura que não amava, com quem não simpatizava, com uma mulher a quem nunca, nunca... Conseguiria amar... O bom filho triunfou sobre o apaixonado. Olhando para seu pai, cuja vida estava extinguindo-se, Luís Paulo, invocando o santo nome de Deus, estendendo a mão, jurou solenemente:
- Juro que casarei com a filha do conde Fernando, tal como é a expressa vontade de meus queridos pais!
- Que Deus o bendiga! - exclamou, comovido, estendendo os braços trêmulos na direção de Luís Paulo, para estreitá-lo contra o peito.
Pai e filho trocaram lágrimas que de seus olhos fazia brotar a intensa emoção daqueles momentos.
- Bendito seja, Luís Paulo! Que Deus o abençoe. Não se arrependa de ter jurado, meu filho. Eu digo a você, com o acento profético que nunca falta aos que vão morrer, que você será plenamente feliz ao lado da filha de meu melhor amigo.
- O senhor, papai, promete-me uma felicidade que não poderá nascer desse matrimônio. Eu não amo essa moça e tudo me faz crer que nunca chegarei a amá-la, nem antes nem depois do casamento - alegou o rapaz.
- Meu filho - disse o velho barão - responda-me sinceramente: você ainda pensa naquela moça por quem fez a tolice de internar-se num manicômio, não é isso?
Luís Paulo permaneceu de cabeça baixa. Era incapaz de mentir e compreendia que o pai, olhando-o nos olhos, perceberia a verdade.
- Por que não responde? - insistiu seu pai. - Não disponho de muito tempo de vida, Luís Paulo... Não me faça morrer com esta tristeza no coração! Você ainda ama aquela mulher que foi a causa de todas as suas provações?
- Sim, papai - respondeu ele, finalmente, erguendo altivamente a cabeça. - Amo-a mais do que a minha própria vida! E confesso que quisera que fosse ela quem se tornasse a baronesa de Rastignac...
- Basta! Não quero ouvir mais nem uma palavra! - cortou o conde, com inesperada recuperação da sua antiga energia. - Você jurou que respeitaria a sagrada vontade de sua mãe morta e também a vontade deste velho que está prestes a morrer! Se insisto nessa sua união com uma jovem que, pelo menos, por enquanto não ama, é que agora sei que estou às portas da morte e que só a filha do conde Fernando poderá fazer você feliz. E se você não cumprir o seu solene juramento, nem sua mãe nem eu teremos paz no túmulo e... "Ai!", exclamou com angústia o barão que, com um esgar de dor levou a mão ao coração e sua boca se escancarou, em busca de ar, do ar que os pulmões não conseguiam mais aspirar.

2 comentários:

  1. Que história, Paulo! Sempre que um dos mocinhos aparentemente está saindo de um drama, aparece outro! Pobre Luís Paulo, tendo que casar com a falsa condessa, usurpadora da felicidade de Maria! Que confusão terrível! Como sofrerão esses dois até o final do folhetim! Muito bom! Bjs.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E que terrível destino... Maria irá arrumar a noiva para o casamento.

      Excluir