O INFERNO
Capítulo XXI
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XXI
PAGANDO
A CULPA ALHEIA
Na
suntuosa residência do conde Fernando, depois do atentado infame contra a
bondosa Flora, os dias transcorriam entre ansiedade e tristeza.
Flora,
logo depois de ter sido agredida, sem perceber o que estava fazendo,
pronunciara o nome daquele que imaginava ser o culpado, mas este, o miserável
que a ferira, vivia ainda perto dela e ninguém suspeitava de nada, contra ele.
O
conde Fernando permanecia longas horas à cabeceira da doente, acariciava-lhe os
cabelos, olhava-a aflito, temendo que ela morresse de um momento para outro.
Que terrível maldição pesava sobre sua própria cabeça e as das criaturas que
lhe eram mais caras ao seu coração? A dor de ver Flora sofrendo assim, à
angústia do temor de perdê-la, juntava-se ao tormento de não poder acreditar na
culpabilidade de Luís Paulo. Conhecera-o ainda menino, sabia o quanto era bom,
generoso e leal. Que alucinação o teria arrebatado, para que pudesse empunhar
uma arma e usá-la contra uma criatura inofensiva e inocente? Ciúmes, acaso?
Não, certamente, porque Luís Paulo, tudo indicava, jamais conhecera a vítima.
Flora nunca falara sobre ele e ninguém, absolutamente, podia suspeitar de que
entre os dois houvesse um romance de amor. Que, então? Interesse? Mas, qual?
Luís Paulo de Rastignac era rico, Flora não possuía nada de seu, e disso
Fernando bem sabia, desde o dia em que a surpreendera querendo vender a última
joia que lhe restava.
-
É um mistério que não consigo esclarecer! - dizia mil vezes a si próprio, o
conde Fernando. - Como pode um homem decente, bom, cometer uma ação tão torpe e
injustificada?
Esteve
visitando Luís Paulo na prisão, conversou com ele longamente e este continuava
a jurar que era inocente, repetindo o que dissera ao juiz de instrução, o que
jurara ao próprio pai.
-
Não sei de nada, não fiz nada... Nunca me passou pela cabeça apunhalar uma
pobre moça. E por que haveria de fazê-lo?!
"Um
erro de pessoa?", pensou Fernando. "Mas de que modo poderia esse erro
ter acontecido?"
Os
médicos prodigalizavam o melhor tratamento à Flora, o que levava a esperar que
ela seria salva, mas os momentos em que parecia estar melhorando se alternavam
com outros de sentido oposto. Denise, que de início a odiara, agora estava
frequentemente ao seu lado e tratava-a com interesse. Certa manhã, quando
Fernando entrou no quarto dela, trazendo flores, Flora ergueu a cabeça e
respondeu ao seu "bom dia" com um sorriso.
-
Como se sente hoje? - perguntou o conde. - Está melhor? Mais forte? Não sabe
como sofri, quanto rezei, implorando ao Senhor que a salvasse!
-
Tenho a impressão de haver sonhado - disse ela em voz baixa, -É então verdade
que me atacaram, que fui apunhalada?
-
É verdade, minha querida, infelizmente é verdade. Mas, agora, não deve pensar
nisso, deve pensar é em curar-se, pois já está convalescendo, e fora de perigo.
E logo que se possa movimentar, iremos para longe daqui, e procurarei
distraí-la por todos os meios. Pobrezinha... Queria fazer alguma coisa por você
e, ao contrário, como se fosse por vontade do destino, acabei por prejudicá-la.
Em minha casa, não deveria acontecer o que aconteceu! Mas, diga-me, chegou a
reconhecer quem a atacou?
-
Sim - disse Flora - mas antes de falarmos longamente sobre isso, desejo ter uma
conversa com Denise... Parece lembrar-me de tê-la visto aqui ao meu lado. Não
foi sonho?...
-
Não, não foi. Por que deveria ser sonho? Denise lhe quer muito bem e sofreu
como eu, com o que lhe aconteceu, e esteve sempre ansiosa. Quer que a mande
entrar? Quer falar com ela?
-
Sim... Por favor, Fernando. Se vamos um dia unir as nossas vidas, para podermos
amar-nos livremente, perante todos, quero pensar desde já que Denise é um pouco
minha filha...
-
Oh! Sua filha? Uma irmã, isso sim. Mas nada me será mais grato do que ver que ambas
se entendem e se querem.
Acariciou
ainda a fronte da convalescente, inclinou-se para lhe dar um beijo e depois
saiu para chamar Denise e lhe dar a boa notícia.
-
Está tão melhor, esta manhã! - disse exultante. - Agora acredito que Deus não a
abandonará e ajudará a salvá-la.
-
Como me alegro com isto, papai! - exclamou Denise. - Vou ter com ela e lhe
falar...
Não
disse, porém, que queria ir ter com a enferma para se certificar de que esta
não revelaria o seu segredo. Por toda amanhã estivera a se debater entre o
prazer instintivo de ver Flora sofrer e o temor de que ela, ao reviver a saúde,
a denunciasse ao seu suposto pai. Que teria pensado Fernando, se soubesse que a
moça que ele pensava ser sua filha, a quem tanto queria, esquecia sua classe e
sua posição social, a ponto de andar metida com um cavalariço?
-
Venha, papai, leve-me até lá - disse Denise, e segurando amorosamente a mão de
Fernando, dirigiu-se para o quarto onde era esperada por Flora.
Quando
entrou, a doente abriu os braços, num acolhimento afetuoso, que significava um
perdão absoluto.
-
Querida... Não se deve atemorizar - disse. - Antes que seu pai me interrogue,
antes que venha a polícia fazer inquirições, quero ter uma conversa com você.
Compreendo toda fraqueza que pode decorrer de um sentimento amoroso, por isso
lhe peço que me diga sinceramente, sem falso pudor e sem hesitação, como devo
proceder.
Denise
permanecia calada. Tanta generosidade a perturbava e induzia-a a pensar com
remorso na farsa ignóbil que continuava a representar, permanecendo naquela
casa. Por que viera viver num ambiente que não era o seu? Por que se envolvera,
por espontânea vontade, naquele emaranhado de situações amargas e
contrastantes? Não teria sido melhor que continuasse na sua existência
irregular e desordenada?
-
Diga-me... Ainda o ama? - perguntou Flora, com voz mansa. Deve ser sincera
comigo. Sou mulher, e ainda jovem. Por isso, posso compreendê-la.
-
Não o amo mais, não quero mais vê-lo - respondeu Denise com firmeza.
-
Não imagina quanta alegria me causam suas palavras - declarou Flora. - Mesmo
nos momentos em que estive pior, quando meu pobre cérebro estava confuso, eu
compreendia que este seria o momento mais difícil de superar. Meu coração me
dizia que devia convencer você a afastar-se daquele homem, mas eu não sabia
onde encontrar a força de persuasão que seria necessária para conseguir que
você desistisse dele.
-
Não o amo - repetiu Denise - e não me importa absolutamente vê-lo sofrer a
punição da justiça.
-
Pois bem: se realmente é assim, se não vou prejudicá-la ou lhe causar dor,
falarei,denunciá-lo-ei e ele será punido como merece. Mas, não receie, que não
revelarei o seu segredo. Calarei, não só por você como porque não quero que seu
pai seja afetado.
-
Querida! Você é tão boa! - exclamou Denise e, num impulso espontâneo,
ajoelhou-se e beijou a mão da enferma.
-
Não sou boa, desejo apenas que nos queiramos bem - disse Flora - e que a vida
recomece serena nesta casa que foi tão golpeada pela dor.
Ficaram
ainda um pouco a falar sobre coisas diversas, como duas boas amigas e depois
Denise, lembrando-se de que o conde Fernando a esperava no aposento contíguo,
para também conversar com Flora, ergueu-se:
-
Não sei como lhe demonstrar meu reconhecimento - repetiu, e Flora teve um
sorriso. - Não há necessidade de me dizer nada - respondeu - e não tem que me
dar nenhuma prova de reconhecimento. Se pensar que eu mereço o seu afeto,
demonstre-o pelo único modo que me agrada: esqueça aquele infeliz. Promete?
-
Fique certa disso - disse a farsante.
Pouco
depois, o conde Fernando entrava no quarto da jovem.
-
Quero falar-lhe... Diga-me: a polícia foi notificada do que aconteceu? -
perguntou Flora.
-
Sim, certamente, e o assassino foi detido na mesma noite, depois que você disse
seu nome...
-
Eu, disse o nome do homem?! Então eu falei?
-
Você disse que quem a atacou foi Luís Paulo de Rastignac, mas ele nega que a
tivesse visto algum dia, sustenta que havia entrado aqui naquele instante mesmo
e logo foi agarrado e acusado...
-
Naquele instante? Mas que diz você, Fernando? O homem que me quis matar mora
aqui conosco, foi o mesmo que você empregou, por motivo de reconhecimento...
-
Gente daqui de casa? Mas isso é um absurdo! Tudo quanto está acontecendo é
simplesmente uma loucura! Luís Paulo é o filho de um amigo meu, eu o vi
criança, posso dizer que o vi nascer, é rico, nunca foi meu empregado...
-
Diz você que conhece esse rapaz há anos? - exclamou Flora. - Ai de mim! Então
houve um erro de nome! Não pode ser o mesmo de que estou falando. O culpado
então é Afonso, o homem que você empregou como cavalariço, porque lhe salvou a
vida e a de Denise, quando saíam para um passeio de carruagem. Recorda-se?
-
Claro que me recordo! Mas, então, por que você, quando a encontramos ferida,
disse que tinha sido Luís Paulo de Rastignac?
-
Porque ele me disse chamar-se assim, e que entrara aqui sob falsa identidade,
percebe?
-
Percebo, e creio também que caímos numa cilada vulgar, que abrigamos em nossa
casa um indivíduo abjeto e indigno. Fique de olhos fechados, como se dormisse,
mandarei vir Afonso e quando ele, certo de que não será reconhecido, estiver
aqui, olhe-o bem e confirme sua acusação diante de mim. Não acredito que ele
possa negar.
Tocou
a campainha, chamando o fiel mordomo e lhe sussurrou algumas palavras ao
ouvido, ordenando que fosse chamar Afonso. Enquanto isso, foi até o seu quarto
e apanhou a pistola que tinha sempre na gaveta.
-
Fique tranquila - disse ao voltar, - Não se excite. Esse patife pode ser
vencido pela astúcia. Se ele agora suspeitasse de que você está em condições de
reconhecê-lo, fugiria e não lhe poderíamos pôr as mãos em cima, nunca mais. Mas
eu quero, a todo custo, que ele seja punido. Sua culpa merece um castigo severo
e Luís Paulo tem que sair do cárcere onde se encontra.
Flora
reclinou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos. Enquanto isso, o mordomo,
que andara a procura do traidor, fora ter com ele em seu quarto.
-
O senhor conde mandou chamá-lo, para um serviço urgente - disse-lhe. - Venha
depressa, que a senhorita Flora teve uma recaída, perdeu o conhecimento e o
conde quer que você leve um recado seu para o médico.
Mostrando
satisfação com a notícia, e imaginando ser o efeito do suposto veneno dado por
Démon, Afonso acompanhou o mordomo, convicto de que obtivera êxito na manobra
para liquidar com a perigosa testemunha e, ao mesmo tempo, vítima do seu crime.
Paulo adorei esse capítulo! Mas acho que Fernando está correndo perigo ao enfrentar esse bandido, estou preocupada. Vou aguardar ansiosa. Muito bom! Bjs.
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