domingo, 14 de outubro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 21 - PARTE 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXI
PAGANDO A CULPA ALHEIA (CONTINUAÇÃO)


Qual não foi, porém, o seu estarrecimento quando, pouco depois de entrar no quarto da doente, Afonso viu que ela se erguia a meio corpo e o acusava, apontando-o:


- É ele! Foi ele que quis matar-me!
- Eu?!... - Afonso fingia inocência.
- Sim! - Concluiu, Flora: - Disse que se chamava Luís Paulo de Rastignac e eu acreditei.
Afonso ficou um instante estático, depois fez menção de fugir, mas o conde Fernando, rápido e ágil, barrou-lhe a passagem.
Sacando uma pistola e apontando-a para ele, gritou:
- Pare! Se der mais um passo, eu o mato!...
Ante a ameaça da arma, Afonso se deteve, rangendo os dentes e olhando em vão para os lados, à procura de uma saída salvadora.
Fernando, mantendo-o sob sua mira, dirigiu-se à Flora, - que acompanhara todo o lance com olhos assustados e perguntou:
- Tem certeza de que foi ele quem tentou matá-la? Está absolutamente certa, segura de que este homem se fez passar por Luís Paulo de Rastignac? Responda, não tenha receio!
A moça fitou atentamente Afonso, que parecia um animal acuado, depois, apontando outra vez um dedo acusador, exclamou:
- Sim! Foi este homem que me deu a punhalada! Juro-o perante Deus!
- Está louca! - defendeu-se cinicamente o malandro, - Veja bem o que diz, pois poderá arrepender-se amargamente!
O conde Fernando, com o semblante rubro de cólera, deu um passo na direção do larápio.
- Cale-se! Cale-se, velhaco miserável! Sei que devo-lhe reconhecimento, é certo, pelo que fez por mim, e fiz o suficiente para prová-lo, acolhendo-o em minha casa, dando-lhe trabalho, tranquilidade... E você, o que fez? Tentou matar uma criatura indefesa, uma das pessoas que me são mais caras no mundo, e não contente com isso, fez com que a suspeita recaísse sobre o filho de um fidalgo, que nunca fez nada reprovável.
Merecia que o matasse agora mesmo, mas não me quero macular com o seu sangue. Os indivíduos imundos como você, são perigosos para a sociedade!
Um sorriso cruel apareceu no rosto de Afonso, ao mesmo tempo em que seus olhos se fixavam com expressão maliciosa em Denise, que acabava de entrar no quarto de Flora. Cinicamente, o criminoso disse:
- Senhor conde, creio que exagera ao acusar-me. Afinal de contas, eu podia ter feito muito pior... Se bem que eu seja um ladrão, pois que já agora é inútil querer negá-lo, nada roubei, embora muitas oportunidades tenham-se apresentado... Mas o mais importante de tudo é que eu tenho nas mãos a sua própria felicidade, e que posso destruí-la para sempre, com uma única frase... Que me diz, agora? Tem mesmo intenção de me mandar para a prisão? Ou deseja saber mais um pouco?
Fernando, de rubro que estava, tornara-se agora lívido. Um atroz pressentimento o invadira e a mão que segurava a pistola tremia.
- Fale! - ordenou, com voz sibilante. - Fale, sórdido assassino!
Por breves instantes, no aposento reinou um silêncio pesado, carregado de ameaças. Depois, ocorreu o imprevisto: Denise, que até aquele momento não tivera coragem de abrir a boca, com receio de se comprometer e de perder todas as vantagens que a posição de condessinha lhe proporcionava, compreendendo que Afonso estava para prejudicá-la, revelando a farsa que ela e sua mãe haviam urdido, foi dominada pelo desejo louco de suprimir aquele que estava a ponto de desmascará-la. Antes que alguém pudesse impedi-la, agarrou um grande vaso de grosso cristal de roca, que se encontrava sobre uma pequena mesa e, erguendo-o o mais alto que pôde, atirou-o contra Afonso.
Aquele gesto, porém, em vez da morte, foi a salvação do larápio. Com um movimento felino agilíssimo, desviou o corpo e o vaso se estilhaçou no solo, com grande fragor. Depois, aproveitando o momentâneo estarrecimento que o fato provocara nos presentes, rápido como um raio, enveredou pela porta do aposento, precipitando-se para fora, fechando-a à chave. E continuou a correr, gritando:
- Saberei vingar-me!
Voltando a si da surpresa, o conde Fernando disparou sua pistola contra a porta, mas nenhum grito, nenhuma queda se ouviu lá fora. O conde começou a golpear a porta com a culatra da arma, para chamar a atenção do mordomo, ou de algum criado que eventualmente passasse por ali. E quando o mordomo chegou, atraído pelos fortes golpes, o conde ordenou-lhe:
- Chame todos os empregados! Não podemos deixar que ele escape! Não pode ir longe! Depois cuidará de abrir a porta.
O malandro tinha levado a chave consigo para impedir que o conde o perseguisse, Mas Denise, que recuperara a calma e se aproximara da janela, já menos temerosa, por não ver mais nenhum perigo para si, pela sorte de Afonso, disse:
- Receio que agora seja tarde para agarrá-lo, papai. Sem dúvida, ele correu para a coudelaria e já deve ter saído a cavalo pela rua lateral.
- Denise, que deu em sua cabeça? - perguntou, e na sua voz, pela primeira vez, havia uma nota de dureza e severidade. - Eu dominara aquele homem, e sem a sua intempestiva intervenção, ele não poderia fugir. Por que fez aquilo?
- Perdoe-me, papai - respondeu a moça, baixando a cabeça e lançando um olhar de esguelha para Flora Sardon. - Fui tomada de um medo terrível de que ele o atacasse e fizesse algum mal ao senhor!... Meus nervos não resistiram...
Interrompeu-os Flora, embora estivesse ainda muito pálida e dominada pela forte emoção que a empolgara, interveio:
- Denise não teve culpa, Fernando e realmente, você estava fora de si, a ponto de atirar naquele indivíduo. Ela lançou o pesado vaso num instintivo desejo de defender você.
O conde Fernando passou uma das mãos, pela fronte molhada de suor.
- Sim, tem razão - disse. – Nós todos havíamos perdido um pouco a cabeça, naquele momento...
Aproximou-se daquela que acreditava ser sua filha e beijou-a ternamente na testa. Depois, disse:
- Agora, querida, devo deixá-la. Vou à cidade.
- Não, papai - protestou Denise, usando mais uma vez a sua hipocrisia, e contente por ter-se livrado do perigo. - fique conosco! Estou com tanto medo!
Fernando lhe fez um carinho.
- Não fique apreensiva, minha pequena. Voltarei logo, verá.
- Gostaria de saber o que o senhor vai fazer...
- Você esqueceu que o pobre Luís Paulo, provavelmente, a estas horas, se desespera numa cela do xadrez, acusado de tentativa de homicídio? Não devemos prolongar seu sofrimento. Quero que o barão Ernesto possa abraçar novamente, o mais breve possível, seu honesto filho!
Meia hora depois, a charrette do conde Fernando, atrelada por vigoroso par de cavalos, percorria a estrada velozmente. Assim que chegou ao centro da cidade, Fernando decidiu dirigir-se diretamente ao seu advogado, para que este se encarregasse de conseguir a libertação, de Luís Paulo, agora que o verdadeiro agressor de Flora fora descoberto.
Depois de atravessar várias ruas, chegou ao escritório do causídico, quando este se preparava para sair.
-Bom dia, conde! Não o esperava...
- Fico contente por encontrá-lo, Gourmont.
- Houve alguma novidade a respeito da agressão sofrida pela senhorita Flora? -perguntou o advogado.
- Sim. Hoje descobrimos o verdadeiro agressor de Flora Sardon! - anunciou Fernando.
- O "verdadeiro" agressor? - repetiu o advogado, sem compreender. - Mas, então, o culpado não é o jovem Luís Paulo de Rastignac?
- Felizmente, não!
- Mas como, então, Flora Sardon, na mesma noite em que foi ferida, declarou que tinha sido Luís Paulo?
Em poucas palavras, o conde Fernando pôs o advogado a par do que ocorrera no palácio, pouco antes, e da dramática fuga de Afonso.
- O senhor correu um belo risco, conde - comentou o advogado.
- Esse bandido podia ter causado muito mal ao senhor e à sua filha!
- Felizmente, tudo acabou bem. - A única coisa a lamentar é que tenha fugido, aproveitando a intervenção intempestiva de Denise.
- Já avisou a polícia?
- Sim, meu mordomo cuidou, disso. O bandido fugiu em um dos meus cavalos, mas não creio que possa ir muito longe.
- Agora, preciso libertar o filho do barão Ernesto. O pai deve estar sofrendo atrozmente com isso...
- Para isso, precisamente, é que vim aqui a sua procura - disse o conde Fernando.
- Sua carruagem está aí fora, conde?
- Está.
- Nesse caso, vamos sem perda de tempo. Daqui a pouco Luís Paulo estará em liberdade.

2 comentários:

  1. Paulo, está tudo muito bem por enquanto. Mas por quanto tempo? Afonso deve aprontar alguma! E a pobre Maria, como estará? Tantas emoções... Gostei muito! Bjs.

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  2. Dessa vez quase os maus entraram pelo "cano", mas se acontecesse isso a história terminaria e ainda não é hora... Muito boa a história e cheia de reviravoltas como um bom folhetim...

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