O INFERNO
Capítulo XXI
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XXI
PAGANDO A CULPA ALHEIA (CONTINUAÇÃO)
Qual
não foi, porém, o seu estarrecimento quando, pouco depois de entrar no quarto
da doente, Afonso viu que ela se erguia a meio corpo e o acusava, apontando-o:
-
É ele! Foi ele que quis matar-me!
-
Eu?!... - Afonso fingia inocência.
-
Sim! - Concluiu, Flora: - Disse que se chamava Luís Paulo de Rastignac e eu
acreditei.
Afonso
ficou um instante estático, depois fez menção de fugir, mas o conde Fernando,
rápido e ágil, barrou-lhe a passagem.
Sacando
uma pistola e apontando-a para ele, gritou:
-
Pare! Se der mais um passo, eu o mato!...
Ante
a ameaça da arma, Afonso se deteve, rangendo os dentes e olhando em vão para os
lados, à procura de uma saída salvadora.
Fernando,
mantendo-o sob sua mira, dirigiu-se à Flora, - que acompanhara todo o lance com
olhos assustados e perguntou:
-
Tem certeza de que foi ele quem tentou matá-la? Está absolutamente certa,
segura de que este homem se fez passar por Luís Paulo de Rastignac? Responda,
não tenha receio!
A
moça fitou atentamente Afonso, que parecia um animal acuado, depois, apontando
outra vez um dedo acusador, exclamou:
-
Sim! Foi este homem que me deu a punhalada! Juro-o perante Deus!
-
Está louca! - defendeu-se cinicamente o malandro, - Veja bem o que diz, pois
poderá arrepender-se amargamente!
O
conde Fernando, com o semblante rubro de cólera, deu um passo na direção do
larápio.
-
Cale-se! Cale-se, velhaco miserável! Sei que devo-lhe reconhecimento, é certo,
pelo que fez por mim, e fiz o suficiente para prová-lo, acolhendo-o em minha
casa, dando-lhe trabalho, tranquilidade... E você, o que fez? Tentou matar uma
criatura indefesa, uma das pessoas que me são mais caras no mundo, e não
contente com isso, fez com que a suspeita recaísse sobre o filho de um fidalgo,
que nunca fez nada reprovável.
Merecia
que o matasse agora mesmo, mas não me quero macular com o seu sangue. Os
indivíduos imundos como você, são perigosos para a sociedade!
Um
sorriso cruel apareceu no rosto de Afonso, ao mesmo tempo em que seus olhos se
fixavam com expressão maliciosa em Denise, que acabava de entrar no quarto de
Flora. Cinicamente, o criminoso disse:
-
Senhor conde, creio que exagera ao acusar-me. Afinal de contas, eu podia ter
feito muito pior... Se bem que eu seja um ladrão, pois que já agora é inútil
querer negá-lo, nada roubei, embora muitas oportunidades tenham-se
apresentado... Mas o mais importante de tudo é que eu tenho nas mãos a sua
própria felicidade, e que posso destruí-la para sempre, com uma única frase...
Que me diz, agora? Tem mesmo intenção de me mandar para a prisão? Ou deseja
saber mais um pouco?
Fernando,
de rubro que estava, tornara-se agora lívido. Um atroz pressentimento o
invadira e a mão que segurava a pistola tremia.
-
Fale! - ordenou, com voz sibilante. - Fale, sórdido assassino!
Por
breves instantes, no aposento reinou um silêncio pesado, carregado de ameaças.
Depois, ocorreu o imprevisto: Denise, que até aquele momento não tivera coragem
de abrir a boca, com receio de se comprometer e de perder todas as vantagens
que a posição de condessinha lhe proporcionava, compreendendo que Afonso estava
para prejudicá-la, revelando a farsa que ela e sua mãe haviam urdido, foi
dominada pelo desejo louco de suprimir aquele que estava a ponto de
desmascará-la. Antes que alguém pudesse impedi-la, agarrou um grande vaso de
grosso cristal de roca, que se encontrava sobre uma pequena mesa e, erguendo-o
o mais alto que pôde, atirou-o contra Afonso.
Aquele
gesto, porém, em vez da morte, foi a salvação do larápio. Com um movimento
felino agilíssimo, desviou o corpo e o vaso se estilhaçou no solo, com grande
fragor. Depois, aproveitando o momentâneo estarrecimento que o fato provocara
nos presentes, rápido como um raio, enveredou pela porta do aposento,
precipitando-se para fora, fechando-a à chave. E continuou a correr, gritando:
-
Saberei vingar-me!
Voltando
a si da surpresa, o conde Fernando disparou sua pistola contra a porta, mas
nenhum grito, nenhuma queda se ouviu lá fora. O conde começou a golpear a porta
com a culatra da arma, para chamar a atenção do mordomo, ou de algum criado que
eventualmente passasse por ali. E quando o mordomo chegou, atraído pelos fortes
golpes, o conde ordenou-lhe:
-
Chame todos os empregados! Não podemos deixar que ele escape! Não pode ir
longe! Depois cuidará de abrir a porta.
O
malandro tinha levado a chave consigo para impedir que o conde o perseguisse,
Mas Denise, que recuperara a calma e se aproximara da janela, já menos
temerosa, por não ver mais nenhum perigo para si, pela sorte de Afonso, disse:
-
Receio que agora seja tarde para agarrá-lo, papai. Sem dúvida, ele correu para
a coudelaria e já deve ter saído a cavalo pela rua lateral.
-
Denise, que deu em sua cabeça? - perguntou, e na sua voz, pela primeira vez,
havia uma nota de dureza e severidade. - Eu dominara aquele homem, e sem a sua
intempestiva intervenção, ele não poderia fugir. Por que fez aquilo?
-
Perdoe-me, papai - respondeu a moça, baixando a cabeça e lançando um olhar de
esguelha para Flora Sardon. - Fui tomada de um medo terrível de que ele o
atacasse e fizesse algum mal ao senhor!... Meus nervos não resistiram...
Interrompeu-os
Flora, embora estivesse ainda muito pálida e dominada pela forte emoção que a
empolgara, interveio:
-
Denise não teve culpa, Fernando e realmente, você estava fora de si, a ponto de
atirar naquele indivíduo. Ela lançou o pesado vaso num instintivo desejo de
defender você.
O
conde Fernando passou uma das mãos, pela fronte molhada de suor.
-
Sim, tem razão - disse. – Nós todos havíamos perdido um pouco a cabeça, naquele
momento...
Aproximou-se
daquela que acreditava ser sua filha e beijou-a ternamente na testa. Depois,
disse:
-
Agora, querida, devo deixá-la. Vou à cidade.
-
Não, papai - protestou Denise, usando mais uma vez a sua hipocrisia, e contente
por ter-se livrado do perigo. - fique conosco! Estou com tanto medo!
Fernando
lhe fez um carinho.
-
Não fique apreensiva, minha pequena. Voltarei logo, verá.
-
Gostaria de saber o que o senhor vai fazer...
-
Você esqueceu que o pobre Luís Paulo, provavelmente, a estas horas, se
desespera numa cela do xadrez, acusado de tentativa de homicídio? Não devemos
prolongar seu sofrimento. Quero que o barão Ernesto possa abraçar novamente, o
mais breve possível, seu honesto filho!
Meia
hora depois, a charrette do conde Fernando, atrelada por vigoroso par de
cavalos, percorria a estrada velozmente. Assim que chegou ao centro da cidade,
Fernando decidiu dirigir-se diretamente ao seu advogado, para que este se
encarregasse de conseguir a libertação, de Luís Paulo, agora que o verdadeiro
agressor de Flora fora descoberto.
Depois
de atravessar várias ruas, chegou ao escritório do causídico, quando este se
preparava para sair.
-Bom
dia, conde! Não o esperava...
-
Fico contente por encontrá-lo, Gourmont.
-
Houve alguma novidade a respeito da agressão sofrida pela senhorita Flora?
-perguntou o advogado.
-
Sim. Hoje descobrimos o verdadeiro agressor de Flora Sardon! - anunciou
Fernando.
-
O "verdadeiro" agressor? - repetiu o advogado, sem compreender. -
Mas, então, o culpado não é o jovem Luís Paulo de Rastignac?
-
Felizmente, não!
-
Mas como, então, Flora Sardon, na mesma noite em que foi ferida, declarou que
tinha sido Luís Paulo?
Em
poucas palavras, o conde Fernando pôs o advogado a par do que ocorrera no
palácio, pouco antes, e da dramática fuga de Afonso.
-
O senhor correu um belo risco, conde - comentou o advogado.
-
Esse bandido podia ter causado muito mal ao senhor e à sua filha!
-
Felizmente, tudo acabou bem. - A única coisa a lamentar é que tenha fugido,
aproveitando a intervenção intempestiva de Denise.
-
Já avisou a polícia?
-
Sim, meu mordomo cuidou, disso. O bandido fugiu em um dos meus cavalos, mas não
creio que possa ir muito longe.
-
Agora, preciso libertar o filho do barão Ernesto. O pai deve estar sofrendo
atrozmente com isso...
-
Para isso, precisamente, é que vim aqui a sua procura - disse o conde Fernando.
-
Sua carruagem está aí fora, conde?
-
Está.
-
Nesse caso, vamos sem perda de tempo. Daqui a pouco Luís Paulo estará em
liberdade.
Paulo, está tudo muito bem por enquanto. Mas por quanto tempo? Afonso deve aprontar alguma! E a pobre Maria, como estará? Tantas emoções... Gostei muito! Bjs.
ResponderExcluirDessa vez quase os maus entraram pelo "cano", mas se acontecesse isso a história terminaria e ainda não é hora... Muito boa a história e cheia de reviravoltas como um bom folhetim...
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