O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo
XXII
“GAIOLA
DE OURO”
Quando
Maria "Flor de Amor" voltou a si, após quase duas horas de sono
provocado pelo narcótico que havia ingerido, assustou-se vendo ao seu lado
Leopoldo Verdier, que agora não tirava os olhos da estrada, rodando com sua
charrette a grande velocidade.
-
Oh! Minha querida! Despertou, afinal! Sente-se bem? - exclamou Leopoldo
Verdier, olhando para ela, não sem certa ironia.
-
Diga-me onde estamos - retrucou Maria "Flor de Amor", olhando em volta
- Para onde me leva o senhor?
-
Levo-a para a minha fazenda, a qual eu dei o nome de "Meu Paraíso".
Você verá como lhe agradará. Daqui a pouco chegaremos.
Maria
“Flor de Amor” não respondeu e fez um grande esforço para não explodir em
soluços. Seu olhar vagava em torno, distraidamente. E diante da majestosidade
das montanhas, no fim da extensão da planície, sentia-se tremendamente pequena
e abandonada.
Meia
hora transcorreu e a charrete abandonou a estrada para penetrar numa outra de
terra batida, que enveredava por um bosque, em rápida curva. E finalmente,
depois de outra curva, começou a aproximar-se da entrada a uma vasta fazenda de
lavoura e criação de cavalos.
O
capataz e uma mulher, com aspecto de ama de chaves, saíram de uma das casas,
indo ao encontro dos recém-chegados, saudando a Leopoldo Verdier com o máximo
respeito, ajudando-os a descer da charrete.
Leopoldo
dirigiu algumas palavras à governanta, depois voltou-se para Maria "Flor
de Amor", dizendo:
-
Aqui estará como em sua própria casa, querida. Margot a levará ao aposento que
lhe está destinado. Espero que lhe agrade. Até já...
A
moça mal ouviu aquelas palavras, ocupada que estava em observar a grande
fazenda para onde fora trazida, e os barracões lá existentes.
-
Por aqui - disse a empregada, abrindo uma porta e fazendo Maria "Flor de
Amor" penetrar num rústico vestíbulo.
Subiram
por uma escada de madeira e, quando chegaram ao patamar do sobrado, Margot
indicou à Maria "Flor de Amor" uma pesada porta:
-
Queira entrar.
Maria
"Flor de Amor" obedeceu sem dizer palavra.
-
Gosta? Está mobiliado ao seu gosto? - perguntou a governanta. - As janelas dão
para o nascente, e todas as manhãs os raios do sol penetram por elas. Procure
acordar sempre cedo, ou pelo menos algumas vezes, para apreciar o espetáculo do
sol sobre as montanhas, é maravilhoso!
Vendo
que a governanta se mostrava expansiva e sentindo nela o desejo de que
trocassem algumas palavras, se não o de lhe dissipar a preocupação ante a
situação em que se encontrava, Maria "Flor de Amor" perguntou
gentilmente:
-
Como se chama a senhora?
-
Meu nome é Margot Delvost.
-
É francesa, não? Vejo que fala muito bem a língua da França.
Um
sorriso iluminou o semblante da mulher.
-
Claro que falo bem o francês! Nasci em Marselha, onde melhor se pronuncia o
nosso idioma - acrescentou ela, orgulhosamente.
Maria
"Flor de Amor" sentou-se numa poltrona forrada de couro verde.
Sentia-se cansada e, naturalmente, ainda um pouco sob os efeitos do narcótico.
Mas queria saber alguma coisa mais sobre a governanta, sobretudo, se fosse
possível, arrancar alguma informação referente ao misterioso Leopoldo Verdier.
E perguntou ainda:
-
Está a serviço do senhor Verdier há muito tempo?
-
Muito, muitíssimo, devo dizer. Imagine que quando vim para cá tinha apenas
vinte anos, e olhe agora para mim, tornei-me uma velha feia!
-
Não diga assim. Não parece velha e dá uma excelente impressão de saúde.
Conquistada
pela conversa simples e doce da mocinha, a governanta corou e exclamou, olhando
Maria "Flor de Amor", já agora com olhos afetuosos:
-Muito
boazinha, senhorita, e procura agradar-me... Mas não falemos de mim, agora.
Venha, quero mostrar-lhe as outras peças. Que lhe parece? Olhe só que luxo! Ah,
se eu pudesse viver num ambiente assim! Que sorte a sua! A senhorita é que é
feliz!
Na
verdade, a pobre Maria "Flor de Amor" não se sentia nada feliz, e
trocaria de boa vontade sua situação com a da governanta, para ter a liberdade
de ir onde lhe aprouvesse. Todavia, sabendo que isso seria impossível,
resignou-se a examinar tudo, convindo, entretanto, que efetivamente, o luxo que
reinava ali era impressionante. Nenhum detalhe fora esquecido para tornar os
aposentos os mais cômodos e confortáveis possível, na casa grande da fazenda.
-
Oh! O patrão é muito bom - continuou dizendo, entretanto, Margot. - E não é
nada seguro, sabe? Estou certa de que se lhe pedir qualquer coisa, seja o que
for, ele a satisfará imediatamente. Se desejar peles, vestidos de máximo luxo,
joias... Não tem mais que lhe pedir...
-
Pode ser - concordou a mocinha, de modo algum impressionada com aquelas
palavras - mas o que eu desejaria é muito mais precioso que o ouro ou que as
joias... Muito mais precioso.
Estava
a ponto de abrir seu coração com a governanta, mas as últimas palavras desta
fizeram-na desistir desse propósito, induzindo-a, pelo menos por enquanto, a
conservar o segredo.
-
Aqui é o salão - continuou Margot, mostrando à moça uma peça toda atapetada com
tapeçarias de seda azul, - e este é o seu quarto de dormir...
A
velha acompanhou-a depois à sala de refeições, no centro da qual se ostentava
uma bela mesa redonda, não grande demais, mas suntuosamente posta. Depois de
lhe pedir que esperasse uns minutos, afastou-se, para logo retornar trazendo
uma bandeja de prata, na qual estavam arrumados pratos com alimentos
artisticamente preparados,
-
Comida preparada pelo nosso cozinheiro parisiense - explicou - e espero que lhe
agrade. O senhor Leopoldo aprecia os pratos refinados, e Gaston, o cozinheiro,
que é um verdadeiro artista, sabe contentá-lo.
-
E esse homem veio também de Paris? - perguntou Maria "Flor de Amor",
servindo-se, embora com parcimônia, porque, apesar de tudo, sentia necessidade
de se alimentar.
-
Mas para quem está habituado a viver numa grande metrópole, deve ser terrível
permanecer sempre aqui, neste isolamento.
-
Não duvide, mas Gaston está satisfeito, e como! Escute... - a camareira hesitou
um momento - além do elevado ordenado que recebe, tem seus motivos para
preferir não se afastar muito...
-
Como assim? - perguntou Maria "Flor de Amor", com a sua costumeira
ingenuidade.
-
Como assim? Oh, minha menina, bem se vê que é inocente... Porque ele prefere
uma cômoda morada, aqui, a uma cela numa prisão. Se voltasse à França, teria de
acertar umas continhas com a justiça que talvez o mandasse para a guilhotina...
Compreende, agora, não?
-
Então, o senhor Leopoldo é muito bom para ele, - concordou Maria "Flor de
Amor".
Ela
estava terrivelmente impressionada por saber que se o cozinheiro era um
assassino, logo, o que não seriam os demais empregados?
A
governanta, que ficara um instante silenciosa, murmurou:
-
Sim, é certo. Às vezes, comporta-se como um verdadeiro benfeitor... Mas, outras
vezes, o senhor Leopoldo, que é muito nervoso, deixa-se dominar por acessos de
cólera, e então não respeita nada nem ninguém. Nessas ocasiões, ai de quem
ousar contrariá-lo! Os criados e os escravos o temem, e com razão!
-
Agradeço-lhe, Margot, pelo esclarecimento que me deu sobre as pessoas que aqui
vivem. Aliás, quero que saiba, espero permanecer muito pouco tempo aqui...
-
Não foi isso o que me disse o senhor Leopoldo... Ele falou que a senhorita
permanecerá durante uma boa temporada nesta fazenda...
-
Ele falou isso com a senhora? - perguntou Maria "Flor de Amor", não
dissimulando sua inquietude.
-
Silêncio! - disse Margot. - Ele está chegando. Conheço bem os seus passos.
Pobre Maria, nesse lugar isolado, com esses estranhos, até um assassino que Leopoldo protege, está em situação muito difícil, impossível escapar dali! Que criatura que sofre! Paulo, está muito boa essa história! Bjs.
ResponderExcluirMais desdobramentos do drama de Maria Flor do Amor. Mais um nó a ser desfeito nessa coleção deles que se chama folhetim. Inesperado e emocionante.
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