O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo
XXVI
A
FALSA E A VERDADEIRA FILHA
Dona
Eufêmia, a proprietária do grande e movimentadíssimo "atelier" de
costura, o mais importante de Nova Orleans, ordenou a um dos seus empregados:
-
Mande-me a senhorita Maria "Flor de Amor", por favor. É urgente.
A
elegante senhora se levantou e, enquanto esperava que a auxiliar chegasse,
observou da janela envidraçada as pessoas lá embaixo que, vistas daquela
altura, lembravam um formigueiro em plena atividade.
Alguns
minutos depois, uma jovem de belíssimas feições e expressão adoravelmente
ingênua, depois de haver batido discretamente à porta, entrou no atelier,
dizendo:
-
Mandou me chamar, senhora?
-
Sim, minha filha - respondeu a modista, - Preciso incumbir uma das moças numa
tarefa de suma importância. Quer aceitar o encargo?
-
Farei o que puder para satisfazê-la, não tenha dúvida.
-
Pois, então, ouça. Os vestidos da condessinha Denise estão prontos. Tenho que
mandar levá-los até o palacete, mas você sabe como são essas meninas ricas;
nunca se satisfazem com as coisas. Denise Chanteloup, em particular, parece
feita de encomenda para aborrecer os outros. Tenho absoluta certeza de que,
depois de experimentar os vestidos uma porção de vezes, vai descobrir dezenas
de defeitos... Preciso, por isso, mandar alguém que saiba usar de diplomacia e
consiga provar que os defeitos não existem, como é o caso. Acha que pode fazer
isso?
Maria
"Flor de Amor" sorriu.
-
Pode confiar em mim, senhora, e agradeço a confiança que demonstra. Vai ver
como a condessinha ficará satisfeita.
-
Ótimo, menina. Gosto disso - disse a modista, sorridente, como quem se sente
aliviada de uma preocupação. - Então aqui tem o endereço. - É um bom passeio,
além disso, pois o palacete fica longe do centro da cidade. Irá na minha
carruagem.
Maria
"Flor de Amor" tomou o cartão que a senhora lhe entregava e fez
menção de sair do gabinete.
-
A propósito, senhorita: se puder, não fale com as suas companheiras sobre esta
incumbência. Como você está aqui conosco há pouco tempo, poderá haver ciumadas,
que originarão inimizades para você. Mas quero que saiba: tenho-a observado,
desde alguns dias, e confesso que há anos não lido com uma jovem que demonstre
tanta habilidade, em nosso trabalho. Se continuar assim, breve lhe darei um
aumento e, talvez, um cargo de chefia. Satisfeita?
-
Imensamente, senhora - respondeu Maria "Flor de Amor", corando
fortemente. - Confesso que receio não merecer tanta confiança...
-
Não se subestime assim, senhorita.
-
Não é que me subestime, mas já tenho sofrido tanto na vida, que me parece
impossível que haja para mim um futuro, um pouco tranquilo...
A
modista olhou com afeto a mocinha, que se exprimia como uma pessoa que tivesse
o dobro da idade que apresentava.
Aproximou-se
então e, fazendo-lhe uma leve carícia no rosto, concluiu:
-
Procure ter um pouco mais de confiança na sua boa estrela. Agora, vá. A
condessinha não gosta de esperar e fará um espetáculo se a encomenda demorar
mais um pouco, além da hora combinada.
Pouco
depois, "Maria "Flor de Amor", trajando um vestido simples e de
feitio sóbrio, mas que punha em destaque sua maravilhosa esbelteza, partia numa
carruagem, acomodando-se como podia em meio às numerosas caixas que ocupavam o
assento traseiro do carro e dava ao cocheiro o endereço do palacete. Sentia-se
curiosa sobre a rica mansão, da qual tanto ouvira falar suas companheiras de
trabalho e quando, após meia hora de corrida veloz pelas ruas, o palacete
surgiu à sua vista, se bem que mergulhado na sombra do arvoredo que o
circundava, não pôde deixar de admirar, extática, sua grandiosa beleza. Ela,
que, coitada, sempre tivera tão pouco, na sua pobre e curta vida, pensou que se
sentiria como uma rainha, se pudesse viver naquele castelo de fábula. A
carruagem percorreu a ampla alameda e se deteve frente à estrada principal. Um
criado de libré ajudou o lacaio a carregar as caixas com os vestidos até o
salão particular da condessinha Denise. Esta, logo depois,entrou no salão, sem
se dignar lançar um olhar para Maria "Flor de Amor" e logo começou a
retirar os vestidos das caixas, para experimentá-los. Imediatamente, conforme
fora previsto, Denise foi logo apontando uma porção de defeitos inexistentes,
com tal insistência que seria capaz de fazer perder a calma à pessoa mais
paciente deste mundo.
Maria
"Flor de Amor", porém, desejosa de contentar a dona do
"atelier", e de não desmentir a confiança que nela fora depositada,
ia respondendo com calma e meiguice, destruindo um por um os reparos da outra,
a ponto de a filha da marquesa Renata, no fim da prova, chegar a dizer:
-
Vejo que você conhece perfeitamente o seu ofício, mocinha. A outra que veio
antes, para a primeira prova, só fazia dizer: - Sim, condessa... É isso mesmo,
condessa... Como quiser, condessa... E, no entanto, as minhas observações
pareciam entrar por um ouvido e sair por outro.
-
A senhora é muito bondosa, condessinha Denise.
-
Sou sempre condescendente com quem me satisfaz - respondeu Denise, com ar
presunçoso. - A propósito: não demora e chegará o dia do meu casamento e estou
preocupada porque minha camareira é uma tonta, não entende de coisa alguma. Que
diz sobre a possibilidade de vir me arrumar o vestido? Naturalmente, eu a
recompensarei adequadamente...
Maria
"Flor de Amor" ficou indecisa, porque nunca imaginaria receber tal
convite.
-
Na verdade - murmurou - não sei se poderei... Primeiro devo pedir Permissão à
dona Eufêmia, pois não posso livremente dispor do meu tempo...
-
Moça! - cortou Denise, subitamente aborrecida. - Devo lembrar-lhe que não estou
pedindo um favor, eu é que o estou fazendo! Quanto a tal sua patroa, basta
comunicar-lhe e tudo estará liquidado!
-
Desculpe se não me expressei bem, condessinha. - disse Maria "Flor de
Amor". - Se a senhora fizer a gentileza de escrever um bilhete para a
minha patroa, sentir-me-ei muito feliz em aceitar a incumbência que me quer dar
e de antemão lhe agradeço...
Mais
calma diante daquela humildade, Denise acrescentou, pavoneando-se diante do
espelho, depois de ter provado o último dos vestidos que Maria "Flor de
Amor" havia trazido:
-
Se é assim, já que está aqui e que gosta, porque não larga o
"atelier" e entra para meu serviço?
Maria
"Flor de Amor" ia responder quando alguém bateu à porta. Denise,
rudemente, gritou:
-
Não pode entrar! Estou ocupadíssima!
Do
outro lado uma voz quente e calma, a cujo som Maria "Flor de Amor"
teve um estranho estremecimento, respondeu:
-
Está tão ocupada assim, que não pode ver seu pai, Denise?
Mudando
imediatamente de tom e assumindo aquele arzinho doce e hipócrita que usava
junto ao conde Fernando, ela respondeu:
-
Ah, paizinho... Desculpe... Não pensei que fosse o senhor... Entre, entre...
Logo,
no vão da porta, surgiu a elegante figura de Fernando Chanteloup. Vendo os
vestidos espalhados aqui e ali, sobre as costas das poltronas, o conde
observou:
-
A propósito, querida, soube que você preferiu por si mesma encomendar o traje
nupcial. Já está pronto? O dia do casamento não demora a chegar...
-
Mas é claro, papai! E, além disso, para ter certeza de que tudo correrá bem,
estava agora mesmo dizendo a esta moça, que é empregada da modista, que
gostaria que ela ficasse a meu serviço. É muito jeitosa e sabe como me
contentar.
-
Pois está certo!... Que diz, menina? - perguntou Fernando, voltando-se para
Maria "Flor de Amor" com ar benévolo, enquanto Denise passava para o
aposento ao lado, para apanhar o vestido que ia pôr.
Maria
"Flor de Amor" ia dar a resposta ao conde, quando, do quarto onde
entrara a filha da marquesa Renata, veio um grito sufocado: - Papai!... Corra,
depressa!...
O
conde Fernando, sem hesitação, precipitou-se para o quarto de Denise, onde um
quadro estranho, e aparentemente sem lógica, o esperava: no chão, sob uma
pequena mesa, estava um porta-retrato com moldura de ouro, à volta do qual se
espalhavam pedaços de vidro. À primeira vista tinha-se a impressão de um
acidente banal, mas acontecia que a moldura de ouro estava completamente vazia
e o próprio conde sabia que, até o dia anterior, ela encerrava um retrato de
Luís Paulo de Rastignac.
-
Que aconteceu? - perguntou Fernando, intrigado.
-
Não compreendo, papai, não estou entendendo!... - respondeu Denise, que estava
intensamente pálida. - Alguém entrou neste quarto e roubou o retrato do meu
noivo... E apenas o retrato!
-
Querida, não é possível! Tem certeza de que não foi você mesma quem o retirou?
Ou talvez tenha sido algum dos criados que fez cair o porta-retrato, quebrando
o vidro.
-
Não, não, papai!...
-
Não compreendo, Denise, então não entendo... Quem poderia ter interesse em
tirar o retrato? Tem certeza de que estava aí, hoje pela manhã? Você o viu?
-
Bem... Isso não posso garantir...
O
conde Fernando examinou em volta, certificando-se de que nada mais faltava no
aposento. Constatando isso, continuou:
-Um
ladrão, certamente, não foi, o que mais lhe poderia ter interessado seria a
moldura, que é de ouro, e poderia dar bom dinheiro, se fosse vendida. Mas um
retrato...
Enquanto
isso Maria "Flor de Amor", quase sem querer, como que impelida por
uma força desconhecida, atraída pelo grito de Denise, se aproximara também da
porta do quarto.
Oi Paulo, está muito interessante Maria Flor de Amor e Denise, a possibilidade de conviver lado a lado,não sabendo o que as envolve. Maria Flor é muita ingênua, vejo que vai continuar sofrendo ficando na mão da Denise que é cobra criada. Quem será que roubou a foto do "noivo" da Denise, será que a Maria Flor vai descobrir logo quem é o tal noivo? Vou aguardar o próximo capítulo, que venha logo.
ResponderExcluirTadinha da Maria "Flor de Amor", trabalhar para essa criatura chata e arrogante, e que lhe roubou tudo a que tinha direito: o pai, uma vida confortável, e o homem que amava! Vai ser muito triste, principalmente quando ela descobrir quem é o noivo de Denise! Paulo está ficando cada vez mais surpreendente essa história! Bjs.
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