domingo, 28 de outubro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 25 - PARTE 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXV
UM FARSANTE DESMASCARADO (CONTINUAÇÃO)


Agora as quatro mulheres estavam no luxuoso aposento que Leopoldo Verdier destinara à sua forçosa hóspede Maria "Flor de Amor".
Dolores, que precisava devolver a chave que tomara de Jeremias antes que este despertasse de sua bebedeira, não queria perder um minuto e fez com que as fugitivas se dirigissem para a saída, levando consigo apenas uns poucos pertences e algum dinheiro, que a bondosa Isabel repartira entre Maria "Flor de Amor" e Dolores, de suas economias.
Ela depois voltou a descer à adega onde Jeremias roncava sonoramente. Isabel colocou a chave no cinto do vigia e, em seguida, saiu do subterrâneo e foi para o seu quarto, sem ser vista por ninguém.
Naquela noite fria, na vasta solidão dos campos reinava medrosa escuridão. Dolores acendeu a lanterna que recebera de Isabel, iluminando assim os passos das três mulheres pela poeirenta e silenciosa estrada.
Vivalma por parte alguma. As mulheres frequentemente olhavam para trás, temerosas de serem seguidas, mas não viam ninguém. Na fazenda ainda tardariam algumas horas em notar a fuga.
De repente, destacando-se das compactas sombras noturnas, as fugitivas viram brilhar os fogos-fátuos que pareciam saltitar sobre as sepulturas do cemitério. Impressionadas, as duas mulheres fizeram o sinal da cruz, enquanto que Ritinha perguntava:
- Mamãe, o que são essas luzezinhas que estão brilhando à nossa frente?
- Essas luzes representam as almas que ali dormem o sono eterno.
Explicou Dolores, estremecendo à ideia de que em breve poderia ela também ocupar um lugar nesse campo santo, já que matar escravos fugitivos, na Luisiana daquele tempo, não era delito.
À vista do melancólico recinto onde jazem os que desta vida para sempre se foram, impressionou ainda mais às duas mulheres, agora paradas diante do portão de ferro, que não estava fechado à chave.
Empurraram-no bastante e penetraram no largo vestíbulo, em cujos lados existiam capelas para as cerimônias fúnebres.


- Tenho medo, mamãe! - exclamou Ritinha, estremecendo de pavor. A criança, que nunca estivera num cemitério, pressentiu nesse instante o grande mistério que encerra a morte.
- Não seja bobinha, querida! - admoestou sua mãe. - É melhor refugiar-se na casa dos mortos que nos vermos perseguidas pelos vivos que só querem o nosso mal.
Maria "Flor de Amor" falou em seguida:
- Segundo Isabel, a casa de Dagoberto fica atrás da capela lateral esquerda.
- Vamos, então, ao encontro dele. Nossa salvação depende da ajuda que nos prestar esse incógnito amigo - respondeu Dolores.
Uma luz brilhava através do vidro de uma janela da pequena morada de Dagoberto. Este era o único ser vivo que habitava aquele fúnebre jardim da morte. Maria "Flor de Amor" deu três leves batidas consecutivas na vidraça. E, ato contínuo, a porta se abriu, aparecendo no umbral um homem muito magro e de alta estatura, de cor preta, olhos vivos e penetrantes, que viviam apenas para investigar os mistérios do além. Dagoberto tinha fama de feiticeiro e inspirava temor por ser considerado um cultivador calejado da magia negra. Tinha sido escravo e soube quebrar seus grilhões, e uma vez dono de sua liberdade, profundamente decepcionado com os homens, aceitou um emprego que poucos queriam naqueles tempos de profunda superstição: ser guardião do campo santo e coveiro daqueles que chegavam àquele jardim da morte para nunca mais sair. .
A luz da lanterna da casa de Dagoberto iluminou os rostos das recém-chegadas.
- São pessoas amigas - disse com convicção. - E isso, leio nos seus rostos e, também noto que estão precisando de mim. Entrem. Dagoberto nunca fechou sua porta àqueles que precisam dele.
Dolores e Maria "Flor de Amor" obedeceram. Ritinha observou uma coruja, que saltitava em cima de uma mesa, na qual podia ver-se um relógio de areia e diversos livros abertos.
- Essa coruja - explicou Dagoberto - me faz companhia. Na minha vida anterior, eu já reencarnei seis vezes, fui amado por uma mulher extraordinária. Não amarei outra, na esperança de que, na minha próxima reencarnação, tornarei a encontrar a minha Luísa Adelaide, para retomar nosso romance de amor.
Então Dagoberto - tal como dissera Isabel - era um autêntico feiticeiro, iniciado nos mais herméticos segredos da astrologia e da magia!
- Sente-se - disse ele. - Estão fatigadas pela caminhada. Vêm de muito longe?
- Da fazenda que é propriedade de Leopoldo Verdier - explicou Dolores.
- Dessa propriedade regada com o suor, sangue e lágrimas de inúmeras vítimas, não tardará em ser desencarnado o patife do Leopoldo! - disse com voz profética Dagoberto.
- O governo irá intervir? - quis saber Maria "Flor de Amor".
- Não, moça. Vai ser a morte, a morte que ele tanto merece e da qual não escapará - explicou Dagoberto.
Em seguida, pegou diversos pergaminhos e desenrolou um deles.
- Leopoldo, meu desprezível inimigo, está condenado. Este horóscopo feito por mim com o maior cuidado, o revela... Esse amaldiçoado aventureiro morrerá na noite de 14 de julho próximo. Pouco depois da celebração da grande festa anual na sua fazenda.
- Fugitivas desse negreiro, chegamos até aqui encaminhadas pela velha Isabel para que nos proteja e facilite a nossa saída desta região, onde não tardaremos em ser obstinadamente perseguidas - explicou Maria "Flor de Amor".
- Isabel, uma alma nobre, uma criatura de fina sensibilidade vivendo entre feras de aspecto humano naquela fazenda... - comentou Dagoberto, - Espiritualmente, considero-a como uma irmã. Vocês não poderiam pronunciar um nome que me fosse mais grato que o de Isabel.
Em seguida, as duas mulheres contaram ao feiticeiro sua triste estória. Dagoberto, que as escutou com muita atenção, disse-lhes:
- Posso resolver a situação de ambas. Tudo depende de que seus nervos suportem mais uma prova... Posso fazê-las desaparecer da região, mas...
- Desaparecer das proximidades de Leopoldo Verdier? Não desejamos outra coisa...
- Está certo - retrucou Dagoberto, - Acho que você, Maria "Flor de Amor, se conformará com uma boa acomodação em Nova Orleans, enquanto que Dolores e a menina precisam sair da Luisiana, viajar até alcançarem a fronteira do México, onde conheço algumas pessoas de bem que vão amparar a ela e a menina.
- Sim - disse Maria "Flor de Amor". - Minhas aspirações se reduzem a ganhar honestamente o pão de cada dia. Quero viver de meu trabalho, por mais humilde que seja.
- E eu - falou Dolores - desejo igualmente trabalhar, porém longe desta terra onde os escravagistas, querem arrebatar-me a filha de minhas entranhas. Já me tiraram meu pobre marido...
- Não perca a esperança de um dia não muito distante, tornar a reunir-se com ele - disse Dagoberto em tom de solene promessa, e acrescentou: - Agora procurem descansar o mais que puderem no único dormitório que existe nesta pequena casa...
E fez entrar as suas visitantes no aposento contíguo, onde só havia uma larga cama.
- Mas o senhor, onde vai dormir? - perguntou Maria "Flor de Amor".
- Eu raramente durmo. Acho que o sono é uma perda de horas de nossa vida. Possuo um licor mágico que restaura minhas energias sem precisar recorrer ao sono. E saiba, moça, que é durante as horas da noite, que os espíritos se comunicam com aqueles que vivem consagrados ao estudo das Ciências ocultas.
As duas mulheres e Ritinha se instalaram no leito que Dagoberto lhes cedeu por aquela noite. Ele ficou estudando seus livros misteriosos. De manhã, cuidou de acordá-las.
- Vão viajar - lhes disse - num veículo que impõe respeito a todos. Uma carroça que ninguém quer ver. É o rabecão que recolhe os mortos dos hospitais destinados à cova rasa. Sejam fortes e aproveitem a carroça dos mortos indigentes para fugir dos vivos.
Viajar naquele tétrico veículo puxado por dois cavalos era algo impressionante, mas... Que fazer? As duas mulheres, vítimas de um destino cruel, não tinham opção.
Pouco antes de chegar ao centro de Nova Orleans, numa rua solitária e sem edificações, Dagoberto fez parar seu fúnebre veículo e Maria "Flor de Amor" desceu dele.
- Apresente-se à dona Eufêmia, a célebre modista que tem fé cega nos meus horóscopos. Ela lhe dará trabalho no seu "atelier" e arranjará um lugar honesto onde você possa hospedar-se.
Maria "Flor de Amor" agradeceu vivamente ao feiticeiro tudo o que ele tinha feito para salvá-la das garras de Leopoldo Verdier.
Usando a carta de recomendação de Dagoberto, Maria "Flor de Amor" foi visitar dona Eufêmia, a modista, que imediatamente a admitiu no seu "atelier", prometendo ensinar-lhe seu rendoso ofício.
Dagoberto, sempre no seu negro rabecão, conduzia a infortunada Dolores até uma aldeia da fronteira mexicana, onde, o feiticeiro contava com amigos fiéis, pertencentes à seita dos Iluminados, que ofereceram auxílio e proteção a Dolores e a sua filha Ritinha. Entre aquelas bondosas pessoas, elas se sentiram como quem sai do negro inferno e consegue entrar no reino do céu. Sob a proteção do velho Ezequiel, que chefiava a colônia dos Iluminados, Ritinha começou a estudar. E este senhor ainda prometeu que tudo faria para descobrir onde vivia escravizado o marido de Dolores.

4 comentários:

  1. Que aventura e que sorte conseguirem fugir... Muito legal.

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  2. Oi Paulo Sena.
    Até que enfim aconteceu uma coisa boa para Maria Flor, e me deu até vontade de comentar. Suspeito porém que alegria de pobre, dura pouco, principalmente neste gênero folhetim. O que será dela e também com a Dolores e a filha. Pelo menos o Dagoberto é um feiticeiro do bem, se é que podemos dizer assim, e A Dolores também podera ter surpresas boas. Gostei Muito!!!!!!!!

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    1. Oi Silvania, prazer tê-la dentre as leitoras. Valeu o seu comentário. Esta fulga de "Flor de Amor" somente irá trazê-la para perto do seu verdadeiro pai, porém, ambos nem disconfiam dessa verdade porque a falsa filha urdiu muito bem para estar em seu lugar.
      Um grande abraço!

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  3. Paulo achei lindo esse capítulo! E a bondade de Dagoberto me impressionou muito, que pessoa iluminada! Desconfio que Maria "Flor de Amor" ainda vai sofrer muito, pois trata-se de um folhetim. Mas, pelo menos ela, Dolores e Ritinha, conseguiram escapar de uma vida muito difícil, e estão em liberdade. Muito bom! Bjs.

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