As investigações prosseguiam. O delegado estava profundamente empenhado no caso; esse empenho todo resultou na identificação, por parte de Maria, do suposto assassino. Com o reconhecimento de Titan, a situação de Nuno e César começava a correr riscos. Nuno, para evitar que sua face verdadeira fosse desmascarada, quis resolver o problema de forma drástica. Encontraram-se ele e César com estranha e sinistra figura.
- Ah, bene, Deocleciano. Como vai? - disse - Nuno.
O sujeito, impassível, fez leve gesto com a cabeça, Nuno prosseguiu:
- Leu os jornais?
- Estou sabendo.
E Nuno, depois de uma pausa, sem trair a .menor emoção:
- Elimine o homem .
O sujeito fez novamente pequeno gesto -com a cabeça.
- Sabe onde ele está? - perguntou Nuno.
- A gente acha.
- Elimina. O mais rápido que puder.
- Tá legal.
O sujeito fez menção de ir embora, César disse:
- Espera. A moça... ele achou ela?
- Tudo diz que sim.
Nuno interveio:
- Chega de papo. Vai embora. Vê se não perde tempo. Acha o homem e encerra o caso.
O sujeito se afastou, César suspirou, aliviado, exclamando, cheio de admiração:
- Você é formidável, Baldaracci.
Nuno então mudou por completo, a outra face a surgir, sorrindo e perguntando:
- E a vida? Como vai?
- Uma loucura - respondeu César.
- Não desejo pra ninguém a minha solidão -lamentou-se Nuno.
- Pretende se casar de novo, Baldaracci?
- Pra casar, casar mesmo, só me caso com uma única mulher: Ana, a mãe da minha filha.
- Eu sei. Mas acho que você também já perdeu essa pro Cajarana.
Nuno suspirou fundo:
- Nessa vida, nada é definitivo, caro... Nada se perde, tudo se transforma. Seguindo essa teoria, eu mantenho acesa a esperança " de que um dia Ana Preta seja minha.
Deu novo suspiro, desconsolado, enquanto César olhava para ele, sorrindo. Os dois, cheios da bonomia de quem não tem o mais leve peso na consciência.
Uma luz no fim do túnel?
A maior preocupação da polícia era encontrar o corpo de Carina. Isso seria a prova definitiva contra André. Este, por sua vez, não compreendia e muito menos se sentia capaz de enfrentar a irrealidade da situação que o envolvia; deixava-se levar pelo mais absoluto desespero. Ana Preta, no intuito de dar-lhe ânimo, convenceu-o a vir morar em sua casa, sem, contudo, conseguir alguma reação de André. Preso no quarto, André desejava a morte a rondar-lhe os passos, achava que acabar com tudo seria a inegável recompensa. Ana Preta, também já desesperada, resolveu explodir a situação. Entrou no quarto dele:
- André, estou cansada de te ver assim. Não agüento mais. Fiz o que pude por você. Fui mãe, irmã, amiga, enfermeira, cozinheira, passadeira, tudo. Não dá mais pra agüentar. Minha filha se mandou daqui e eu agüentei, por sua causa. Já faz seis meses que eu espero que você me tome nos braços, me beije e diga: eu quero você.
- Eu queria dizer isso... sinceramente... não pensando em usar você... - falou ele. .
- Você está se matando, André. E está me matando também.
- Se eu for embora, talvez seja melhor.
- Se acha que essa é a solução, então é melhor mesmo ... porque não estou vendo resultado de nada.
- Eu queria você, sem me sentir culpado.
Ela desabafou:
- Culpado do que, André? Se Carina está viva, ela é cruel, por se esconder de você. Se morreu, você não teve culpa de nada, não foi você que matou. Então, você é culpado do quê? Pensa um pouco em você, cara. Pensa que está virando um trapo de gente ... pensa que está se acabando, se desmilingüindo por uma coisa que não fez. Eu nem sei mais o que é viver pra mim, porque eu vivo só pra você... pra pajear você, pra levantar seu moral, pra amar você! Mas eu cansei, André. Cansei. Agora, faz o que quiser.
Ela foi em direção à saída, ele lhe barrou a passagem:
- Ana, espera ... Ana, escuta ... eu também estou cansado ... muito cansado!
Ficaram se olhando. Depois, como se aquilo fosse algo determinado, inelutável, caíram nos braços um do outro, e se beijaram. Ela, apaixonada, ele sabendo ser aquela a única maneira de se salvar.
Uma testemunha-bomba
André, quando ainda na casa da praia, tivera um caseiro. Ocorre que o pai desse empregado, Osório, espertalhão e marginal, resolveu ganhar dinheiro às custas das agruras de André. Não sabia bem como agir, mas o acaso, para infortúnio de André, colocou César e Osório frente a frente. Osório então contou-lhe sua história sobre o assassinato e o sumiço do corpo de Carina. Em resumo, era o seguinte: certo dia, ele tinha visto, sem ser pressentido, André e mais outro sujeito levarem Carina à força, no iate, para alto-mar. Voltaram, pouco mais tarde. A moça estava morta; os dois começaram a cavar um túmulo, perto da casa da praia. Neste momento, descobriram Osório, que, sob a ameaça de uma arma que o próprio André lhe apontava, foi obrigado a ajudar no sepultamento. Osório tivera de jurar silêncio absoluto sobre o acontecido, caso contrário, seria também eliminado.
César não precisou ouvir mais nada, aquilo já era suficiente para complicar ainda mais André, bastando-lhe apenas que o tal Osório se comprometesse a repetir o relato diante do delegado. Mediante o recebimento de grande quantia (que César, como sempre, tomou de empréstimo a Baldaracci), Osório foi à polícia e incriminou André. Apontou, inclusive, o local onde Carina estaria enterrada. O mais incrível foi que exatamente no local indicado havia de fato um cadáver vestindo as roupas de Carina e usando um anel dela. Baseando-se nestes fatos, a família reconheceu o corpo como sendo mesmo o de Carina Brandão. André foi preso. César, exultante, parecia agora o vencedor. Sua vitória foi ainda mais reforçada ao receber de Nuno a notícia de que Titan havia sido eliminado. A André restava agora novo amargor, o mais terrível de todos: tinha de esperar, preso, o julgamento, sob a acusação de ter matado as pessoas que mais amava no mundo: sua mulher e seu filho.
Duas revoltas filiais
Cirilo, atormentado pela falta de confiança no pai, viu-se tomado por profunda frustração. Acima de tudo, a prisão de André . pesava-lhe na consciência; sentia que tinha de fazer alguma coisa. Ocorre que não sabia como agir: quem estava envolvido era seu próprio pai, e Cirilo vacilava entre tomar atitudes de rebeldia - fugir de casa, recusar-se a ver, a falar com Nuno - e a atitude básica, que seria denunciá-lo. Não suportando mais, procurou Romão:
- Tenho um treco muito chato pra te falar. Não dá mais pra agüentar sozinho. Estou pirando. Tenho de dividir contigo.
- Você me assusta.
- É uma confissão. Não, não é bem isso. Confissão é de culpa e eu não tenho culpa. Ou tenho, por não fazer nada. Também não sei se é culpa. Só sei que eu não agüento mais.
- Fala logo que você se alivia.
- É... é isso que está acontecendo com André. Vou te passar tudo o que sei que aconteceu... porque nossa mãe morreu. Bem, tá preparado? É um segredo, um segredo que não pode sair daqui de nós dois... porque é um treco que compromete demais o nosso pai.
Então, num impulso, contou o que tinha acontecido.
- E o pai? .Como se defendeu? - quis saber Romão.
- Ele disse que a mãe imaginou essa coisa toda do telefonema dele com o dr. César, porque ela estava sofrendo da cabeça, por causa da operação.
- Será possível?
- Não sei. O fato é que nem consigo mais olhar pra ele.
- Que situação! O que vamos fazer? - exclamou Romão.
- É o que eu te pergunto. Reparti com você porque não estava mais agüentando. Mas te pedi segredo. E você não vai fazer nada contra o velho.
- Como vou fazer alguma coisa contra o velho, Cirilo? Só que não podemos deixar as coisas acontecerem do jeito que estão acontecendo com o André. Não podemos ficar de braços cruzados.
- O velho prometeu ajudar .
- Ajudaria, se contasse a verdade.
Cirilo argumentou:
- E se o velho está dizendo a verdade, se ele não tem culpa mesmo? Se a mãe cismou que ouviu o tal telefonema? A gente vai piorar as coisas.
- E como mamãe ia inventar essa história?
- Ela andava cismada com papai. A gente tem de pensar em tudo, bicho!
Romão concordou:
- É, temos de pensar em tudo. Agora entendo você. É preciso rezar muito pra Deus, para que ele me ilumine e diga o que devemos fazer. Ninguém mais sabe?
- Ninguém, porque tenho medo de que outra pessoa qualquer, mesmo nosso tio, não se agüente e suje a barra do velho.
Romão retrucou, preocupado:
- Se ele tem culpa, tem de ser ele mesmo a ajudar André. Por sua vontade. Vamos agir com muito cuidado vai sossegado.
Cirilo saiu, Romão sentou-se, desolado, a cabeça entre as mãos, rezando uma prece.
Carina
Depois que Maria saiu, Carina, sozinha na casa de Uruguaiana, dedicava-se a uma ou outra tarefa doméstica. De repente, percebeu um carro parando à porta. Temendo tratar-se de seu perseguidor, olhou, cuidadosa, pela janela. Estremeceu. Era o próprio. Titan saltou de um táxi, e apontou para a casa, conversando com o motorista. E ali ficou, durante um tempo que para ela pareceu uma eternidade. Trêmula, Carina ficou esperando uma oportunidade para poder escapulir. Só à tardinha realizou seu intento, saindo pelos fundos da casa. Tomou um ônibus com destino a Porto Alegre, levando consigo apenas uma bolsa, o restante das jóias. Todo o resto havia ficado na casa. Durante a viagem passou muito mal; sentia-se enjoada, e uma passageira a seu lado a socorreu. Assim que chegou em Porto Alegre foi encaminhada para a casa da mãe solteira. E foi lá que teve seu filho, um garoto a quem deu o nome de Igor.
Sua vida, o que passara, era visto por ela como algo ao mesmo tempo desejado e desprezível, dualidade que a fazia, por vezes, desejar o amor de André, anelo logo esquecido, como se tal desejo se constituísse em imperdoável pecado. O filho passou então a resumir toda a sua existência, a intenção da morte que André lhe desejara, ironicamente consubstanciada numa criança linda, capaz de compensar um amor que tivera a força de terrível equívoco. Havia também Ângela, o desejo de reavê-la, uni-la a Igor correspondia a seu mais fundo ideal.
Não podia evitar, contudo, as notícias. O que se abatera sobre André chegava até ela como um eco, amortecido talvez, mas ainda forte o suficiente para lhe provocar emoções, Sabê-lo acusado da autoria de um crime sem cadáver era quase a justa punição que ele merecia. Mas, quando soube do apare.cimento de um cadáver, identificado como sendo o dela, e da prisão de André, suas resistências fraquejaram. Achou que André já havia sido suficientemente punido (afinal, fazia quase dois anos que desaparecera). Embarcou então para o Rio, disposta a aclarar o mistério. Só que, por medo, preferiu não se identificar de pronto, ainda supondo que algo de mal pudesse lhe acontecer e, o que é pior, ao filho. Não procurou a família. Foi para Itaipava, onde alugou uma casa. Tentou, por telefone, contato com André. Ana Preta atendeu. André estava preso. Carina não se identificou, fez perguntas, e Ana Preta, com seu estouvamento, disse que era mulher de André. Carina recuou, sentida. Convenceu-se de que ele não merecia o que ela pretendia fazer. Na verdade, André quisera matá-la e ficar com seu dinheiro para poder casar-se com outra, viver feliz com ela, deixando para trás todo o mundo, o amor que tinham vivido.
Seu desconsolo, contudo, não foi total. Havia o outro motivo pelo qual voltara (e talvez o principal). Ângela resumia agora tudo o que poderia almejar de pureza, candura. E, não desejando ser reconhecida pela filha, foi, por diversas vezes, vê-la, à saída do colégio, onde era esperada por Tereza, a babá. Carina chegava de táxi, com Igor e a empregada que arranjara. Saltava, ao longe, o coração aos pulos, quedava-se a olhar a filha.
Com respeito a André, só mais uma vez fraquejou. Após o início do julgamento, ela acompanhava os principais lances pelo rádio. Houve um momento em que não o julgou merecedor de uma condenação. Ela estava viva, tinha nas mãos seu destino, como, no passado, ele tivera sua vida. Dirigiu-se por isso ao tribunal (mesmo disfarçada), disposta a salvá-lo. Mais uma vez, porém, O amor demonstrado por Ana Preta e por André deteve-a. Voltou para casa, disposta a não mais fraquejar.
André foi absolvido, Osório condenado. Nem assim Carina se revelou a André, como se Ana Preta fosse, dali em diante, a única a merecê-lo, a compartilhar sua existência.
Com Ângela ocorreu exatamente o contrário. Carina não se conteve. Certo dia em que a garota parou a sua frente, na saída da escola, perguntou:
- Ângela! Não me conhece mais?
A garota exclamou, assustada, reconhecendo-a:
- Mamãe?!
Depois abraçou-a, num enlevo:
- Mamãe! Você? Você?
- Meu anjo! Meu amorzinho! Filhinha! Filhinha!
E as duas ficaram assim, abraçadas, chorando.
- Puxa, que legal. Legal demais. Você voltou, mãe. Eu queria tanto. Você voltou. Puxa!
Carina continuou a chorar. A garota lhe passou a mão pelo rosto:
- Eu sabia que você ia voltar.
- Sabia?
- Sabia?
- Tinha certeza.
Igor, próximo às duas, correu. Elas, rindo, foram atrás dele. Carina exclamou:
- Igor! Que levado!
- Quem é ele? - perguntou Ângela.
- Seu irmãozinho.
Tereza, a babá de Ângela, aproximou-se. Ângela comentou:
- Que bacana, Tereza! Olha, Igor é meu irmão! Tereza parou, olhando para Carina, muito espantada.
- Dona Carina?! - sussurrou, finalmente.
- Olá, Tereza. Obrigada por ter sido boa para Ângela durante tanto tempo.
- A senhora? Como? Como?
- Deixe as explicações para depois, Tereza.
Ângela sorriu:
- Eu não dizia sempre que mamãe ia voltar, Tereza? Agora você vai ficar comigo, não vai? Hein? Não vai?
A expressão de Carina mudou:
- Ângela, eu... eu não posso... ainda.
- Mas eu não vou deixar você ir embora de novo.
Carina abraçou-a:
- Então fique comigo, pronto. Eu quero. Também não vou dei
xar você de novo. Nunca mais, Ângela. Nunca mais. Você quer?
- Quero. É só o que eu quero, mãe... ficar com você, viu?
Carina falou para Tereza:
- Você volta sozinha. Diga que Ângela ficou comigo.
- Eu não vou? - perguntou Tereza, sempre sem acreditar no que estava vendo.
- Não. Não precisa.
- Tchau, Tereza - despediu-se Ângela.
- Mas, dona Carina ... - começou a dizer Tereza.
Carina lhe deu as costas, entrou num táxi com as crianças, foi embora.
DEDICO ESSE CAPÍTULO À BISCOITINHA ÉRICA COSTA, DIVERTIDA COMPANHEIRA QUE VEM ALEGRANDO AS NOITES DESSE BLOG. OBRIGADO E UM BEIJO CARINHOSO, ÉRICA.
JE, cada vez mais emocionante, mas coitada da Carina e do André, sofrem muito. Mas vc tem razão foi emocionante o reencontro com a filha, o prox. cap. deve ser o reencontro com André, não é?
ResponderExcluirE a Ana Preta que intimada ela deu no André, hein?
beijos
JE, lembro bem do reencontro de Carina e Ângela, foi emocionante. Goste de lembrar.
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