quarta-feira, 20 de outubro de 2010

PAI HERÓI - CAPÍTULO IX


As investigações prosseguiam. O delegado estava profundamente empenhado no caso; esse empenho todo resultou na identificação, por parte de Maria, do suposto assassino. Com o reconhecimento de Titan, a situação de Nuno e César começava a correr riscos. Nu­no, para evitar que sua face verdadeira fosse desmascarada, quis re­solver o problema de forma drástica. Encontraram-se ele e César com estranha e sinistra figura.
- Ah, bene, Deocleciano. Como vai? - disse - Nuno.
O sujeito, impassível, fez leve gesto com a cabeça, Nuno prosseguiu:
- Leu os jornais?
- Estou sabendo.
E Nuno, depois de uma pausa, sem trair a .menor emoção:
- Elimine o homem .
O sujeito fez novamente pequeno gesto -com a cabeça.
- Sabe onde ele está? - perguntou Nuno.
- A gente acha.
- Elimina. O mais rápido que puder.
- Tá legal.
O sujeito fez menção de ir embora, César disse:
- Espera. A moça... ele achou ela?
- Tudo diz que sim.
Nuno interveio:
- Chega de papo. Vai embora. Vê se não perde tempo. Acha o homem e encerra o caso.
O sujeito se afastou, César suspirou, aliviado, exclamando, cheio de admiração:
- Você é formidável, Baldaracci.
Nuno então mudou por completo, a outra face a surgir, sorrindo e perguntando:
- E a vida? Como vai?
- Uma loucura - respondeu César.
- Não desejo pra ninguém a minha solidão -lamentou-se Nuno.
- Pretende se casar de novo, Baldaracci?
- Pra casar, casar mesmo, só me caso com uma única mulher: Ana, a mãe da minha filha.
- Eu sei. Mas acho que você também já perdeu essa pro Cajarana.
Nuno suspirou fundo:
- Nessa vida, nada é definitivo, caro... Nada se perde, tudo se transforma. Seguindo essa teoria, eu mantenho acesa a esperança " de que um dia Ana Preta seja minha.
Deu novo suspiro, desconsolado, enquanto César olhava para ele, sorrindo. Os dois, cheios da bonomia de quem não tem o mais leve peso na consciência.

Uma luz no fim do túnel?

A maior preocupação da polícia era encontrar o corpo de Cari­na. Isso seria a prova definitiva contra André. Este, por sua vez, não compreendia e muito menos se sentia capaz de enfrentar a ir­realidade da situação que o envolvia; deixava-se levar pelo mais ab­soluto desespero. Ana Preta, no intuito de dar-lhe ânimo, convenceu­-o a vir morar em sua casa, sem, contudo, conseguir alguma reação de André. Preso no quarto, André desejava a morte a rondar-lhe os passos, achava que acabar com tudo seria a inegável recompen­sa. Ana Preta, também já desesperada, resolveu explodir a situa­ção. Entrou no quarto dele:
- André, estou cansada de te ver assim. Não agüento mais. Fiz o que pude por você. Fui mãe, irmã, amiga, enfermeira, cozinhei­ra, passadeira, tudo. Não dá mais pra agüentar. Minha filha se man­dou daqui e eu agüentei, por sua causa. Já faz seis meses que eu espero que você me tome nos braços, me beije e diga: eu quero você.
- Eu queria dizer isso... sinceramente... não pensando em usar você... - falou ele. .
- Você está se matando, André. E está me matando também.
- Se eu for embora, talvez seja melhor.
- Se acha que essa é a solução, então é melhor mesmo ... porque não estou vendo resultado de nada.
- Eu queria você, sem me sentir culpado.
Ela desabafou:
- Culpado do que, André? Se Carina está viva, ela é cruel, por se esconder de você. Se morreu, você não teve culpa de nada, não foi você que matou. Então, você é culpado do quê? Pensa um pou­co em você, cara. Pensa que está virando um trapo de gente ... pen­sa que está se acabando, se desmilingüindo por uma coisa que não fez. Eu nem sei mais o que é viver pra mim, porque eu vivo só pra você... pra pajear você, pra levantar seu moral, pra amar você! Mas eu cansei, André. Cansei. Agora, faz o que quiser.
Ela foi em direção à saída, ele lhe barrou a passagem:
- Ana, espera ... Ana, escuta ... eu também estou cansado ... muito cansado!
Ficaram se olhando. Depois, como se aquilo fosse algo determi­nado, inelutável, caíram nos braços um do outro, e se beijaram. Ela, apaixonada, ele sabendo ser aquela a única maneira de se salvar.

Uma testemunha-bomba

André, quando ainda na casa da praia, tivera um caseiro. Ocorre que o pai desse empregado, Osório, espertalhão e marginal, resol­veu ganhar dinheiro às custas das agruras de André. Não sabia bem como agir, mas o acaso, para infortúnio de André, colocou César e Osório frente a frente. Osório então contou-lhe sua história sobre o assassinato e o sumiço do corpo de Carina. Em resumo, era o se­guinte: certo dia, ele tinha visto, sem ser pressentido, André e mais outro sujeito levarem Carina à força, no iate, para alto-mar. Voltaram, pouco mais tarde. A moça estava morta; os dois começaram a cavar um túmulo, perto da casa da praia. Neste momento, desco­briram Osório, que, sob a ameaça de uma arma que o próprio An­dré lhe apontava, foi obrigado a ajudar no sepultamento. Osório tivera de jurar silêncio absoluto sobre o acontecido, caso contrário, seria também eliminado.
César não precisou ouvir mais nada, aquilo já era suficiente para complicar ainda mais André, bastando-lhe apenas que o tal Osório se comprometesse a repetir o relato diante do delegado. Mediante o recebimento de grande quantia (que César, como sempre, tomou de empréstimo a Baldaracci), Osório foi à polícia e incriminou An­dré. Apontou, inclusive, o local onde Carina estaria enterrada. O mais incrível foi que exatamente no local indicado havia de fato um cadáver vestindo as roupas de Carina e usando um anel dela. Baseando-se nestes fatos, a família reconheceu o corpo como sendo mesmo o de Carina Brandão. André foi preso. César, exultante, pa­recia agora o vencedor. Sua vitória foi ainda mais reforçada ao re­ceber de Nuno a notícia de que Titan havia sido eliminado. A An­dré restava agora novo amargor, o mais terrível de todos: tinha de esperar, preso, o julgamento, sob a acusação de ter matado as pessoas que mais amava no mundo: sua mulher e seu filho.

Duas revoltas filiais

Cirilo, atormentado pela falta de confiança no pai, viu-se toma­do por profunda frustração. Acima de tudo, a prisão de André . pesava-lhe na consciência; sentia que tinha de fazer alguma coisa. Ocorre que não sabia como agir: quem estava envolvido era seu pró­prio pai, e Cirilo vacilava entre tomar atitudes de rebeldia - fugir de casa, recusar-se a ver, a falar com Nuno - e a atitude básica, que seria denunciá-lo. Não suportando mais, procurou Romão:
- Tenho um treco muito chato pra te falar. Não dá mais pra agüentar sozinho. Estou pirando. Tenho de dividir contigo.
- Você me assusta.
- É uma confissão. Não, não é bem isso. Confissão é de culpa e eu não tenho culpa. Ou tenho, por não fazer nada. Também não sei se é culpa. Só sei que eu não agüento mais.
- Fala logo que você se alivia.
- É... é isso que está acontecendo com André. Vou te passar tudo o que sei que aconteceu... porque nossa mãe morreu. Bem, tá preparado? É um segredo, um segredo que não pode sair daqui de nós dois... porque é um treco que compromete demais o nosso pai.
Então, num impulso, contou o que tinha acontecido.
- E o pai? .Como se defendeu? - quis saber Romão.
- Ele disse que a mãe imaginou essa coisa toda do telefonema dele com o dr. César, porque ela estava sofrendo da cabeça, por causa da operação.
- Será possível?
- Não sei. O fato é que nem consigo mais olhar pra ele.
- Que situação! O que vamos fazer? - exclamou Romão.
- É o que eu te pergunto. Reparti com você porque não estava mais agüentando. Mas te pedi segredo. E você não vai fazer nada contra o velho.
- Como vou fazer alguma coisa contra o velho, Cirilo? Só que não podemos deixar as coisas acontecerem do jeito que estão acon­tecendo com o André. Não podemos ficar de braços cruzados.
- O velho prometeu ajudar .
- Ajudaria, se contasse a verdade.
Cirilo argumentou:
- E se o velho está dizendo a verdade, se ele não tem culpa mes­mo? Se a mãe cismou que ouviu o tal telefonema? A gente vai pio­rar as coisas.
- E como mamãe ia inventar essa história?
- Ela andava cismada com papai. A gente tem de pensar em tudo, bicho!
Romão concordou:
- É, temos de pensar em tudo. Agora entendo você. É preciso rezar muito pra Deus, para que ele me ilumine e diga o que deve­mos fazer. Ninguém mais sabe?
- Ninguém, porque tenho medo de que outra pessoa qualquer, mesmo nosso tio, não se agüente e suje a barra do velho.
Romão retrucou, preocupado:
- Se ele tem culpa, tem de ser ele mesmo a ajudar André. Por sua vontade. Vamos agir com muito cuidado vai sossegado.
Cirilo saiu, Romão sentou-se, desolado, a cabeça entre as mãos, rezando uma prece.

Carina

Depois que Maria saiu, Carina, sozinha na casa de Uruguaiana, dedicava-se a uma ou outra tarefa doméstica. De repente, percebeu um carro parando à porta. Temendo tratar-se de seu perseguidor, olhou, cuidadosa, pela janela. Estremeceu. Era o próprio. Titan sal­tou de um táxi, e apontou para a casa, conversando com o motoris­ta. E ali ficou, durante um tempo que para ela pareceu uma eternidade. Trêmula, Carina ficou esperando uma oportunidade para po­der escapulir. Só à tardinha realizou seu intento, saindo pelos fun­dos da casa. Tomou um ônibus com destino a Porto Alegre, levan­do consigo apenas uma bolsa, o restante das jóias. Todo o resto ha­via ficado na casa. Durante a viagem passou muito mal; sentia-se enjoada, e uma passageira a seu lado a socorreu. Assim que chegou em Porto Alegre foi encaminhada para a casa da mãe solteira. E foi lá que teve seu filho, um garoto a quem deu o nome de Igor.
Sua vida, o que passara, era visto por ela como algo ao mesmo tempo desejado e desprezível, dualidade que a fazia, por vezes, de­sejar o amor de André, anelo logo esquecido, como se tal desejo se constituísse em imperdoável pecado. O filho passou então a resu­mir toda a sua existência, a intenção da morte que André lhe dese­jara, ironicamente consubstanciada numa criança linda, capaz de compensar um amor que tivera a força de terrível equívoco. Havia também Ângela, o desejo de reavê-la, uni-la a Igor correspondia a seu mais fundo ideal.
Não podia evitar, contudo, as notícias. O que se abatera sobre André chegava até ela como um eco, amortecido talvez, mas ainda forte o suficiente para lhe provocar emoções, Sabê-lo acusado da autoria de um crime sem cadáver era quase a justa punição que ele merecia. Mas, quando soube do apare.cimento de um cadáver, iden­tificado como sendo o dela, e da prisão de André, suas resistências fraquejaram. Achou que André já havia sido suficientemente puni­do (afinal, fazia quase dois anos que desaparecera). Embarcou en­tão para o Rio, disposta a aclarar o mistério. Só que, por medo, preferiu não se identificar de pronto, ainda supondo que algo de mal pudesse lhe acontecer e, o que é pior, ao filho. Não procurou a família. Foi para Itaipava, onde alugou uma casa. Tentou, por telefone, contato com André. Ana Preta atendeu. André estava pre­so. Carina não se identificou, fez perguntas, e Ana Preta, com seu estouvamento, disse que era mulher de André. Carina recuou, sen­tida. Convenceu-se de que ele não merecia o que ela pretendia fa­zer. Na verdade, André quisera matá-la e ficar com seu dinheiro para poder casar-se com outra, viver feliz com ela, deixando para trás todo o mundo, o amor que tinham vivido.
Seu desconsolo, contudo, não foi total. Havia o outro motivo pelo qual voltara (e talvez o principal). Ângela resumia agora tudo o que poderia almejar de pureza, candura. E, não desejando ser reconhe­cida pela filha, foi, por diversas vezes, vê-la, à saída do colégio, on­de era esperada por Tereza, a babá. Carina chegava de táxi, com Igor e a empregada que arranjara. Saltava, ao longe, o coração aos pulos, quedava-se a olhar a filha.
Com respeito a André, só mais uma vez fraquejou. Após o início do julgamento, ela acompanhava os principais lances pelo rádio. Houve um momento em que não o julgou merecedor de uma con­denação. Ela estava viva, tinha nas mãos seu destino, como, no pas­sado, ele tivera sua vida. Dirigiu-se por isso ao tribunal (mesmo dis­farçada), disposta a salvá-lo. Mais uma vez, porém, O amor demons­trado por Ana Preta e por André deteve-a. Voltou para casa, dis­posta a não mais fraquejar.
André foi absolvido, Osório condenado. Nem assim Carina se re­velou a André, como se Ana Preta fosse, dali em diante, a única a merecê-lo, a compartilhar sua existência.
Com Ângela ocorreu exatamente o contrário. Carina não se con­teve. Certo dia em que a garota parou a sua frente, na saída da es­cola, perguntou:
- Ângela! Não me conhece mais?
A garota exclamou, assustada, reconhecendo-a:
- Mamãe?!
Depois abraçou-a, num enlevo:
- Mamãe! Você? Você?
- Meu anjo! Meu amorzinho! Filhinha! Filhinha!
E as duas ficaram assim, abraçadas, chorando.
- Puxa, que legal. Legal demais. Você voltou, mãe. Eu queria tanto. Você voltou. Puxa!
Carina continuou a chorar. A garota lhe passou a mão pelo rosto:
- Eu sabia que você ia voltar.
- Sabia?
- Tinha certeza.
Igor, próximo às duas, correu. Elas, rindo, foram atrás dele. Carina exclamou:
- Igor! Que levado!
- Quem é ele? - perguntou Ângela.
- Seu irmãozinho.
Tereza, a babá de Ângela, aproximou-se. Ângela comentou:
- Que bacana, Tereza! Olha, Igor é meu irmão! Tereza parou, olhando para Carina, muito espantada.
- Dona Carina?! - sussurrou, finalmente.
- Olá, Tereza. Obrigada por ter sido boa para Ângela durante tanto tempo.
- A senhora? Como? Como?
- Deixe as explicações para depois, Tereza.
Ângela sorriu:
- Eu não dizia sempre que mamãe ia voltar, Tereza? Agora você vai ficar comigo, não vai? Hein? Não vai?
A expressão de Carina mudou:
- Ângela, eu... eu não posso... ainda.
- Mas eu não vou deixar você ir embora de novo.
Carina abraçou-a:
- Então fique comigo, pronto. Eu quero. Também não vou dei
xar você de novo. Nunca mais, Ângela. Nunca mais. Você quer?
- Quero. É só o que eu quero, mãe... ficar com você, viu?
Carina falou para Tereza:
- Você volta sozinha. Diga que Ângela ficou comigo.
- Eu não vou? - perguntou Tereza, sempre sem acreditar no que estava vendo.
- Não. Não precisa.
- Tchau, Tereza - despediu-se Ângela.
- Mas, dona Carina ... - começou a dizer Tereza.
Carina lhe deu as costas, entrou num táxi com as crianças, foi embora.

DEDICO ESSE CAPÍTULO À BISCOITINHA ÉRICA COSTA, DIVERTIDA COMPANHEIRA QUE VEM ALEGRANDO AS NOITES DESSE BLOG. OBRIGADO E UM BEIJO CARINHOSO, ÉRICA.

2 comentários:

  1. JE, cada vez mais emocionante, mas coitada da Carina e do André, sofrem muito. Mas vc tem razão foi emocionante o reencontro com a filha, o prox. cap. deve ser o reencontro com André, não é?
    E a Ana Preta que intimada ela deu no André, hein?
    beijos

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  2. JE, lembro bem do reencontro de Carina e Ângela, foi emocionante. Goste de lembrar.

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