O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Segunda
Parte - Capítulo XI
UMA
CARTA DESCONCERTANTE
Isolados
num tranquilo e silencioso recanto da biblioteca do palacete, o conde Fernando
e Luís Paulo, depois de terem jantado, percorriam distraidamente os jornais.
Fernando,
depois dos sofrimentos que haviam abalado sua existência, já não sentia prazer
em divertir-se e quase não saía de casa. Luís Paulo, por sua vez,
prematuramente envelhecido pela perda de Maria "Flor de Amor" que,
por mais que fizesse, não conseguia esquecer completamente, ia acompanhando os
hábitos do sogro.
A
certa altura, o conde Fernando largou o cálice de licor que tinha entre os
dedos e exclamou com grande excitação na voz:
-
Ora, veja! Por esta eu não esperava!
Luís
Paulo se voltou para ele, interessado:
-
Que foi, conde?
Como
única resposta, o fidalgo lhe entregou o jornal que estava a ler. Num canto da
página, em letras maiores, havia o título de uma notícia: FUGA DE UM CONDENADO
e, logo depois, o subtítulo: Afonso Houdin, o famoso ladrão que foi
recentemente condenado a dez anos de prisão, por lesões e tentativa de
homicídio, acaba de evadir-se!
-
Não se pode dizer que aquele indivíduo não seja um homem de sorte! - comentou
Luís Paulo. - Como conseguiu escapar?
-
De maneira romântica, para não dizer rocambolesca - explicou o conde, que lera
toda a notícia. - Estava sendo conduzido de carruagem para o presídio onde
deveria cumprir a pena, quando, aproveitando um instante de distração de um dos
seus guardiões, atirou-se contra uma das portas da carruagem, conseguindo
abri-la e lançando-se à estrada. Internou-se num bosque e os guardas que o
custodiavam não conseguiram capturá-lo. A polícia deu uma batida por toda a
zona, mas do fugitivo nem sinal!
Luís
Paulo baixou a cabeça, pensativo.
-
Conde - disse, pouco depois - você, há algum tempo, foi chamado pela polícia
para uma identificação. O delinquente era esse homem, não?
-
Sim... É uma lembrança tão desagradável que tenho procurado afastá-la da
memória. Por que me pergunta isso?
-
Bem, agora que esse sujeito perigoso está livre, não pensará, talvez, em
vingar-se?
-
Mas, afinal, por quê?
-
Sim... Porque afinal de contas, se você não o tivesse reconhecido, estando ele
sem documentos e havendo obstinadamente teimado em dar um nome falso, não teria
sido condenado.
-
Isso é muito improvável, Luís Paulo! - rebateu com enorme certeza o conde. -
Aliás, não fiz mais do que cumprir o meu dever e, se não o tivesse feito,
estaria protegendo um perigoso marginal!
O
barão Luís Paulo ia retrucar, quando um criado se aproximou deles e, depois de
uma curvatura, disse ao conde Fernando:
-Senhor
conde, a senhora Flora pergunta se pode vir reunir-se com os senhores.
-
Dona Flora?! - exclamou o conde, erguendo-se. - Diga-lhe que sim, que estamos
esperando-a.
Momentos
depois, Flora fazia sua entrada na biblioteca.
-
Minha querida - disse Fernando, tomando-lhe uma das mãos, - Como está se
sentindo? Procure não fazer nenhuma imprudência, pois bem sabe que ainda não
está completamente curada.
-
Oh! Não pensemos em mim - respondeu a moça, enfiando a mão num dos bolsos do
seu agasalho. - Olhe, antes, para isto...
Calou-se
e entregou ao conde Fernando uma carta, cujo envelope fora aberto e explicou,
logo a seguir:
-
Tomei a liberdade de abrir, como estou agora fazendo com toda a sua
correspondência, posto que sou sua secretária e pensando que se tratasse de
coisa rotineira... Mas, ao contrário...
Não
teve, porém, coragem de prosseguir. Impaciente, Fernando desdobrou o papel e
começou a ler a carta. Quase imediatamente uma estranha palidez se assenhoreou
de seu rosto e ele balbuciou, passando o papel a Luís Paulo:
-
Leia isto... Parece impossível!
Também
Luís Paulo, depois de ter lido, exclamou, com a voz alterada:
-
Mas... É incrível!... Esta carta foi escrita por Maria Aubert, mas Maria Aubert
está morta. Ninguém recebe cartas do
outro mundo... Os defuntos não escrevem!
-
Por favor, Luís Paulo - disse, no entanto, Fernando, que recuperara o sangue
frio. Sabemos perfeitamente que Maria Aubert, que se faz chamar Denise, existe,
porque é a baronesa de Rastignac, sua mulher. Digamos, antes, que aquela que se
fazia passar por Maria Aubert, também chamada "Flor de Amor", e que
pensávamos estar morta, ainda vive.
-
Vive. - repetiu Luís Paulo, no cúmulo do estupor. - Vive... Então ela está...
Viva?...
-
Não entendo são os termos da carta - comentou o conde Fernando. - Ela pede que
eu me encarregue do sepultamento da senhora Dorotéia Brancion, mãe do médico,
que morreu hoje no meu palacete. Mas que eu saiba, na minha casa não morreu
ninguém.
-
George Brancion - interveio Flora - o psiquiatra encarregado pela Clínica Salus
de tratar de Marta... Mas ele estava bem, ontem à tarde, tenho absoluta
certeza. Ele viajou para tratar de um doente, e, por isso, somente ao seu
regresso poderá tomar conhecimento desta carta.
Fernando
retirou do envelope que a moça lhe trouxera outra folha de papel.
-
Sim, ao seu regresso teremos de dar ao doutor a triste notícia. Aqui está o
atestado de óbito passado por um médico. A senhora Dorotéia Brancion morreu
mesmo...
Luís
Paulo, que ficara apenas a ouvir até aquele instante, como se ainda não
acreditasse no que estava escutando, limpou a fronte com o lenço.
-
O extraordinário deste caso - exclamou o jovem barão - é que Maria "Flor
de Amor" está viva!...
Um
silêncio pesado se seguiu às suas palavras.
O que será que aconteceu com Dona Dorotéia? Desconfio do Dr Démon, ele é capaz de tudo! Como será o reencontro de Fernando, Luís Paulo e Maria "Flor de Amor"? Quanta reviravolta!
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