sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 14 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Segunda Parte - Capítulo XIV

A CARTA SURRUPIADA

Apesar de ser um louco perigoso, o doutor Ricardo Umberto Brancion, usando o nome de um outro médico, Judas Démon, cujo desaparecimento não lhe era estranho, como sabemos, dirigia uma clínica de doenças mentais, onde o crime e não a ciência tinha lá a sua sede.
Depois da visita que lhe fizera o jovem facultativo George Brancion, que ignorava totalmente ser seu filho, o doutor Démon ficou muito preocupado.
George, quando criança, tinha estado nos seus braços. E, às vezes, as pessoas conservam lembranças indeléveis da infância, disse ele para si. E continuou refletindo sobre o suposto perigo que o ameaçava:
"George me olhava com estranheza. É claro que minha fisionomia está totalmente modificada, mas meus olhos continuam a ser os mesmos. E eles nada têm de vulgar. Quem cruza o olhar com eles dificilmente os esquece".
“Agora o rapaz está longe de sua mãe, cuidando de Marta, a louca, no palácio do conde Fernando, mas ele não tardará em voltar ao convívio materno”...
“Então, é provável que fale de mim a Dorotéia e minha mulher é capaz de suspeitar que eu ainda esteja vivo, valendo-me de uma falsa identidade para não ser novamente enviado ao manicômio judiciário".
"Não posso esquecer o que aconteceu, quando o doutor Lenoir visitou Dorotéia, para que ela autorizasse a operação a que eu devia me submeter. Ela negou-se e afirmou que para mim não havia cura possível e que devia permanecer recluso numa casa de loucos, pois era sumamente perigoso, já que me transformara num assassino. Isso era o que Dorotéia queria: que eu esticasse as canelas numa cela daquele prédio horroroso".
"Eu sei que a intervenção cirúrgica que o doutor Lenoir fez em meu cérebro serviu para eliminar as dores que tanto me torturavam e de louco furioso transformar-me apenas em esquizofrênico e dizer que sou louco pela metade. Mas isso é um segredo que guardo no fundo do meu ser. Para os demais, sou um homem normal, que ganha bem a vida, tratando daqueles que, por causa de seus muitos milhões, as famílias preferem interná-los em minha clínica, para poder desfrutar de seus bens, enquanto eles se desesperam e acabam mesmo enlouquecendo verdadeiramente, prisioneiros numa cela subterrânea do meu manicômio e submetidos a tratamentos que podem fazer de um manso cordeiro o mais feroz dos tigres. E esse é o mais lucrativo dos negócios, pois já estou muito rico e não há prazer neste mundo que eu não possa proporcionar-me".
“Por isso, tenho que eliminar Dorotéia. Viva, minha mulher significa uma ameaça constante. Devo acabar com ela antes que George, o nosso filho, passe para o seu lado”.
“Mas... como poderei liquidá-la? Com minhas mãos de maneira nenhuma. Comprar um assassino é muito arriscado, ele pode dar com a língua nos dentes e causar a minha ruína. Mas preciso eliminar Dorotéia!”
“Ela queria a minha morte, pois me considerava louco irrecuperável e um perigo público. Mas serei eu, eu quem ficará neste mundo, enquanto a mando para o inferno!”
Nesse momento, alguém deu dois discretos toques na porta do gabinete do doutor Démon.
- Avante! - disse o médico.
Em seguida, um dos empregados da clínica entrou no aposento e disse ao seu patrão:
- Doutor, um homem caiu da sela de um cavalo desembestado e acho que está gravemente ferido. Eu estava na porta da clínica, vi o acidente e o introduzi na sala de espera. O senhor, doutor, poderia atendê-lo?
Démon ia recusar, dizer ao empregado que a clínica não era o Pronto-Socorro, mas não querendo criar fama de desumano, resolveu atender o ferido.
- Pode levá-lo à sala de operações. Já irei para ver o que posso fazer por ele.
Démon não tardou em chegar perto daquele que estava precisando de sua ciência. Era um rapaz com aspecto de mensageiro.
Num dos bolsos de seu paletó sobressaía um envelope de carta.
Impelido pela curiosidade, a mão do médico se apoderou dele e o maior estupor fez-se visível em seu rosto, quando leu o nome e endereço que constavam no envelope.
"Sra. Dorotéia Brancion, Vila Esperança".
Imediatamente, Démon girou a chave na fechadura, cerrando a porta do aposento. Com dedos trêmulos, rasgou o envelope e passou a ler a carta, cujo conteúdo era o seguinte:
"Mãezinha querida:
A clínica Salus solicitou minha presença em Valcourt para uma junta de médicos a respeito de uma estranha doença nervosa que sofre uma jovem pertencente a uma das mais conhecidas famílias da Louisiana.
Depois terei de regressar ao palacete do conde Fernando para continuar assistindo a coitada da Marta Aubert. Assim, pois até o outro fim-de-semana não terei a alegria de abraçar você e de abraçar, se ela o permitir, a Maria "Flor de Amor", que está no meu coração ao lado de você.
Beijos, muitos beijos, de seu filho,
George."
- O diabo fez cair esse homem do cavalo e ferir-se para que eu possa livrar-me de Dorotéia. Agora que tenho seu endereço completo, sem dúvida. George me disse que sua mãe sofre muito do coração... Pois bem, quando se está nesse estágio da doença, basta uma terrível, péssima notícia para matar a essa pessoa. Eu sei agora como posso matar à distância, sem armas nem veneno, a minha esposa. E vou matá-la!
Guardou a carta e o envelope num dos bolsos de seu avental branco, abriu a porta da sala e começou a tratar do ferido.
"Suspeito que sofreu fratura no crânio. Vou tratar das feridas e ele vai permanecer em completo repouso, pois não me convêm que agora recupere os sentidos", disse Démon para si.
Colocou o desconhecido numa cela do manicômio e encarregou Gregório Matias, forte como um urso e inteiramente submisso ao doutor Démon, pois era fugitivo de uma penitenciária, coisa que o dono da clínica bem sabia, de que cuidasse daquele homem.
Aquela mesma noite, Démon, disfarçando sua habitual caligrafia, escreveu a seguinte carta:
"Senhora Dorotéia Brancion;
Temos o pesar de comunicar a V. S. que seu filho, o doutor George Brancion, faleceu repentinamente, vitimado por um enfarte.
Digne-se receber as nossas sinceras condolências."
(assinatura ilegível).
Na manhã seguinte, Judas Démon depositava na caixa do correio geral a carta malvada.
"Desde já", disse para si o infame, "considero-me viúvo."
Quanto ao mensageiro, Démon pensou que, ao recuperar-se, não deixaria de perguntar pela carta que trazia consigo quando sofrera o acidente. Aceitaria o homem, ou as pessoas que o fizeram portador da carta, a explicação de que a perdera pelo caminho, que não estava com ele quando ingressou na clínica?
- Para evitar explicações - resolveu Démon - e para que este assunto fique envolvido no mistério mais absoluto, o melhor é fazer desaparecer esse pobre diabo.
Gregório Matias tinha um irmão capitão de um navio negreiro. O capitão Lourenço era fisicamente um colosso, de coração mais duro que um rochedo, habituado a caçar escravos em terras da África.
Agora, por coincidência, estava seu navio ancorado no porto de Nova Orleans, devendo partir rumo ao Senegal, dois dias mais tarde. Démon disse a Gregório:
- O ferido está em condições de abandonar o leito. Meu tratamento aniquilou sua memória. Nunca tornará a lembrar-se de seu nome, nem do lugar de seu nascimento. Fiz isso porque esse homem, que casualmente caiu frente a minha clínica, representava um perigo para mim. E como me convém que desapareça da Louisiana sem deixar rastro, quero que você o embarque no navio de seu irmão e que seja abandonado no interior da selva africana.
Matias apressou-se a responder que seu irmão, o capitão negreiro, realizaria sem dificuldade esse encargo. Ataulfo, o portador da carta, seria abandonado na África, num território de canibais que dariam conta dele.
Démon escutou com satisfação essa truculenta promessa e entregou a Gregório Matias dois mil francos, para que os desse como recompensa ao capitão Lourenço.
E, naquela mesma noite, o infortunado Ataulfo saiu da clínica, desmemoriado e incapaz de reagir a qualquer violência devido ao tratamento anulador de memória e de vontade, que lhe aplicara o louco infernal, que por terrível paradoxo era médico de loucos e enganava a todos com sua aparência de homem normal e médico notável.
Na charrete do doutor Démon, o patife do Gregório Matias levou Ataulfo até o porto, onde o navio "Montbars" estava pronto para zarpar, tripulado por marinheiros que eram uma mistura de piratas e de desalmados caçadores de escravos.

Um comentário:

  1. Paulo, esse Dr. Démon é um verdadeiro monstro! Precisava destruir a vida do pobre mensageiro? E a pobre Dorotéia, foi mais uma vítima de suas maldades! Que drama!

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