O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Segunda
Parte - Capítulo XIV
A
CARTA SURRUPIADA
Apesar
de ser um louco perigoso, o doutor Ricardo Umberto Brancion, usando o nome de
um outro médico, Judas Démon, cujo desaparecimento não lhe era estranho, como
sabemos, dirigia uma clínica de doenças mentais, onde o crime e não a ciência
tinha lá a sua sede.
Depois
da visita que lhe fizera o jovem facultativo George Brancion, que ignorava
totalmente ser seu filho, o doutor Démon ficou muito preocupado.
George,
quando criança, tinha estado nos seus braços. E, às vezes, as pessoas conservam
lembranças indeléveis da infância, disse ele para si. E continuou refletindo
sobre o suposto perigo que o ameaçava:
"George
me olhava com estranheza. É claro que minha fisionomia está totalmente
modificada, mas meus olhos continuam a ser os mesmos. E eles nada têm de vulgar.
Quem cruza o olhar com eles dificilmente os esquece".
“Agora
o rapaz está longe de sua mãe, cuidando de Marta, a louca, no palácio do conde
Fernando, mas ele não tardará em voltar ao convívio materno”...
“Então,
é provável que fale de mim a Dorotéia e minha mulher é capaz de suspeitar que
eu ainda esteja vivo, valendo-me de uma falsa identidade para não ser novamente
enviado ao manicômio judiciário".
"Não
posso esquecer o que aconteceu, quando o doutor Lenoir visitou Dorotéia, para
que ela autorizasse a operação a que eu devia me submeter. Ela negou-se e
afirmou que para mim não havia cura possível e que devia permanecer recluso
numa casa de loucos, pois era sumamente perigoso, já que me transformara num
assassino. Isso era o que Dorotéia queria: que eu esticasse as canelas numa
cela daquele prédio horroroso".
"Eu
sei que a intervenção cirúrgica que o doutor Lenoir fez em meu cérebro serviu
para eliminar as dores que tanto me torturavam e de louco furioso
transformar-me apenas em esquizofrênico e dizer que sou louco pela metade. Mas
isso é um segredo que guardo no fundo do meu ser. Para os demais, sou um homem
normal, que ganha bem a vida, tratando daqueles que, por causa de seus muitos
milhões, as famílias preferem interná-los em minha clínica, para poder
desfrutar de seus bens, enquanto eles se desesperam e acabam mesmo
enlouquecendo verdadeiramente, prisioneiros numa cela subterrânea do meu
manicômio e submetidos a tratamentos que podem fazer de um manso cordeiro o
mais feroz dos tigres. E esse é o mais lucrativo dos negócios, pois já estou
muito rico e não há prazer neste mundo que eu não possa proporcionar-me".
“Por
isso, tenho que eliminar Dorotéia. Viva, minha mulher significa uma ameaça
constante. Devo acabar com ela antes que George, o nosso filho, passe para o
seu lado”.
“Mas...
como poderei liquidá-la? Com minhas mãos de maneira nenhuma. Comprar um
assassino é muito arriscado, ele pode dar com a língua nos dentes e causar a
minha ruína. Mas preciso eliminar Dorotéia!”
“Ela
queria a minha morte, pois me considerava louco irrecuperável e um perigo
público. Mas serei eu, eu quem ficará neste mundo, enquanto a mando para o
inferno!”
Nesse
momento, alguém deu dois discretos toques na porta do gabinete do doutor Démon.
-
Avante! - disse o médico.
Em
seguida, um dos empregados da clínica entrou no aposento e disse ao seu patrão:
-
Doutor, um homem caiu da sela de um cavalo desembestado e acho que está
gravemente ferido. Eu estava na porta da clínica, vi o acidente e o introduzi
na sala de espera. O senhor, doutor, poderia atendê-lo?
Démon
ia recusar, dizer ao empregado que a clínica não era o Pronto-Socorro, mas não
querendo criar fama de desumano, resolveu atender o ferido.
-
Pode levá-lo à sala de operações. Já irei para ver o que posso fazer por ele.
Démon
não tardou em chegar perto daquele que estava precisando de sua ciência. Era um
rapaz com aspecto de mensageiro.
Num
dos bolsos de seu paletó sobressaía um envelope de carta.
Impelido
pela curiosidade, a mão do médico se apoderou dele e o maior estupor fez-se
visível em seu rosto, quando leu o nome e endereço que constavam no envelope.
"Sra.
Dorotéia Brancion, Vila Esperança".
Imediatamente,
Démon girou a chave na fechadura, cerrando a porta do aposento. Com dedos
trêmulos, rasgou o envelope e passou a ler a carta, cujo conteúdo era o
seguinte:
"Mãezinha
querida:
A
clínica Salus solicitou minha presença em Valcourt para uma junta de médicos a
respeito de uma estranha doença nervosa que sofre uma jovem pertencente a uma
das mais conhecidas famílias da Louisiana.
Depois
terei de regressar ao palacete do conde Fernando para continuar assistindo a
coitada da Marta Aubert. Assim, pois até o outro fim-de-semana não terei a
alegria de abraçar você e de abraçar, se ela o permitir, a Maria "Flor de
Amor", que está no meu coração ao lado de você.
Beijos,
muitos beijos, de seu filho,
George."
-
O diabo fez cair esse homem do cavalo e ferir-se para que eu possa livrar-me de
Dorotéia. Agora que tenho seu endereço completo, sem dúvida. George me disse
que sua mãe sofre muito do coração... Pois bem, quando se está nesse estágio da
doença, basta uma terrível, péssima notícia para matar a essa pessoa. Eu sei
agora como posso matar à distância, sem armas nem veneno, a minha esposa. E vou
matá-la!
Guardou
a carta e o envelope num dos bolsos de seu avental branco, abriu a porta da
sala e começou a tratar do ferido.
"Suspeito
que sofreu fratura no crânio. Vou tratar das feridas e ele vai permanecer em
completo repouso, pois não me convêm que agora recupere os sentidos",
disse Démon para si.
Colocou
o desconhecido numa cela do manicômio e encarregou Gregório Matias, forte como
um urso e inteiramente submisso ao doutor Démon, pois era fugitivo de uma
penitenciária, coisa que o dono da clínica bem sabia, de que cuidasse daquele
homem.
Aquela
mesma noite, Démon, disfarçando sua habitual caligrafia, escreveu a seguinte
carta:
"Senhora
Dorotéia Brancion;
Temos
o pesar de comunicar a V. S. que seu filho, o doutor George Brancion, faleceu
repentinamente, vitimado por um enfarte.
Digne-se
receber as nossas sinceras condolências."
(assinatura
ilegível).
Na
manhã seguinte, Judas Démon depositava na caixa do correio geral a carta
malvada.
"Desde
já", disse para si o infame, "considero-me viúvo."
Quanto
ao mensageiro, Démon pensou que, ao recuperar-se, não deixaria de perguntar
pela carta que trazia consigo quando sofrera o acidente. Aceitaria o homem, ou
as pessoas que o fizeram portador da carta, a explicação de que a perdera pelo
caminho, que não estava com ele quando ingressou na clínica?
-
Para evitar explicações - resolveu Démon - e para que este assunto fique envolvido
no mistério mais absoluto, o melhor é fazer desaparecer esse pobre diabo.
Gregório
Matias tinha um irmão capitão de um navio negreiro. O capitão Lourenço era
fisicamente um colosso, de coração mais duro que um rochedo, habituado a caçar
escravos em terras da África.
Agora,
por coincidência, estava seu navio ancorado no porto de Nova Orleans, devendo
partir rumo ao Senegal, dois dias mais tarde. Démon disse a Gregório:
-
O ferido está em condições de abandonar o leito. Meu tratamento aniquilou sua
memória. Nunca tornará a lembrar-se de seu nome, nem do lugar de seu
nascimento. Fiz isso porque esse homem, que casualmente caiu frente a minha
clínica, representava um perigo para mim. E como me convém que desapareça da
Louisiana sem deixar rastro, quero que você o embarque no navio de seu irmão e
que seja abandonado no interior da selva africana.
Matias
apressou-se a responder que seu irmão, o capitão negreiro, realizaria sem
dificuldade esse encargo. Ataulfo, o portador da carta, seria abandonado na
África, num território de canibais que dariam conta dele.
Démon
escutou com satisfação essa truculenta promessa e entregou a Gregório Matias
dois mil francos, para que os desse como recompensa ao capitão Lourenço.
E,
naquela mesma noite, o infortunado Ataulfo saiu da clínica, desmemoriado e
incapaz de reagir a qualquer violência devido ao tratamento anulador de memória
e de vontade, que lhe aplicara o louco infernal, que por terrível paradoxo era
médico de loucos e enganava a todos com sua aparência de homem normal e médico
notável.
Na
charrete do doutor Démon, o patife do Gregório Matias levou Ataulfo até o
porto, onde o navio "Montbars" estava pronto para zarpar, tripulado
por marinheiros que eram uma mistura de piratas e de desalmados caçadores de
escravos.
Paulo, esse Dr. Démon é um verdadeiro monstro! Precisava destruir a vida do pobre mensageiro? E a pobre Dorotéia, foi mais uma vítima de suas maldades! Que drama!
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