O
conto que reproduzimos abaixo é da autoria de Dalton Trevisan.
Para
maiores informações sobre o autor, favor consultar: http://www.releituras.com/daltontrevisan_bio.asp.
Boa
leitura!
ÀS
TRÊS DA MANHÃ
Ela
borda sob a luz amarela do abajur. Se pudesse aquela noite acabar o trabalho...
Cerram-se os olhos, cansados, a mulher sabe que não poderá dormir. No quente
círculo de luz sente-se protegida – ouve o seu nome chamado pelos retratos na
parede. São retratos de mortos e as suas vozes ressoam numa casa onde todos
dormem. Já passara a roupa, escolhera o arroz, ao lado do fogão apagado, e
enchera o filtro de água. E, quando as vozes se calam, escuta o lento pingar
das gotas do filtro.
Fechadas
as janelas, a garrafa de leite diante da porta. Esta noite quem sabe ela
dormirá. Guarda a agulha e os fios na cestinha; ergue-se, a sombra atrás dela,
apagando as lâmpadas da sala e do corredor. Antes de extinguir a luz do quarto,
acende a lamparina sobre a cômoda: a última luz do mundo.
Reza
de joelhos, as mãos no rosto, e deita-se no canto da enorme cama de casal. A
essa hora em que descaminhos andam sumidos o marido e os filhos? Suspende de
vez em quando a cabeça no travesseiro para olhar o copo iluminado. É luz tão
fraca e se, na penumbra do quarto, ela tivesse uma sombra, não se acharia tão
só... Percebe uns dedos à janela: o galho do pessegueiro que, com o vento, ali
bate de leve. Como se o pessegueiro estivesse acordado e quisesse conversar com
ela; tem dedos descarnados e caem-lhe as folhas, é inverno.
Quando
se deita há passos na rua, apitos de trem ao longe e sente ainda numa das faces
o calor do abajur. Levanta a cabeça do travesseiro – os seus olhos mantêm acesa
a lamparina. Basta que durma (e sabe que vai dormir, de tão cansada) para que a
chama se apague. O copo está cheio de azeite, o pavio é novo, mas a chama se
apaga, assim que ela fecha os olhos. Pode ser o vento ou o marido, o ratinho ou
a morte.
Acorda
no meio da noite – três horas é a hora dos ladrões e que ladrão lhe rouba a sua
luzinha? - ficou só na cama escura. Não há passos na calçada, não há vento, o
pessegueiro recolheu os galhos. O marido dorme a seu lado, mas ficou só. Dormem
em sossego, não os ouve e reza para que não estejam mortos nas camas. Nem
sequer pode chamá-los... Era doença o simples bater apressado do coração? Tem
tanto medo que se senta na cama, a mão na boca: Por favor, Senhor. Não agora,
não no escuro!
O
marido, quem sabe, soprara o lume, antes de se deitar. Ou fora o camondongo que
afundara o pavio, para beber gulosamente o azeite? O mesmo bichinho que agora
roía o forro: alguém mais está acordado no mundo. Rói, ratinho, é a súplica da
mulher. Não direi nada ao meu marido. Você seria preso numa ratoeira, então eu
ficaria só. Rói, meu ratinho. Rói, por favor...
Põe-se
a escutar, além do ratinho, e lá na cozinha, as gotas de água pingando no
filtro. Disparam as gotas cada vez mais depressa: é seu coração. Acima de todos
os sons da noite repercute, mais alto, o coração. O bichinho para de roer e
fica, orelhas em pé, assistindo a mulher morrer.
Ela
sente que a crise tinha passado quando entende novamente o camondongo. Pode
chorar, não há mais perigo. Que as lágrimas enxuguem por si – e ela fica, de
olhos fechados, a espreita dos pardais do crepúsculo. Ergue-se da cama e vai,
tateando a parede, até a cômoda. Riscando um fósforo depois de outro, acende a
lamparina.
Lindo conto, mas tão triste...
ResponderExcluirTriste e estranho!
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