O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Segunda
Parte - Capítulo XIII
ANGÚSTIA
DENTRO DA NOITE
Naquele
justo momento, o ruído das rodas de uma pesada carruagem chegou ao apartamento
da baronesinha. Denise correu à janela e, após ter dado uma olhada para o
jardim, levando a mão ao coração, balbuciou:
-
Pronto! Luís Paulo está chegando!...
-
Bem... E daí?
-
Trate de se esconder! Ele virá certamente aqui para me dar boa noite...
-
Ai! Que marido apaixonado!
-
Não graceje, Afonso! Se ele o encontrar aqui, vai matá-lo!
Malgrado
sua fanfarronice, impressionado com aquelas palavras, Afonso quis saber:
-
Bem... E onde me posso esconder?
Denise
olhou em volta, arquejando.
-
Ali... No banheiro... Depressa! Depressa!
-
Está bem, mas trate de mandar a camareira para que me esconda em lugar mais
adequado. Não quero ficar a noite inteira no banheiro!
-
Está bem... Trate de não fazer nenhum ruído, de não denunciar sua presença,
senão... Estamos perdidos os dois!
-
Fique tranquila - assegurou o malandro, entrando no local que lhe era indicado.
- Como ótimo ladrão que sou, isso de não fazer ruído, posso garantir que é a
minha especialidade...
Enquanto
isso, Denise tratava de fazer desaparecer do salãozinho todos os vestígios da
presença de um estranho. Ajeitou às pressas o vestido e os cabelos, frente a um
espelho, depois, agarrando as garrafas e os copos, escondeu tudo embaixo de uma
larga poltrona, procurando fazer com que não se pudesse ver nada. Mal havia
acabado de colocar o colar no pescoço, novamente, o colar que Afonso havia
recusado, ouviu bater levemente na porta que dava para o corredor e a voz do
barão Luís Paulo dizendo, tranquila, mas sem muita firmeza:
-
Querida, sou eu. Posso entrar?
Denise
foi abrir a porta, que estava trancada à chave e disse, procurando mostrar-se o
mais natural possível:
-
Você voltou tarde!...
Luís
Paulo entrou no salãozinho e, imediatamente, ela notou como ele estava pálido.
-
Que foi que aconteceu, querido? - perguntou, com ansiedade:
-
Nada... Demorei mais um pouco por causa de uma carta estranha que seu pai
recebeu.
-
Uma carta? De quem? Dizendo o quê?
O
barão evitou o olhar de sua mulher.
-
Depois eu explico... - deu uma olhada no relógio e continuou:
-
É mesmo muito tarde... Não tinha reparado... Não esperava, aliás, que ainda
estivesse acordada.
-
Não poderia dormir, sabendo que não havia regressado...
-
Desculpe se lhe dei este trabalho, se a impedi de dormir. Sabe? Estou muito
preocupado, encontrei um dos nossos cães perto do portão principal... Morto.
Denise
arregalou os olhos:
-
Morto?!... Mas, como? Nenhum deles estava doente...
-
Não morreu de doença, querida. Foi apunhalado!
-
Que coisa horrível!
A
baronesinha fazia tudo para conter as batidas furiosas do próprio coração e
manter uma atitude natural. O cão de guarda apunhalado era um detalhe que
Afonso havia omitido no relato que fizera da própria fuga até chegar ali.
-
Não gostaria que alguém tivesse entrado no palácio - prosseguiu o jovem barão -
mas não duvido... Isto aqui é muito isolado e os ladrões andam à solta por aí...
Se entrou algum, deve ser um indivíduo muito duro, pois não hesitou em matar à
sangue-frio um animal daqueles. Não ouviu nada, por acaso, meu bem? Nenhum
ruído suspeito?
-
Não, nada ouvi, absolutamente... - apressou-se a responder a mulher, procurando
dar a maior ênfase à negativa e lançando, sem querer, um olhar furtivo na
direção do banheiro. - Não ouvi nada mesmo...
-
Isso me deixa mais tranquilo - continuou Luís Paulo, que pela segunda vez olhou
à sua volta, deu, a seguir, alguns passos e parou de súbito:
-
Denise, você fumou, por acaso? - perguntou.
A
baronesa ficou rubra.
-
Eu? Não!... Absolutamente. Você bem sabe que não fumo.
-
É estranho!... Tenho a impressão de sentir cheiro de cigarro...
Luís
Paulo se aproximou da janela e afastou o reposteiro.
-
Denise! - exclamou. - Por que esta janela aberta? Não está tão quente assim,
pelo contrário!
A
baronesinha estava completamente perturbada pela presença de Afonso a poucos
passos deles e pelas observações que o marido estava fazendo, a tal ponto que
custou a dar uma resposta, sentindo a violenta tentação de fugir, de deixar
para sempre o palácio, para não ser desmascarada diante de todos os empregados
do barão. Mas, logo se deu conta de quão seria errôneo tal comportamento e
murmurou, fingindo inocência:
-
Não sei... Eu não a abri... Talvez tenha sido o vento...
-
Não está ventando esta noite!
-
Luís Paulo, que quer que eu lhe diga? Que importância tem uma coisa tão
simples?
O
jovem barão, decidido, foi até o local da campainha e estendeu o braço para
puxar o cordão.
-
Alguma coisa não está certa! - exclamou. - O cão morto a punhal, a janela
aberta sem que ninguém lhe tocasse... Isso não me agrada!
-
Meu bem... Que vai fazer? - perguntou Denise com a voz estrangulada na
garganta.
-
Nada mais simples: vou acordar os criados e daremos uma busca em todo o
palácio!
-
Não, não, Luís Paulo! Não faça isso!...
Indeciso
ante a veemência das palavras da mulher, o barão se virou para ela:
-
Denise, que há com você? Por que não quer que se dê uma busca? Meu intento é
justamente fazer com que possa dormir tranquila...
Compreendendo
que havia cometido gravíssimo erro, na intenção de repará-lo o mais depressa
possível, a moça se aproximou dele e lhe pôs os braços em torno do pescoço.
-
Oh! Meu bem! Tenho medo de que lhe aconteça algo...
-
Que é que me pode acontecer? Fique calma, que se for um ladrão tratará de
fugir, quando perceber que suspeitamos da sua presença!
-
Não, Luís Paulo, eu peço a você... Além disso, seria uma demonstração de
desconfiança em relação a mim...
-
Desconfiança? Francamente, Denise, não estou entendendo!
-
Você sabe como são os criados... Se soubessem que o dono da casa procura um
homem escondido no palácio e logo aqui, nos meus aposentos... Inventariam uma
porção de mexericos!
O
barão, embora contrafeito, retirou a mão de perto do cordão da campainha,
desistindo de fazê-la soar.
-
Você é uma criatura verdadeiramente estranha... Nossos empregados nunca se
permitiriam a fazer conjeturas a seu respeito!
-
Pode ser que você tenha razão, mas, ainda assim, acho preferível evitar.
-
Em todo caso - disse Luís Paulo, cheio de decisão - eu darei pessoalmente uma
espiada por minha conta. Não dormirei sossegado com a preocupação de que
poderia estar correndo qualquer perigo...
-
Mas, querido, não corro perigo algum! Estou perfeitamente calma!
-
Nada disso, Denise. Vê-se perfeitamente, embora você queira mostrar coragem e
tente disfarçar, que está inteiramente perturbada, e eu não quero correr nenhum
risco. O indivíduo que matou nosso cão pode estar neste momento dentro do
palácio e quero ter certeza, pelo menos, de que não está nos seus aposentos!
Afastando
suavemente a mulher, o barão se dirigiu para a primeira porta que viu diante de
si.
-
Antes de mais nada, verei no seu quarto - disse. - Dá licença, não?
-
Sim... Naturalmente... – balbuciou Denise, que pouco a pouco ia recuperando a
presença de espírito. - Mas, não acha que se fosse um ladrão, há mais perigo de
que esteja querendo é esvaziar o cofre que está no seu gabinete? Ali é que há
dinheiro a rodo! Aqui, que iria ele roubar?
Luís
Paulo sorriu ligeiramente, embora estivesse irritado com a teimosia obsessiva
da esposa.
-
E as suas joias, Denise? Esquece as suas joias?!
-
Bem... É verdade... Mas...
-
Valem muito mais do que todo o dinheiro que tenho agora no cofre - informou,
abrindo a porta do quarto de dormir.
A
jovem, agarrada ainda a um derradeiro fio de esperança, tomou-o por um braço.
-
Meu bem... Ao menos apanhe uma arma... Sei que tem uma na gaveta da sua mesinha
de cabeceira, no seu quarto...
-
Bobagem... Sei perfeitamente defender-me desarmado. Além disso, não tenho a
intenção de provocar um alarme, usando arma de fogo.
Denise,
fremente de inquietação, acompanhara o marido que entrara no seu quarto.
Naquele
momento, amaldiçoava de todo o coração não só Afonso, que lhe fazia passar
aqueles instantes terríveis, mas também os idiotas dos policiais que o tinham
deixado fugir.
-
Coisa curiosa, continuo a sentir cheiro de cigarro... - murmurou Luís Paulo,
falando quase para si mesmo. - Você não fumou mesmo não?
-
Não, já lhe disse!
Depois
de ter vistoriado bem o aposento, o jovem barão retornou à salinha de estar.
Naquele
momento, percebeu algo brilhando no solo, junto à parede, e se abaixou para ver
o que era, enquanto Denise aproveitava para enxugar o suor que lhe molhava a
testa.
-
Olhe... Um pedaço de vidro... Parece ser de um copo...
Quando
se virou para Denise, para lhe pedir uma explicação, ela se adiantou,
apressadamente:
-
Ah! Fui eu que quebrei uma taça... Um copo... Senti-me um pouco nervosa, tomei
um calmante e o copo me escapou da mão. Como já era tarde, não chamei a
camareira para limpar, preferi deixar para amanhã...
Enquanto
Denise assim mentia, o barão revistava o guarda roupa e o quarto de vestir.
Depois, nada tendo ali encontrado como era de esperar, voltou para junto da
mulher e disse, pondo-lhe a mão no braço, para tranquilizá-la:
-
Viu como foi simples? Assim, pelo menos, estou certo de que você não irá passar
pelo susto de esbarrar com um indivíduo dentro de casa... Amanhã, então,
procuraremos no resto do palácio...
Denise,
sem se poder conter, soltou um suspiro de alívio, "Que sorte!",
pensou ela. "Esqueceu de ver justamente no banheiro!"
Mal,
porém, acabara de formular este pensamento, eis que Luís Paulo exclamou:
-
Ah! Espere! Esqueci-me do banheiro...
E
caminhou, decidido, para a porta semi-aberta que, justo naquele momento, se
movera de leve!
Certamente,
àquela hora, Afonso, sabendo o que podia acontecer, já estava de arma em punho,
pronto para atacar o barão, assim que este o descobrisse.
Denise
ficou paralisada pelo terror. Mais alguns segundos e estaria perdida,
irremediavelmente!
Sentiu
que a vista se lhe ofuscava e um atordoamento se apoderava dela.
E
quando o barão ia abrir a porta, atrás da qual estava o perigo ameaçador à sua
espera, Denise tombou ao solo, mal tendo forças para dizer com a voz
estrangulada:
-
Luís Paulo...
Imediatamente,
o rapaz se voltou e, vendo a moça caída, correu e tomou-a nos braços, levando-a
para deitá-la num divã. Logo depois, sem ficar muito assustado, sem perder a
presença de espírito, encheu um copo com água de uma garrafa que havia sobre a
mesinha de cabeceira e fê-la ingerir dois goles, o que, sendo o desmaio em
parte verdadeiro e em parte simulado, logo fez com que voltasse a si, abrindo
os olhos e batendo nervosamente as pálpebras.
-
Denise, querida... - perguntou o barão. - Está melhor? Que foi que sentiu? Você
me assustou!
Compreendendo
que o seu desmaio, que não fora absolutamente casual, talvez pudesse ser a
salvação desejada, Denise sorriu debilmente e fingiu estar muito mais fraca e
abatida do que na realidade estava.
-
Tudo aquilo que você disse... Sobre o ladrão... E o cão apunhalado me deixou
tão nervosa!...
-
Perdoe-me, meu bem. Agi, realmente, sem refletir! Não podia imaginar que estava
ferindo a tal ponto sua sensibilidade...
Denise
fitou o marido diretamente nos olhos, disposta a jogar a última cartada:
-
Você ainda não sabe qual é minha situação... - falou ela baixinho.
De
início, o jovem barão não compreendeu o significado daquelas palavras e
repetiu, indeciso:
-
A sua... Situação?! Que situação?
Denise,
então, passando-lhe um braço em torno do pescoço, explicou dengosamente:
-
Meu bem... Vou ter um neném...
Luís
Paulo nunca amara verdadeiramente Denise, até porque a imagem adorada de Maria
"Flor de Amor" sempre estivera interposta entre eles e havia sempre
considerado sua união com aquela que acreditava a filha do conde Fernando, como
algo que fora compelido a fazer, como se cumpre um dever. Naquele momento,
porém, apesar da carta que seu sogro havia recebido e que lhe trouxera a quase
convicção de que Maria Aubert ainda estava viva, sentiu uma grande ternura
crescer dentro de si. Era o sentimento da paternidade, latente em seu coração,
que veio à tona com a simples notícia de que iria tornar-se pai de uma
criaturinha inocente, sangue de seu sangue e carne de sua carne. Tantos sofrimentos
haviam enegrecido, nos últimos tempos, a vida de Luís Paulo, que ele teve,
naquele instante, a impressão de que um novo horizonte de tranquilidade, com
novas esperanças, estava a se abrir diante de si.
-
Denise, minha querida - disse - como desejo que chegue o instante em que essa
criança venha alegrar a atmosfera demasiado austera desta casa... Acredito
agora que meu coração ficará em paz e que nada mais terei a desejar.
Assim
falando, porém, Luís Paulo procurava enganar a si mesmo, talvez sem o perceber,
porque a paz de sua alma havia sido novamente perturbada quando lhe renascera,
pouco antes, a dúvida sobre se Maria Aubert estaria realmente morta ou ainda
vivia.
-
Está cansada, futura mãezinha? - perguntou.
-
Sim, já não aguento mais... - tratou de aproveitar ela, que não via chegar o
instante em que o marido se fosse. - Meus olhos estão se fechando de sono...
Gostaria tanto de ficar ainda um pouco a conversar com você, mas as emoções
desta noite me deixaram realmente esgotada. Sinto grande necessidade de
repousar, de ficar em silêncio... Boa noite!
-
Boa noite - respondeu o barão, beijando-a suavemente na testa.
Depois
se ergueu e caminhou para a porta.
Antes,
porém, de sair, ainda se voltou e perguntou:
-
Você já disse alguma coisa a seu pai?
-
Sobre que?...
-
Mas... Sobre nosso filho!
-
Ah! Não!... Ainda não. Quis que fosse você o primeiro a saber...
O
barão Luís Paulo abriu a porta e já ia saindo, quando, ainda uma vez, retornou
e exclamou:
-
Tenho certeza de que ouvi um ruído no banheiro! Não ouviu?
Pela
segunda vez, naquela noite, Denise acreditou ter chegado seu derradeiro
momento. Contava que tudo já tivesse terminado e eis que, no último instante,
aquele imbecil do Afonso estragava tudo, traindo sua presença! Que estaria
fazendo lá dentro o idiota? Oh! Aquele tratante devia deixar o palácio, tinha
de fazê-lo no dia seguinte! Ou ela chegaria mesmo a matá-lo para se ver livre
dele! No dia seguinte? Qual dia seguinte, se agora mesmo iria ser desmascarada?
Como podia reter Luís Paulo, agora, disposto como ele estava a entrar no
banheiro? Pronto!... Tudo estava perdido... Contrariamente, porém, ao que
esperava, em vez de ouvir uma exclamação do marido, ruído de luta, a voz de
Afonso imprecando gemidos ou gritos, o que ouviu, estarrecida, com os olhos
fechados à espera do pior, foi a voz de seu marido, calma como sempre, dizendo:
-
Não... Certamente me enganei. - Aqui não há ninguém, tudo está em ordem.
Assim
que a porta se fechou às costas do barão, Denise recostou o corpo sobre o sofá,
suspirando, afinal, tranquila. Não sentia forças sequer para pensar como teria
o gatuno do Afonso conseguido escapar aos olhos desconfiados do marido! Não
conseguia pensar em nada, nada... Quando, depois de um tempo que lhe pareceu
tremendamente longo, conseguiu erguer a cabeça e voltou os olhos para a porta
de seu quarto, avistou o ladrão que, de pé, sorria ironicamente.
-
Afonso! Como conseguiu... Desaparecer?
-
Ah, ah, ah! Muito simples! Enquanto seu marido estava ocupado com você,
desmaiadinha que era um encanto... Mudei de pouso, passei para o quarto de
vestir, que ele já dera como "barra limpa"... Mas fiquei foi sufocado
escondido no meio de tantos vestidos, dentro do guarda-roupa... Ah! ah! ah!
Diverti-me um bocado, vendo a cara que você fez quando ele entrou no
banheiro...
Denise
se pôs em pé, cerrando os punhos.
-
Você é o próprio demônio! - exclamou, com voz rouca de raiva.
O
bandido, no entanto, não deu a mínima importância, ao insulto, pois retrucou,
sempre zombeteiro:
-
Pois dê graças a Deus por eu ser o mesmíssimo demônio e, apesar disso, não
querer arrastá-la de volta para a pobreza de onde saiu a noivinha sem vintém
para se transformar em baronesa...
Denise está atravessando uma fase difícil, mas acho que logo conseguirá reverter essa situação, ou a sorte a favorecerá mais uma vez! Vou aguardar.
ResponderExcluirEsse folhetim tem mais vilões que gente boa. Vamos ver o que vai acontecer com essa cambada no final. kkkkkk
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