sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 12 - PARTE 1 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Segunda Parte - Capítulo XII – Parte 1

UM EX-NOIVO QUE APARECE

Denise, trajando elegantíssimo vestido que punha particularmente em destaque as suas belas formas, estava preguiçosamente recostada num divã, numa das salas do apartamento que ocupava no palácio dos Rastignac.
Estava intimamente satisfeita consigo mesma e com o que fizera. Graças à sua duplicidade, às suas artes de refinada farsante, fazendo tudo o que lhe recomendara a pérfida mãe, conseguira iludir ainda uma vez Luís Paulo e lograra fazer-se passar pelo que não era na realidade: uma jovem inexperiente da vida, a enfrentar sua primeira experiência de amor.
Mas agora, que deveria começar a colher os frutos da sua mentira, nova preocupação vinha atormentá-la, como uma justa punição pelo mal que havia feito. Denise sentia que estava para ser mãe! O fato não era iminente, é certo, mas os sintomas dela eram inequívocos...
Luís Paulo ainda não sabia que sua mulher iria ser mãe, pois ela, tomada de estranho pudor, não tivera ainda coragem de comunicar-lhe.
Naquela noite, porém, tinha a intenção de dizer-lhe tudo, razão pela qual, embora a hora já fosse tardia, estava à espera do seu regresso.
Para se distrair, Denise sentou-se numa poltrona e, tomando um livro ao acaso, em cima da mesinha, começou a folheá-lo distraidamente.
As linhas, porém, se embaralhavam diante de seus olhos e seu estado de inquietação e angústia não lhe permitia prestar atenção à leitura por mais que se esforçasse.
O grande palácio estava mergulhado em silêncio. Toda a criadagem, àquela hora, já devia estar dormindo.
A certa altura, Denise, enquanto tentava mais uma vez apreender o sentido do que estava lendo, sentiu que às suas costas soprava uma fria corrente de ar. Chegou a ter um arrepio.
Ao mesmo tempo, o leve rumor, proveniente de uma das portas-janelas envidraçadas que davam para o jardim, chegou aos seus ouvidos, causando-lhe um sobressalto.
Sem compreender direito o que estava acontecendo, pôs-se de pé e ficou a observar o pesado reposteiro de brocado que, embora a noite fosse tranquila e não estivesse ventando, agitava-se levemente...
Atrás da cortina, algo misterioso e sinistro, que a jovem baronesa não podia distinguir bem, estava a se mover.
Depois, lentamente as duas bandas do reposteiro se separaram e, no fundo escuro da vidraça escancarada, surgiu a cabeça de um homem e logo seu corpo, encolhido como o de uma fera pronta a atacar. Quando Denise o viu, quase caiu para trás, vencida pelo pavor. Quis fugir, mas sentiu que as pernas não lhe obedeciam. Quis gritar, pedir socorro, mas apenas um som sufocado lhe escapou da garganta contraída. Depois, de repente, seu medo se aplacou, enquanto uma horrível suspeita lhe chegou à mente. De seus lábios trêmulos saiu, como num sopro, um nome:
- Afonso!...
Uma risada rouca se seguiu àquela exclamação. Então, Afonso Houdin, o ladrão, o evadido procurado pela polícia, voltou-se num gesto brusco, puxou o reposteiro, saiu do seu esconderijo e surgiu na sala, onde ficou por um instante imóvel a fitar Denise com olhos cintilantes.
O rosto belíssimo da baronesinha se cobriu de suor frio, incapaz de se manter em pé, tão fortes haviam sido a surpresa e o susto que a tinham assaltado, deixara-se cair novamente sentada no divã, olhando-o como que hipnotizada.
Afonso Houdin, visto à luz incerta da lâmpada velada que deixava grande parte da sala às escuras, causava verdadeiramente medo.
Os cabelos, despenteados, caíam-lhe sobre os olhos e estava com a barba crescida, o que o deixava quase irreconhecível. As roupas, amarrotadas, estavam sujas de lama, assim como os seus sapatos.
Se Denise não o tivesse reconhecido, se não tivesse identificado naquele vulto estranho, imediatamente, o noivo de outro tempo, teria morrido de medo, ante sua aparição naquelas circunstâncias e àquela hora da noite.
O ladrão, depois de ter olhado cautelosamente em volta, caminhando com toda a calma se dirigiu à moça e estendendo uma das mãos, manchada de lama e de sangue, agarrou-a pelo braço. Depois, embora ela se opusesse, com violento impulso puxou-a para si, agarrou-a e lhe beijou o rosto e a boca.
- Deixe-me! Deixe-me! - reagiu Denise, semi-sufocada. - Vá embora! Não o tolero!...
Afonso soltou uma risada, sinistramente.
- Ah!... A senhora baronesa não me tolera, não é mesmo? É que está ficando muito dengosa... Não será isso?
- Vá embora!
- Calma... Calma... Para que essa pressa toda, gente? Estou incomodando tanto assim?... Nem comecei! Escute...
- É completamente louco, louco! - exclamou Denise. - Não se dar conta do estado a que está reduzido?...
- Claro que sim - disse o ladrão num trejeito. - Sei que não estou em trajes elegantes, apropriados para uma visita social a uma baronesa tão bela... Mas, que quer? Temos que nos acomodar às circunstâncias e fazer das tripas coração... São coisas da vida!
- Deixe-me em paz, já disse!
Mas o homem, em vez de obedecer e ir embora, puxou-a mais uma vez para si.
- Por que esta pressa, querida? Não a estou reconhecendo. Não faz muito, você era minha noivinha, que aceitava com alegria os meus beijos... Mudou assim em tão pouco tempo?
- Mudei! Mudou tudo! Tudo!
O marginal, por si mesmo, largou-a e foi-se olhar num grande espelho que havia a um canto da sala em rica moldura dourada.
Passando a mão pela barba cerrada, continuou sarcasticamente:
- Tem razão... Concordo que não estou muito apresentável... Mas, você deve compreender que tive de fugir como um animal feroz pelo meio do mato, perseguido dia e noite! Sim, passei um mau pedaço... Fique sabendo! Mas agora, que consegui fazer com que a polícia perdesse a minha pista e, principalmente, agora que estou aqui, nada mais tenho a temer!
Denise, de olhos arregalados, fitava o homem que tinha à sua frente e não queria crer que ele fosse realmente Afonso, aquele Afonso que, na última vez em que se haviam encontrado, parecera-lhe, ainda, um modelo de elegância.
De fato, embora Afonso sempre tivesse vivido de golpes, expedientes e vigarices, quando não de roubos, sempre mantivera certa linha e aparentava até maneiras finas.
Fora justamente por isso que, achando-o elegante e atraente, Denise, certa noite, numa reunião a que ambos haviam comparecido, reparara nele e se enamorara...
Na ocasião, Afonso lhe parecera um rapaz bonito e, de certa maneira, isso era verdade. Pondo de lado aquele olhar cínico que aparecia às vezes em seus olhos, era um bonitão e qualquer mulher o tomaria por um moço de boa família que, dispondo de tempo e dinheiro para gastar, vivia a divertir-se, talvez um pouco mais do que o normal!
O homem que agora se encontrava ali à sua frente, nada tinha em comum com aquele do passado e a baronesinha sentia por ele enorme repulsa.
O medo, a fome, as peripécias da fuga haviam deixado no semblante de Afonso Houdin marcas indeléveis. Denise, assim que ele a soltou, afastou-se o máximo possível e perguntou:
- Que veio fazer aqui? Vamos! Diga! Como ousou entrar nesta casa? Trate de sair por onde entrou, senão eu o farei expulsar, como a um cão!
Um risinho zombeteiro surgiu nos lábios de Afonso:
- Como é isso?... Vai chamar os criados? Não faça cerimônia, florzinha... É o que deve fazer... Olhe aí a campainha!
- Doido! Doido varrido!
- Eu? Muitíssimo ao contrário! Estou apenas um pouco cansado e com uma fome danada! Acho que você não faria uma bonita figura apresentando-me aos seus criados, como seu ex-noivo. Nas condições em que me encontro... Eles iriam achar que você não é uma criatura de bom-gosto...
- Cale-se! Cale-se, Afonso!...
- Por que devo me calar? Tenho é que lhe dizer o seguinte: se tiver um pouco de paciência até eu tomar um banho no seu elegante banheiro e me ajeitar um pouquinho, dentro de quinze minutos poderá chamar os criados, com toda a tranquilidade.
Frente à tamanha calma e tanto cinismo, Denise sentia que estava para enlouquecer.
- Como se pode ser tão miserável, Afonso? - balbuciou com os olhos cheios de lágrimas, lágrimas de raiva. - Como conseguiu entrar aqui, como ousou fazê-lo? Não compreende que, de um momento para outro, meu marido pode aparecer, pode chegar? Não tem medo, Afonso?!...
Afonso fingiu estar muito interessado na observação das próprias unhas da mão esquerda.
- Medo? - murmurou - Mas sim, querida. Estou apavorado! Está satisfeita, agora?!
Aquela frieza, tamanha indiferença e a gélida ironia tiveram o poder de levar ao auge a fúria da jovem, que se sentia, no momento, na mesma situação de uma pantera apanhada numa armadilha.
- Louco! Assassino! - gritou, sem mais tratar de moderar o tom de voz. - Você é um inconsciente! Que iria eu dizer a Luís Paulo, se ele aparecesse aqui, agora? Que iria responder, se me pedisse uma explicação pela sua presença?
- Isso é problema seu... Invente... Invente uma desculpa qualquer!
- Isso é loucura! Ele não acreditaria no que eu dissesse... Chamaria a polícia, isso sim, a polícia da qual você está querendo escapar! Trate de ir embora, fuja! Saia daqui!
Sem lhe dar importância, o ladrão sentou-se comodamente no divã, como quem está tranquilamente mantendo uma frívola conversa em roda íntima.
Depois, com um gesto de desânimo, alargou os braços e exclamou:
- E para onde quer que eu vá? Estou em trânsito... Nem documentos possuo.
Respirando com dificuldade, aflita, louca de medo, Denise correu ao outro aposento e voltou logo trazendo na mão um punhado de notas de alto valor.
- Tome! - disse, estendendo-lhe o dinheiro. - É tudo o que tenho à disposição, no momento!
Enganava-se, porém, pensando que com aquilo conseguiria livrar-se do fugitivo.
Afonso, depois de ter ajeitado as notas e contado calmamente o dinheiro, meteu-o no bolso, murmurando com voz cínica:
- Bem... Para começar, não está mal... E agora, quer me dar alguma coisa para beber? Está um tremendo frio lá fora e ir passear no bosque, a estas horas, posso lhe garantir que não é muito salutar. Posso até apanhar um resfriado e sei que isto desagradaria muito a você, não é verdade?
Denise, aterrorizada, torcia as mãos. O tempo corria, Luís Paulo poderia chegar a qualquer momento.
Mas o ladrão parecia muito longe de pensar em ir embora.
A filha da marquesa Renata, naquele momento, sentiu desejo, talvez pela primeira vez em sua vida, de ter a mãe ao seu lado para ajudá-la a escapar daquela horrível situação.
Por nada deste mundo quereria que Luís Paulo descobrisse aquele homem nos seus aposentos! Como poderia se justificar? Que desculpa iria arranjar, que mentira inventar, para enganá-lo? Não! Afonso Houdin deveria ir embora, desaparecer, sem perda de tempo.
Compreendendo que por mal, pela violência, nada conseguiria obter dele, decidiu levá-lo por bem e, tratando de dominar o nervosismo e a excitação, aproximou-se dele e, com um tom de voz relativamente doce, assim falou:
- Ouça, Afonso... Trate de compreender...
Mas o marginal cortou sua tentativa de persuasão, interrompendo-a:
- Você é que deve compreender que, se não fechar à chave aquela porta, daqui a pouco poderão, talvez, acontecer aqui dentro coisas bem desagradáveis... Sabe a que me refiro, não?
- Não... Não entendo...
- Minha querida Denise, raciocine um pouquinho... Se seu marido aparecer, que é que eu serei forçado a fazer, para me defender? Acha que vou fazer-lhe carinho? Que é que pensa de mim? Ainda sei matar!
Um lampejo de terror passou pelos olhos de Denise.
- Você não faria isso!...
O ladrão teve um sorriso de complacência e tirou do bolso um punhal, cuja lâmina fez saltar com a pressão do dedo.
- Pois eu acho que faria, sim, belezoca, e com muito gosto! Está vendo isto? Embora eu não tenha estado a pensar, durante todo o tempo em que estive nas grades, senão em dar o fora de lá, sempre arranjei um jeitinho de conseguir este brinquedo e será com imenso prazer que farei a sua inauguração nas tripas de um barão... O senhor barão de Rastignac. Do qual, se não me falha a memória, você me disse que é a esposa apaixonada... Que diz?
Como única resposta, Denise correu para a porta e deu volta à chave.
- Guarde isso! - exclamou, quase sem voz. - Sei que para você a vida de um homem não tem o menor valor! Agora o conheço bem!
- Ainda bem que você começa a ter um juizinho...
A baronesinha, branca de fazer dó, sentou-se numa poltrona. Seu cérebro trabalhava febrilmente, na tentativa de achar um estratagema para se ver livre daquele indivíduo, que sabia ser capaz de tudo. Não conseguia compreender como Afonso pudera atravessar o jardim sem que fosse pressentido e atacado pelos cães que, à noite, eram sempre postos em liberdade.
Com um aperto doloroso no coração pensava que, se Luís Paulo percebesse a presença dele no palácio, tudo estaria acabado. Ela, principalmente, estaria irremediavelmente perdida!
Era absolutamente necessário afastar o fugitivo não apenas daquele aposento, mas também da mansão e das imediações.
- E então, Denise? - perguntou o malandro, vendo que ela estava em silêncio pensando. - Como é? Que decide?
- Não sei... Não sei...
- A indecisão é um dos seus piores defeitos, sabe? Vamos acabar com isso: decida-se, que eu não posso continuar neste estado...
- Mas, que é que você quer que eu faça?
Num pulo, o marginal se pôs de pé e disse, apontando para uma porta:
- É por ali que se vai ao apartamento de seu marido, não é?
- É. E daí? Que pretende fazer?
- Por enquanto, acho que vou precisar de uma roupa dele e não tenho dúvida de que temos o mesmo corpo e irei gostar do que ele usa, já que ele se veste nas melhores alfaiatarias da cidade... Naturalmente, com o terno, precisarei de roupa interior, meias, gravata, sapatos... Enfim, tudo isso que a gente usa. Isso, por enquanto, depois pensaremos no resto...
- Afonso, não cometa loucuras! Luís Paulo pode chegar de um instante para outro! E se ele chegar, Afonso?!
- Se é assim, trate de ajudar-me... A não ser que você prefira que eu chame um criado ou o mordomo, para me dar uma ajuda.
Assim falando, o delinquente se aproximou da campainha e estendeu o braço.
Antes, porém, que tivesse tido tempo de fazê-la soar, Denise o deteve, com um grito:
- Não, Afonso!... Farei tudo o que você quiser... Não faça isso!
- Ah! Assim é que é bonito!...
- Venha, então, para o meu quarto. Eu mesma tentarei trazer o que você precisa. Mas, depois, por favor, prometa-me que irá embora... Irá, não é? Irá embora?
O rapaz olhou-a com ar de compaixão.
- Veremos. Por enquanto, trate de arranjar qualquer coisa que se coma e uma garrafa de champanha, enquanto me lavo e me faço mais apresentável. Estou faminto de verdade.
- A estas horas? É muito tarde, eu não posso... Não é...
- Basta! - cortou secamente o intruso, cônscio da sua superioridade. - Vá fazer o que mandei, sem resmungos nem discussões! Lembre-se de que me deve obedecer em tudo, se não quer que, com uma palavra, arranque-a desta gaiola dourada em que vive!
Denise, vencida, baixou a cabeça e murmurou:
- Está bem, Afonso...
O vigarista, com ar de senhor e dono, entrou no quarto da jovem baronesa e, depois de passar um olhar em torno, dirigiu-se para o banheiro onde, após fechar a porta, começou a se despir.
Enquanto isso, Denise, tremendo só em pensar que Luís Paulo pudesse chegar de repente, afobava-se tirando de um armário tudo o que Afonso ia precisar.
Enquanto se deliciava com a água a lhe escorrer pelo corpo, o gatuno comentou com sarcasmo:
- Não se pode negar que Denise está cercada de todas as comodidades e todo o conforto possíveis e imagináveis!
Momentos depois, já vestindo um roupão, Afonso perguntou a baronesinha:
- Esta janela dá para o jardim?
- Não! - respondeu a moça. - Dá para um jardim suspenso... Por que quer saber?
- É problema meu...
- Afonso!...
- Que é, querida?...
- Em que loucura está agora pensando?
- Loucura? Gosto sempre de saber onde me encontro. A propósito, ainda não fiz a barba.
Denise agitava-se para um lado e outro, cumprindo as ordens do bandido, como que dominada por um íncubo, enquanto o bandido penetrava novamente no banheiro.
Não fora o perigo de falhar no momento preciso, tentaria, sem hesitar, matar o bandido, para se livrar dele de uma vez para sempre!
- Ande depressa! Ande depressa! - pedia, de vez em quando.
- Luís Paulo vai chegar... Já é tarde! Ele já está atrasado!...
A baronesinha, porém, nesse ponto, se enganava, pensando assustar o chantagista com aquelas palavras.
Do banheiro vinha a voz dele como resposta:
- Vamos acabar com essas lamúrias! Quanto ao barão, não sabe o que está ganhando, demorando assim esta noite. Se bem que eu não quero nada com ele e nenhum mal lhe farei enquanto não se intrometa nos meus assuntos.
Trêmula, trazendo no braço um terno, camisa, cueca, sapatos e gravata, a baronesinha se aproximou da porta do banheiro.
Quando introduzia esse vestuário pela fresta que abriu, avistou, enfiada na fechadura, a chave... Num relance pensou que se conseguisse trancar a porta e girar a chave na fechadura, poderia encerrar Afonso no banheiro, chamar a polícia e fazê-lo levar dali, antes que Luís Paulo aparecesse.
Cheia de medo, encostou a mão na fechadura, ia segurar a chave... Antes, porém, de ter tido tempo para pegá-la, o braço do bandido, avançou para ela e lhe segurou o pulso, torcendo-o até fazê-la gritar de dor.
- Eh! Que é isso, menininha?... Assim não entramos em acordo! - zombou Afonso, puxando-a com violência. - Não queira bancar a espertinha comigo, que sou mestre nesses truques!
Denise, como se estivesse embriagada, cambaleou e se encostou à parede.
- Pensou que ia me fazer de bobo? - continuou o bandido, dando uma risada. - Como é tolinha! E logo depois que eu lhe perguntei para onde dava a janela! Eu teria saído por ali e você teria o prazer de me ver desaparecer nas sombras da noite. Está entendendo?
- Você é um demônio!...
- Bem... Agora me dê as roupinhas e, depois que eu me vestir, vamos ao champanha. Ou, melhor, vá tratando disso, enquanto me visto como um fidalgo.
A baronesinha cabisbaixa, derrotada, obedeceu. Enquanto arrumava às taças, pois trouxera duas, como se para uma comemoração íntima, sentia tonturas, só de pensar em que aquele miserável, aquele assassino sem escrúpulos, separado dela apenas por uma porta e uma parede, tinha-a inteiramente nas mãos, era senhor do seu destino. E naquela atmosfera de pesadelo, apenas uma coisa faltava: o aparecimento de Luís Paulo!
Pela primeira vez em sua vida, a pobre moça, de todo o coração, concentrou-se numa prece: "Meu Deus, fazei com que Luís Paulo não volte tão cedo! Afonso é capaz de matá-lo, é capaz de tudo!"
Naturalmente, aquela súplica, aquela prece, feita naquelas condições, soava um pouco como o pranto do crocodilo... Todavia, Afonso não lhe deu tempo de continuar a reza, porque logo a seguir a porta se abriu e ele surgiu, completamente vestido "à Luís Paulo", barbeado, engravatado, aspirando o perfume que pusera, generosamente, num finíssimo lenço de seda.
Denise, por um momento, custou a reconhecer naquele rapaz elegante e desembaraçado o meliante sujo e rasgado que penetrara, pouco antes, no seu apartamento.
Mas a voz de Afonso, no tom cínico de sempre, chamou-a à realidade:
- Então, querida? Que tal estou? Olhe que as roupas de seu marido parecem ter sido feitas sob medida para mim!
- Está bem. E agora, que mais quer para ir embora?
- Ih! Como é apressada! Nem mesmo me responde se estou bonitão, se estou "legal"? Uma coisa, querida, depois da outra... A propósito, quero avisá-la de que apanhei um relógio de ouro e uma abotoadura de brilhante, que estavam em cima da prateleira, fica aborrecida?
- Infame!
Sem se importar com o insulto, o ladrão sentou-se comodamente e, virando uma taça de champanha, disse:
- E agora... Falemos de negócios...

Um comentário:

  1. Paulo, como Denise irá se sair dessa? Espero que não corra tudo bem pra ela, no final kkkkk, mas acho que ainda posará de vítima. Muito bom! Bjs.

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