O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XXXVII
INFELICIDADE CONJUGAL (continuação)
O
tom de voz do conde Fernando era tão persuasivo, inspirava tanta confiança,
convidava tanto à confidência, que até o ânimo exaltado de Denise não soube
resistir ao convite afetuoso e a moça se abandonou, convencida, nos braços do
homem que pensava ser seu pai, murmurando:
-
Ah! Se você soubesse!...
E
lágrimas, lágrimas de orgulho ferido, de cólera, de paixão, de despeito,
rolaram dos seus olhos.
Fernando,
alarmado, passou-lhe o braço em torno dos ombros, exclamando:
-
Nem eu nem Flora estávamos enganados! Você sofre minha menina... É infeliz!
-
Desgraçadamente é verdade, papai!...
O
conde Fernando temia confirmar a causa do sofrimento de Denise, mas quis que
fosse ela quem revelasse e se limitou a dizer:
-
Você e Luís Paulo são jovens, belos, e nada falta aos dois que se possa
desejar. Que pode haver, então? Nunca pude imaginar que o casamento pudesse
tornar-se, para você, causa de sofrimento, em vez de motivo de alegria... Você
está mais magra, pálida, tão diferente da garota de até pouco tempo! Qual é a
causa dessa mudança?
Denise
se agarrou a ele, desesperadamente, à beira de um acesso de nervos:
-
É que Luís Paulo não me ama! Não me ama, entende?... Nada quer comigo, não se
interessa por mim, não me procura!
-
Mas, querida, deve estar enganada!...
-
Não, não! Não estou enganada... Ele mesmo me disse, às claras, no dia em que
aqui chegamos, na mesma noite do nosso casamento! Disse que por mim não sentia
senão indiferença, quase desprezo!
O
conde Fernando ficou estarrecido com tal revelação. Havia imaginado que Luís
Paulo ainda pensasse naquela que lhe surgira inopinadamente depois da cerimônia
religiosa, a meiga costureirinha de olhos cor do céu que ele tudo fizera para
afastar do caminho do genro, mas nunca supusera que, por causa da outra, o
rapaz fosse ao extremo de desprezar sua filha. Se o conde soubesse o quanto
Denise era merecedora de desprezo, a que ponto chegava o seu cinismo e
indignidade, não teria erguido um dedo para defendê-la.
Ignorando,
porém, tudo o que acontecera, por obra da malignidade da marquesa Renata,
preocupado principalmente com o bem-estar daquela que acreditava ser sua filha,
exclamou:
-
Esse estado de coisas não pode continuar! Não quero que você arruíne a
existência, que viva a sofrer por uma culpa que é toda de seu marido. É
necessário haver uma definição, que ele tome uma decisão, custe o que custar!
Assustada
com a exaltação e a veemência das palavras do conde, Denise procurou objetar:
-
Talvez se trate apenas de coisa passageira... Se esperássemos um pouco mais,
talvez... Quem sabe...
-
Não, não! - interrompeu o conde Fernando, decidido. - Já esperamos demais!
Chegou o momento em que devo falar com Luís Paulo. É absolutamente necessário!
Denise
já arrependida de ter falado, tentou dissuadir o conde. Agora, porém, já era
tarde demais.
Falando-lhe,
talvez pela primeira vez, com uma energia que não lhe era habitual, e que lhe
devia custar grande esforço, disse:
-
Vamos, retire-se, minha filha.
-
Mas, papai, não sei o que irei fazer... Não poderei estar calma sabendo que
você...
-
Vá-se embora, Denise. Monte num cavalo e vá dar uma volta, para distender os
nervos. E quando sair, dê ordem ao mordomo para procurar Luís Paulo e dizer-lhe
que eu o espero aqui.
Incapaz
de reagir, a moça saiu silenciosamente da sala. Quando a porta se tornou a
fechar, o conde Fernando permaneceu de pé, durante algum tempo, refletindo
profundamente: "Pobre filhinha!", pensava. "Todo entusiasmo e
ardor juvenil... Não merecia esta provação! Mas, agora, basta! Seus lindos olhos
não verterão mais as lágrimas que tanta tristeza me causam! Nem que isso me
custe tudo o que possuo e até a própria vida, quero vê-la feliz!"
Ouviu
o ruído dos cascos de um cavalo no jardim e, chegando à janela, avistou a
figurinha esbelta de Denise que se afastava velozmente num belo cavalo em
direção à estrada estadual. Enviou-lhe mentalmente um beijo, enquanto seus
olhos marejavam de emoção.
Olhou
em torno, posou com carinho o olhar sobre cada coisa que lhe pertencia, que ela
tocava todos os dias, entre as quais vivia.
Descobriu
um monte de livros e deu uma olhada neles, meio distraído. Não lhe pareceram
estritamente apropriados para uma mocinha como sua filha, mas pensou, com certa
condescendência, que Denise sempre se mostrara um pouco excêntrica e que muita
coisa nela lhe causara estranheza, quando a reencontrara.
Recordou-se
de quando a mocinha exigira que ele a chamasse por um nome que não era o seu e
tornou a sentir a mesma dolorosa sensação, o mesmo aperto no coração, que
experimentara naquele ensejo.
Que
estranha menina era Denise, tão diferente da mãe, quando esta contava a sua
idade... Estava o conde Fernando tão absorto em seus pensamentos, que nem
sequer ouviu o ruído que Luís Paulo fez ao entrar na sala. Já o recém-chegado
estava às suas costas e ele se sobressaltou ao ouvir-lhe a voz:
-
Bom dia, conde... Desculpe se não vim antes, mas é que não percebi a sua
chegada.
Olhando-o,
Fernando verificou que o estado do jovem era bem pior do que o da filha. Seus
olhos estavam velados, como privados de expressão e rugas amargas, no canto da
boca, davam ao rosto pálido uma expressão de infinita tristeza.
Pareceu
a Fernando, naquele instante, estar vendo a si próprio, na época em que sofria
por causa de Marta Aubert, a mulher que havia prometido desposar e sentiu um
vivo desejo de abraçá-lo, de confortá-lo, apesar de todo o sofrimento que
causou a Denise. A consciência de seu dever de pai, no entanto, o chamou à
realidade.
-
Fui eu que impedi que lhe avisassem da minha chegada - disse. - Primeiro queria
falar com a minha filha, com sua mulher.
-
Ah! E esteve com Denise...
-
Estive. Agora ela se foi, por minha ordem, deixou esta casa por uns minutos. E
ela me contou coisas que me deixaram muito triste, Luís Paulo...
O
jovem sentou-se com ar de quem não havia compreendido.
-Triste,
por quê? - perguntou o barão Luís Paulo, fitando um ponto qualquer, afastado do
conde Fernando.
-
Luís Paulo! - exclamou Fernando, enormemente admirado da reação do rapaz. - Tem
a coragem de fazer-me esta pergunta? Mas como?! Aquela pobre menina morre de
amor por você, sofre, esgota-se em lágrimas porque você não lhe concede sequer
um olhar, e ainda me pergunta por que eu estou triste?!
Falando,
o conde Fernando se aproximara do jovem e lhe pusera a mão no ombro, como para
dar mais força às próprias palavras.
Luís
Paulo, porém, continuou calado, sem olhar para ele.
-
Porque não me responde? Prometi a seu pai que o trataria como um filho e é o
que estou fazendo, mas você me deve uma explicação! Eu a exijo! Denise me disse
que a faz infeliz... Defenda-se, ao menos, fale!
Luís
Paulo deu alguns passos para a janela, passando repetidamente a mão pelo rosto,
como se pretendesse aclarar os pensamentos ou afastar de si uma visão trágica.
Depois, lentamente, voltou-se, com um sorriso amargo nos lábios.
-
Papai... Deseja que o chame assim?
-
Certamente, meu filho!
-
Pois bem... Eu não devo me defender, porque nada fiz de que me possa acusar,
absolutamente nada...
-
Mas, segundo minha filha...
-
Denise sabe perfeitamente em que pé estão as coisas. Eu lhe falei honestamente,
antes de nos casarmos. Disse-lhe que havia aceitado unir-me a ela em matrimônio
apenas para manter uma solene promessa feita a meu pai nas últimas horas de sua
vida.
-
Mas isto não justifica seu comportamento. Não está mantendo a promessa,
procedendo como procede - rebateu o conde Fernando, consternado e até um pouco
humilhado.
-
Ao contrário, eu mantenho minha promessa, mas dentro do limite do razoável. Não
se dão ordens ao amor, ao coração, e o meu coração pertence a outra mulher...
Eu nunca poderei amar Denise. Por mais bela, por melhor que ela seja, ser-me-á
sempre indiferente... Meu amor pertence inteiramente a uma criatura que, por um
trágico destino, nunca mais verei! .
O
conde Fernando abriu os braços, desconsolado.
-
Não o compreendo, meu filho, não consigo compreender! Como pode permanecer em
você este amor quase doentio por uma mulher que, como você mesmo diz, nunca
mais verá? Isso é querer prolongar, voluntariamente, indefinidamente, o próprio
sofrimento.
-
Mesmo que eu procurasse fingir, que eu mentisse, meu coração se rebelaria,
minha razão se recusaria a obedecer... Quando penso que a criatura que adoro
está morta, não posso ter dentro de mim outro sentimento senão a dor. Vivo
apenas das recordações, agora, das doces recordações de algo que passou tão
rápido, mas que terá para mim a duração da eternidade!
-
Mas isso é absurdo! Você está doente... Não pode continuar assim. Deve
esquecer, precisa esquecer!
-
Esqueceria se pudesse, mas o sentimento que nutria e nutro por aquela que
morreu era muito forte, era intenso, ainda o é agora, e não posso me resignar a
aceitar a sua perda...
A
voz do jovem barão estava rouca, quase soluçante.
-
Compreendo muito bem que é absurdo sofrer assim. - Continuou Luís Paulo, com a
cabeça entre as mãos. - Mas o sofrimento, agora, faz parte da minha natureza...
Nunca amara antes de conhecer aquele anjo que desceu a terra e não poderei amar
nunca mais, depois de perdê-lo!
-
A moça que ama e aquela pela qual você se internou no sanatório do doutor Démon
são, então, a mesma pessoa? - perguntou Fernando.
-
Sim, a mesma pessoa...
-
E tem certeza, Luís Paulo, de que essa moça era digna de você, do amor que lhe
devota?
Os
olhos do rapaz brilharam por um instante, perdendo a atual tristeza e fixidez.
A luz de um sentimento sublime iluminou seu rosto, ao tempo em que respondia:
-
Se ela era digna de mim? Isso equivale a perguntar se o sol é quente, se a água
do mar é salgada, se os astros giram realmente no céu... A pergunta deveria ser
se eu sou digno dela!
-
Luís Paulo, você ainda é muito jovem e não alimenta ainda nenhuma desconfiança com
relação às demais pessoas. Não tem em conta que você representa o que as
mulheres costumam chamar "um bom partido"? Você não pensou que,
quando ela se encontrou com você, já teria talvez o interesse numa aproximação,
num conhecimento?...
Embora
nenhuma dúvida a respeito tivesse jamais atravessado o pensamento do jovem,
este respondeu, cheio de amargura:
-
Oh! Conde! Como eu poderia ser enganado assim? Naturalmente as suas dúvidas
devem-se ao fato de não tê-la conhecido, de não ter tido oportunidade de apreciar
os inestimáveis tesouros que ela reunia em si.
O
conde Fernando esteve a ponto de dizer ao genro como, ao contrário do que
pensava, tivera ensejo de conhecer bem a costureirinha, e falar-lhe do modo
como Maria "Flor de Amor" se havia comportado com ele. Temendo,
porém, provocar o ódio do moço, quando ele soubesse do seu procedimento para
com ela, limitou-se a perguntar:
-
Mas, afinal, o que ela estava fazendo, no sanatório de Démon? Pode explicar-me,
agora?
-
Ela ali estava em busca da mãe, que naquela mesma clínica havia-lhe dado à
luz...
Àquelas
palavras aparentemente tão simples, o conde Fernando sentiu que todo o sangue
lhe subia à cabeça, repentinamente! Teve de sentar-se, porque as pernas lhe
tremiam, enquanto um turbilhão de ideias lhe invadia a mente, atordoando-o
momentaneamente.
-
Não é possível!... - balbuciou.
-
Conde - fez Luís-Paulo ressentido. - Põe então em dúvida à minha palavra?
-
Não, meu filho, não é isso, mas... Então ela pensava que a mãe ainda estaria
recolhida à clínica? É incompreensível...
-
Mas, que há de estranho nisso?
-
Nada... Apenas me faz recordar um fato que me é familiar. Não, não pode ser uma
simples coincidência, um mero acaso...
Pela
primeira vez o interesse do jovem barão pareceu ter renascido. Aproximou-se de
seu sogro e, sem mesmo saber porquê, experimentando uma espécie de prazer em
falar sobre a mulher dos seus sonhos, contou:
-
Ela fora levada dali por um bondoso escravo fugitivo que, antes de morrer,
contou-lhe a estória tristíssima da mãe; disse-lhe o nome da clínica onde ela
estava internada e onde podia ser procurada.
O
conde Fernando ficou uns segundos em silêncio, refletindo intensamente. Depois,
tomando Luís Paulo pelo braço e, fitando-o bem firmemente nos olhos, como se
lhe quisesse ler no fundo da alma, indagou com voz alterada:
-
Como se chamava essa moça que você tanto ama?
-
Seu nome verdadeiro era Maria Aubert, mas todos a conheciam como Maria
"Flor de Amor". É um nome adorável feito para ela.
Fernando,
transtornado, largou o braço do genro.
-
Maria Aubert! - repetiu, como se não estivesse bem certo, como se não tivesse
ouvido bem. - Maria Aubert... Se eu não tivesse certeza de que estou
perfeitamente no meu juízo, diria que estou enlouquecendo e você também, Luís
Paulo!
Agora
foi o jovem barão que se colocou ao lado do conde, a fitá-lo diretamente nos
olhos.
-
Conde... Deve explicar-me...
-
Sim, meu filho, está certo... A coisa é tão tremenda, que por um momento pensei
que me alterasse o juízo! Você me disse há instantes apenas que a jovem que ama
e que está morta, chamava-se Maria Aubert, não é verdade?
-
Sim, disse...
-
E que a mãe dela lhe deu à luz na casa de saúde do doutor Démon, onde ainda
deveria encontrar-se quando foi procurá-la ali, não é isso?
-
Sim...
-
Pois bem, Luís Paulo, desculpe-me, mas sou forçado a lhe dar um golpe cruel:
essa que você ama não passa de uma simuladora, uma mentirosa, vulgar porque
Maria Aubert, a filha daquela que estava recolhida ao sanatório e que eu mais
tarde recebi no meu palacete, é simplesmente Denise, a sua mulher!
Como
que ferido por um raio, Luís Paulo conteve o ímpeto de avançar sobre o conde
Fernando.
-
Não diga isso! - gritou... - Não insulte a mulher que eu venero! Maria Aubert
morreu afogada no rio!
-
Sinto por aquela pobre moça, que usou abusivamente um nome que não era o seu! -
retrucou Fernando. - Mas Maria Aubert é o nome de minha filha antes de ser
reconhecida por mim, quando passou a se chamar legalmente Maria Denise
Chanteloup. Ela é atualmente sua mulher.
O
conde Fernando ficou calado por um instante, procurando voltar à calma. O
embuste que a marquesa Renata havia urdido com a cumplicidade da filha dessa
malvada mulher era por demais perfeito e a luz da verdade não podia penetrar no
seu cérebro.
-
Luís Paulo, meu pobre Luís Paulo... - continuou. - Você tem sofrido tanto e
imerecidamente, por uma criatura que não valia um só dos seus pensamentos, nem
mesmo agora que está morta! Ouve o meu conselho: esqueça-a! Não pense mais
nela, nessa moça que, depois do que agora sei, não posso deixar de qualificar
como mistificadora, uma mulher que não ambicionava seu amor, mas o seu dinheiro
e seu título de nobreza!
-
Basta, conde... Não continue. Não profane a lembrança da pessoa que me é mais
querida no mundo. Eu seria capaz de matar qualquer outro homem que ousasse
falar-me dessa maneira!
-
Não me importaria de morrer, para ver você livre desse peso absurdo que o
oprime! - respondeu Fernando, erguendo-se diante do jovem desesperado. - Mesmo
que de agora em diante nossas relações fiquem abaladas, tem de escutar-me!
Disse que essa mulher é uma mentirosa e repito-o! Tenho a prova disso!
-
Pois mostre-a!
-
Não sei de onde veio, de onde saiu essa mulher que quis se passar por Maria
Aubert, mas uma coisa é certa, ela deve ter ouvido, provavelmente de algum
empregado antigo da clínica de Démon, a estória de Denise e tê-la-ia contado
então a você, para aumentar o interesse que no momento você demonstrou por ela.
Este é um truque usado comumente, por certo tipo de mulheres, e eis a prova que
eu disse possuir: a louca que ela disse estar procurando, não mais está na
clínica de Démon, porque eu a retirei de lá, levando-a para o meu palacete...
Essa é a infeliz que eu amava, que amei há tantos anos e que abandonei porque a
acreditei culpada de uma traição que, na realidade, não praticou. Na ocasião a
infeliz esperava um filho, que foi Denise... Ou, melhor, Maria Aubert, que foi
o nome com que primeiramente escreveram no registro da menina. Foi esta que o
escravo fugitivo retirou da clínica, e a que acompanhou o velho até ele morrer.
Antes disso acontecer, Denise quis saber algo sobre seu passado. Soube que eu
era seu pai, e me trouxe a prova irrefutável, apresentando-se em minha casa com
uma carta que eu escrevera à mãe dela, há muitos anos. Ninguém mais, nenhuma
outra pessoa poderia possuir essa carta, além da mãe dela, ninguém podia
conhecer o valor, evidentemente, daquela prova. Quem a poderia ter dado, senão
sua mãe? Aquela que você acreditou ser Maria Aubert não lhe falou nesse
detalhe, certamente...
Luís
Paulo, abalado, malgrado seu, pela argumentação do conde, baixou a cabeça:
-
Não. Não me falou de carta nenhuma...
-
Pobre rapaz, você caiu na rede de uma comediante que procurou tirar proveito do
seu bom coração e da sua ingenuidade. E até hoje você tem sofrido, tem vivido
em desespero, porque o fantasma daquela mulher o perseguia! Mas Deus não
permitiu que você arruinasse completamente, sua existência, agora está livre
desse pesadelo.
-
Conde, eu sinto que meu cérebro vacila... - balbuciou o jovem barão, levando as
mãos aos olhos. - É terrível haver-se criado um ídolo, tê-lo colocado num altar
de ouro, e vê-lo cair por terra, mostrando ser um ídolo de barro, com todas as
suas impurezas...
-
Eu sei, meu filho, eu sei - disse o conde Fernando, gravemente, pondo-lhe a mão
no ombro. - Mas, a partir de agora, uma nova vida recomeçará para você.
Esquecerá depressa, mais do que pensa, esta fase tão triste de sua vida.
-
Acredita mesmo, então, que aquela mocinha misteriosa fosse uma impostora? Não,
é inútil que eu o pergunte, agora, já me deu a prova. Ninguém, a não ser sua
verdadeira filha, poderia estar de posse da carta da mulher que a trouxe a este
mundo...
Havia
ainda um tom de dúvida na voz de Luís Paulo e, com a decisão de exterminá-la
definitivamente, Fernando retirou do bolso uma carteira de documentos, da qual
extraiu um envelope amarelecido pelo tempo. Pegando-o com delicadeza, como quem
segura uma relíquia, estendeu-o ao genro:
-
Aí tem. Pode lê-la. É a carta que Marta Aubert tinha costurado no vestidinho da
filha, antes da menina deixar a clínica em companhia do escravo Benedito. Eu
vim a saber disso pela própria Marta, num dos seus momentos raríssimos de
lucidez. Assim é, meu filho. Leia, agora, se lhe interessar. É uma simples
carta de amor que eu enviei a Marta, há muitos anos... Como já lhe disse.
Com
grande respeito, sem a abrir, Luís Paulo lhe devolveu a carta. Suas mãos
tremiam, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
Compreendendo
a terrível desilusão que o rapaz devia ter experimentado, sem se dar conta do
tremendo, inominável erro que os envolvia a ambos, Fernando disse
afetuosamente:
-
Você precisa ser forte, meu filho... Após aceitar a triste realidade, trate de
conformar-se totalmente com ela. Todos nós estamos sujeitos a ser enganados, a
ser iludidos por alguém que, habilmente consegue enganar-nos. Só mais tarde
descobrimos o engano, e quando isso sucede, é um rude golpe que nos atinge. Já
tive essa triste experiência, infelizmente.
Luís
Paulo deixara-se cair numa poltrona, aniquilado.
-
Aquela que eu pensava ser um anjo, nada mais era que uma vulgar mentirosa, -
murmurou. - Aproximou-se de mim por interesse, visando a minha riqueza, o meu
título, apenas isso... Se não fosse eu ter diante dos olhos a prova irrefutável,
não poderia acreditar!
Ergueu
os olhos lúcidos para Fernando:
-
E o senhor, papai, poderá perdoar-me? Poderá esquecer o muito que fiz sofrer
sua filha com um procedimento de que agora me envergonho?
O
conde Fernando, comovido, estendeu-lhe a mão, sem responder.
Luís
Paulo tomou-a na sua e a apertou cordial e fortemente:
- O senhor é o homem mais generoso e bom que
conheço - disse. - Daqui por diante, prometo que farei tudo para que Denise
esqueça o mal que lhe fiz. Não a amo, isso é verdade, mas talvez o amor possa
vir agora com o tempo e a convivência. Entre nós, já não existe mais o fantasma
da "outra". Meu ídolo tombou e foi destroçado para sempre!...
Pobre Luís Paulo,também foi enganado, como Fernando! Denise irá se dar bem ou Renata surgirá em cena para atrapalhar? Paulo, essa história é imprevisível, sempre com muitas surpresas! Gostei! Bjs.
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