O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
CapítuloXXXVIII
ENCONTRO
INDESEJÁVEL
Àquela
tarde Denise fora até à cidade de Nova Orleans, segundo o conselho do conde
Fernando e, para passar o tempo, decidira dar uma chegada ao
"atelier" da sua costureira que, justamente naquela tarde, ia
apresentar um desfile de modelos, para apresentar suas novas criações.
A
baronesa Denise, que era tida ali como uma das melhores clientes, foi logo
convidada a ocupar a poltrona de mais destaque do salão.
Os
modelos, elegantíssimos, começaram a desfilar pela passarela e imediatamente
Denise demonstrou interesse por alguns, fazendo aquisição deles, comprando-os
apenas por fantasia, pois uma vez levados ao palacete, nem mais se lembraria da
existência de alguns deles, dada a grande quantidade que já possuía em seu
guarda-roupa.
Desde
há alguns dias, vinha-lhe constantemente à cabeça a ideia de humilhar Luís
Paulo, de tudo fazer para excitar-lhe o ciúme, para acabar com sua insultante
indiferença. "Ele não me quer?", pensava. "Pois muito bem, vou
demonstrar-lhe como os demais homens reconhecem os meus méritos e atrativos. E
ele, como é de carne e osso, acabará enciumado".
Imersa
nesses pouco edificantes pensamentos, ela olhava em torno, observava os homens
mais elegantes e interessantes da sala onde se realizava o desfile. Mas todos
que conheciam a baronesa Denise limitavam-se a responder com cumprimentos
atenciosos e corteses aos seus olhares, nem de longe imaginando o que se
passava na cabeça da filha de Renata e que ela estava querendo ser cortejada
por eles.
Afinal,
cansada e entediada, Denise saiu da sala de alta costura e, deixando a
carruagem estacionada, começou a passear a pé pela rua movimentada àquela hora.
A
certa altura, a jovem criatura se deteve a olhar a vitrina rutilante de uma
grande joalheria. Os brilhantes, as joias sempre haviam exercido sobre ela uma
espécie de fascínio e, mesmo agora, que possuía um porta-joias dos mais ricos e
variados, não podia deixar de olhar, fascinada, os magníficos adornos,
cintilantes colares de brilhantes, rubis e esmeraldas que ali estavam expostos,
sobre o fundo de veludo negro.
Estava
ainda entregue aquela quase adoração, quando teve a sensação de que alguém a
olhava, e que não estava sozinha.
Sentia
perfeitamente a força de um olhar pousado sobre si, embora não pudesse
localizar o ponto de onde vinha. Por alguns instantes tratou de dominar-se, não
querendo virar o rosto para olhar a pessoa que a fitava, mas acabou cedendo,
quase involuntariamente e voltou a cabeça. E avistou, então, entre a massa
movimentada de pessoas que iam e vinham, dois olhos cuja força magnética já
conhecia bem, por ter sido por ela dominada tantas vezes. Sentiu que seus
joelhos tremiam, ao tempo em que um homem caminhava na sua direção... Era Afonso
Houdin, seu antigo apaixonado!
O
olhar de Afonso causou sobre ela tamanha impressão, aquele encontro com ele
tanto a perturbou, que Denise quis fugir por entre a multidão, mas não
conseguiu mover-se. Enquanto isso, o gatuno se aproximara e enfiara o braço no
seu, sem nenhum cumprimento.
-
Denise! - exclamou alegremente. - Mas é você mesmo? E como está elegante!
Digo-lhe que durante um bom pedaço de tempo estive a olhar você sem a
reconhecer! Agora está muito mais bacana, garota, que em nossos velhos tempos.
Que anda tramando aqui nesta babilônica cidade?
-
Eu... Bem, estou vendo as vitrinas, pensando em fazer umas compras.
-
Compras? Deixa isso para outro dia! Há tanto tempo que não nos vemos e ainda
pensa em compras?!
-
Mas, Afonso, você deve compreender que...
-
Eu sempre compreendo tudo - disse Afonso, sorrindo. - Se não fosse assim, não
estaria agora aqui, de braços com a mulher mais legal da cidade, e sim dentro
de uma gaiola, atrás das grades. Não lhe parece?
Denise
sentia-se tremendamente sem jeito, ao lado daquele homem que era um delinquente,
velho conhecido da polícia.
Tinha
a impressão de que todos os olhavam, de que todos identificavam no seu
companheiro um ladrão, um assassino. Procurando libertar-se do braço dele,
exclamou:
-
Bem, mas deixe-me. As coisas agora mudaram!
-
Ah! É mesmo... Esquecia-me de que você casou... Mas é uma grande honra para
mim, estar em companhia da nobre baronesa Denise de Rastignac... Nunca esperei
desfrutar de uma honra tão grande!
-
Vá embora, Afonso!
-
Eu? Sim, vou... Mas você vem comigo, minha belezoca!
-
Mas, não compreende que... Não imagina o que poderia acontecer se fôssemos
vistos juntos? - exclamou Denise, exasperada. - Você está sendo procurado pela
polícia!
Afonso
Houdin sorriu novamente, com todo o cinismo:
-
Ora, e dai? Que tem isso? Eu não me preocupo e por que você há de ficar assim
assustada?
-
Idiota! Porque não quero perder, por causa da sua inconsciência, tudo o que
consegui com tanta dificuldade!
-
Pois bem - fez o malandro finalmente convencido. - Nesse caso, tomaremos uma
carruagem de aluguel. Assim, ninguém nos verá.
-
Não, não é possível. Tampouco quero ir com você.
Não
obstante, quando o rapaz parou uma carruagem de aluguel, Denise entrou nela sem
fazer objeção, acompanhando-o.
Mal
se encontraram dentro da carruagem, Afonso lhe passou o braço em torno da
cintura, puxou-a e beijou-lhe na boca.
-
Você é mesmo louco! Não esqueça que já não sou sua namorada!
Entre
um insulto e um galanteio, acabaram chegando ao "O Cacho de Ouro", um
gracioso restaurante à margem do rio. Afonso se encarregou da escolha do que
iriam beber e comer. Depois de meia hora, quando já haviam esgotado vários
copos de bom vinho, Denise tinha esquecido seu mau humor, e estava já desejando
divertir-se à vontade, completamente esquecida dos deveres e da linha de conduta
que a sua situação de baronesa de Rastignac lhe impunha.
Afonso,
por sua vez, não estava menos alegre e feliz, e comia e bebia com animação.
Quando
terminaram de jantar, Denise falou:
-
Peça a conta e vamos para o "Bingo". Não estou com um vestido muito
apropriado para noite, mas espero que não tenha grande importância e que não
ligue para isso.
Um
quarto de hora mais tarde Denise e Afonso entravam no salão do "Bingo
Clube", que em nada mudara desde o tempo em que a filha da marquesa Renata
começara a frequentá-lo.
Os
componentes da orquestra saudaram com especial entusiasmo o reaparecimento dos
dois antigos "habitués", e o gerente do salão veio cumprimentar
amavelmente Afonso e sua acompanhante.
Depois
de lhe ter arranjado uma boa mesa, em situação privilegiada, chamou um garçom
para que recebesse o pedido e fez um aceno aos músicos da orquestra. Afonso,
depois de ter bebido um bom par de taças de champanha, para clarear as idéias,
levantou-se e, tomando Denise pela cintura, saiu com ela a dançar.
Sentado
a uma mesa quase escondida num ângulo do vasto e escassamente iluminado salão
de danças do "Bingo Clube", Ubaldo Duroi, o detetive, estava bebendo
um uísque. De repente, sua atenção foi atraída por uma bela jovem, vestida com
rara elegância que estava dançando com um antigo conhecido seu.
-
Mas... Essa linda mulher que dança com Afonso, o malandro, é minha cliente!
Mas... Será possível que a ilustre baronesa Denise de Rastignac esteja aqui, em
companhia de um malfeitor fartamente conhecido pela polícia de Nova Orleans?
O
investigador esperou que a música parasse e então chamou com um aceno de mão ao
gerente do salão.
-
Quem é essa linda moça, que está dançando com Afonso "Mãozinha de
Ouro"? - perguntou Ubaldo ao gerente.
-
É uma antiga freguesa da casa. Por certo que, durante o tempo que deixou de vir
aqui, teve ocasião de melhorar muito de situação. Nessa época aparentava ser
uma estudante. Agora parece ser uma duquesa.
-
Mas... essa linda mulher que dança com Afonso, o malandro, é minha cliente...
Moça de alta roda... Você não sabe seu nome?
-
Sim. Ela se chama Denise.
-
E o sobrenome?
-
Não sei, absolutamente.
-
Obrigado, Teógenes - agradeceu o detetive, levantando-se.
-
Como? Já vai embora?
-
É... Acabo de me lembrar de um assunto importante a resolver. - E assim
dizendo, Ubaldo o investigador, procurando não se expor à vista de Denise, saiu
por uma porta lateral, não sem antes ter dito ao gerente do clube:
-
Eh, Teógenes... Que não lhe passe pela cabeça espalhar que estive a fazer
perguntas a respeito dessa moça. Esqueça desde agora absolutamente as minhas
perguntas.
-
Estão esquecidas, totalmente apagadas na minha memória - respondeu o gerente.
Quando
o detetive chegou à rua, aproximou-se de uma carruagem, que estava estacionada
adiante e chamou, com voz autoritária, dando-lhe um safanão para acordá-lo, ao
cocheiro que cochilava.
-
Você, aí!
-
Às ordens, senhor! - fez o outro, sobressaltado e pensando tratar-se de um
freguês que desejava dar uma corrida.
-
Aonde que ir?
-
A lugar nenhum.
O
cocheiro, que mal acordara, esfregou os olhos, pensando não ter ouvido bem.
Quando, afinal, indagou:
-
Mas, então por que...
Ubaldo,
porém, lhe cortou a palavra, pondo-lhe sob o nariz uma moeda de ouro, que tirou
do bolso.
-
Pegue isto e limite-se a responder às minhas perguntas. Quem pergunta sou eu!
-
Sim,senhor... - balbuciou o outro, estupefato. - Mas não sei em que lhe poderei
ser útil...
-
Foi você quem trouxe para o "Bingo", há uns vinte minutos mais ou
menos, um homem alto, de cabelos vermelhos, moreno, e uma mulher belíssima?
-
Os dois jovens que vieram discutindo e se beijando? Fui eu, sim, senhor.
-
Onde os apanhou?
Ubaldo
se apoiou à porta da carruagem, com ar confidencial:
-
Você não escutou, por acaso, qualquer coisa que eles disseram?...
O
cocheiro, antes de responder, olhou-o com ar suspeito.
-
Escute - murmurou a seguir - o senhor será, por acaso, o marido da moça? Não
quero encrencas, compreende? Pego meus passageiros e os levo onde me dizem que
vão. Quanto ao resto...
-
Está certo, está certo! - cortou o investigador particular.
-
Então, foi que eles disseram?
-
Como é que vou me lembrar? Disseram essas besteiras próprias de namorados...
-
Mais nada?
-
Bem... Num certo ponto da conversa ele disse qualquer coisa e ela respondeu:
“Mas eu já disse que não posso passar a noite fora do palacete”... Isso
interessa?
-
Muito! – respondeu Ubaldo, pensativo. E acrescentou: - Escute aqui, meu velho.
Que acha da idéia de emprestar-me a sua carruagem, até amanhã de manhã?
-
O senhor está bêbado, por acaso? - perguntou o cocheiro, arregalando os olhos.
- Esta carruagem e o cavalo são meu ganha-pão, se é que não sabe disso...
Ubaldo
retirou de um porta-moeda dez reluzentes moedas de ouro e estendeu-as ao
cocheiro.
-
Aqui tem o dobro do que você ganha num mês de trabalho. Amanhã pela manhã eu
lhe entregarei o veículo na Praça de Marengo.
-
Mas... Que vai o senhor fazer com uma carruagem de praça? - perguntou o
cocheiro ainda hesitante.
-
Isto só a mim interessa. Como você é cocheiro, vai para casa na minha charrete
e eu o procurarei amanhã onde já disse. Assim, não terá que andar a pé, de
acordo?
Este
detalhe acabou de dissipar a hesitação do cocheiro. Desceu da boléia e
entregando as rédeas do cavalo ao detetive particular, exclamou, agora desejoso
de colaborar:
-
Não vai querer também a minha cartola, por acaso?
-
Naturalmente - respondeu Ubaldo.
Assim,
alguns minutos mais tarde, um homenzinho insignificante entrava na charrete
atrelada a uma briosa égua, ao mesmo tempo em que um intrigante investigador
particular, vestindo o casaco do cocheiro e tendo à cabeça uma cartola,
sentava-se na boléia da velha carruagem, para esperar pacientemente, enquanto o
cavalo dormia de pé.
Paulo gostei muito desse capítulo! Será que o investigador Ubaldo vai chantagear Denise? Que homem atento e sortudo, e com suas moedas de ouro vai descobrindo tudo que quer! Estou ansiosa pra saber o que ele pretende. Muito bom! Bjs
ResponderExcluirUbaldo tem algum plano maligno... Talvez, limpar o pobre Luís Paulo e creio que vai usar Denise para atingir esse objetivo...
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