quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 42 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XLII

O QUE ACONTECEU NA NOITE ANTERIOR

Depois de ter ficado uns instantes a olhar Denise caminhando rumo à entrada do palácio, Afonso satisfeito pela maneira como havia decorrido a noite para ele, voltara à carruagem de aluguel, que o esperava à margem da estrada.
Logo que se sentou de novo no veículo, o cocheiro perguntou, sem se virar para trás:
- Para onde vamos, patrão?
- Voltamos para o centro da cidade... Ao hotel "Trinité".
- Certo, patrão! - fez o outro, pondo a carruagem em movimento.
Afonso se recostou, satisfeito, no banco traseiro. "Como Denise é teimosa!", pensou. "Mas, comigo, não tem conversa e resolvi que vai trabalhar direitinho para mim, que diabo! Eu devo desfrutar de seu bem-estar atual e Denise terá de comprar meu silêncio a um alto preço.
O malandro imaginava já como iria gastar todo o dinheiro que ia arrancar de Denise. Desejara sempre possuir um apartamento bem confortável, num bairro sossegado e distinto, uma ótima carruagem com briosos cavalos, na qual rodaria pela cidade e, sobretudo, o ócio, o lazer permanente e repousante, livre de preocupações, sem o sobressalto de estar sendo perseguido pela polícia, o medo de ir parar na cadeia de um instante para outro.
"E vou arranjar tudo isso! - disse a si mesmo, com alegria. - Ora, se vou! Quero ser mico de circo, se não vou ter um vidão! Ninguém irá pensar, quando me vir, sempre elegantíssimo, nos lugares mais chiques, nos pontos da alta roda, que sou um ladrão, um bandido. Com os diabos! Com dinheiro tudo se consegue, e eu sei como se gasta a grana!Antes de mais nada, vou comprar um título de nobreza.E a macacada quando eu passar, dirá, apontando-me a dedo:Aquele ali é o marquês de Houdin, de ótima, antiga família e tudo isso o conseguirei com os milhões de Denise!"
Começou a rir, em silêncio, na escuridão, enquanto a carruagem prosseguia seu caminho. Enquanto isso, o outro, na boléia da carruagem, ria também. Com sua cartola na cabeça, Ubaldo sentia-se o mais astuto dos detetives.
"Não é por me gabar", dizia a si mesmo o investigador, "mas à minha astúcia ninguém escapa! Sou um caçador nato e esta noite a caça foi espetacularmente rendosa, pelo jeito. Tenho na mão os dois pombinhos que se beijocavam nesta berlinda. Será que eles pensavam que eu sou surdo ou completamente burro? Ah! Se soubessem...Afinal, o Afonso não é o idiota que eu pensava. A tal baronesinha é de amargar. Quando ele a esbofeteou, tive a tentação de parar a carruagem e de lhe dar o troco na mesma moeda. Mas aí teria arruinado tudo... Aliás, Afonso não terá mais ocasião de maltratá-la, depois do que aconteceu esta noite, e quando chegar a minha vez, quando eu entrar com o meu jogo, usarei um sistema muito diferente do dele..."
Quando chegaram à cidade e a carruagem enveredou pelas ruas silenciosas e desertas, atravessou a zona dos edifícios públicos e alcançou o centro propriamente dito.
Afonso, que estivera até então mergulhado em suas reflexões, bateu na janelinha, exclamando:
- Eh! Meu amigo! Está no caminho errado! Por aqui não se vai ao "Trinité"!
- Quem está errado é o senhor... - respondeu-lhe uma voz tranquila e fria. - O seu albergue fica aqui mesmo...
- Você está doido! - exclamou Afonso.
- Absolutamente, patrão: Pronto! Chegamos!
A carruagem foi freada, realmente, e Afonso, afobadíssimo, nervoso, abriu a porta, descendo para a calçada. Instintivamente ergueu os olhos, para ver diante de que edifício se achava, e uma exclamação de surpresa e de susto lhe escapou da boca:
- Mas... É a Central de Polícia! A Chefatura!
- É triste, mas é a verdade, meu caro Afonso – respondeu Ubaldo. - Mas ainda lhe resta uma vantagem: você não vai pagar a corrida...
O ladrão se voltou, rápido, com as feições alteradas pela cólera. A primeira coisa que viu foi o cano brilhante de uma pistola apontada para ele. E a segunda foram os olhos não menos temíveis de Ubaldo Duroi, que o fitavam duramente, observando todos os seus movimentos.
O detetive, rapidamente, havia-se livrado da cartola e do casaco do cocheiro e Afonso, por um instante, teve a impressão de que ele havia surgido da sombra, como um fantasma.
- Você, que quer de mim?... Abaixe essa arma, desgraçado! Estamos diante da Chefatura de Polícia! Quer que nos prendam a ambos?
Os dentes, de Ubaldo cintilaram num sorriso:
- Afonso, você me causa admiração! Como pode pensar que eu deseje ser preso? Eu ainda tenho muito o que fazer.
- Ah! Ainda bem... Por um instante pensei...
- Que eu quisesse ir com você para a prisão?
Afonso estava a ponto de atirar-se sobre o investigador, mas a arma apontada para ele impunha respeito.
- Você não passa de um espião!
Ubaldo, o detetive, não se alterou e não lhe deu resposta.
Limitou-se a fazer um gesto, mandando que ele caminhasse para o portão da Chefatura, da qual, atraídos pelo ruído das vozes, já vinham saindo dois agentes.
Vendo-os, Afonso fez menção de querer correr e fugir, mas os policiais avançaram contra ele e o imobilizaram completamente.
-Deixem-me, covardes! Deixem-me! - gritou o ladrão, debatendo-se como um louco. - Prendam esse espião, isso sim!
Melhor teria feito, entretanto, se não tivesse dito nada. Realmente, Ubaldo, que até aquele momento havia dado a impressão de estar se divertindo com a coisa, aproximou-se dele e aplicou-lhe três ou quatro fortes bofetadas.
Enquanto o sangue escorria do lábiopartido de Afonso, o detetive disse com toda a calma:
- Isto é para você aprender a não esbofetear uma mulher, uma pobre moça indefesa...
Depois, voltando-se para os dois policiais, que evidentemente já deviam conhecê-lo perfeitamente, porque o haviam deixado:
- Agora, levem esse malandro ao delegado.
Afonso foi carregado ao primeiro andar da Chefatura, tal a feroz resistência que opunha aos dois policiais.
Afinal, um dos agentes abriu uma porta e o outro, empurrando o prisioneiro com os ombros, jogou-o para dentro de uma sala quase vazia e de paredes nuas, cujo mobiliário consistia em algumas cadeiras e uma escrivaninha, atrás da qual estava sentado um homem pequenino e quase completamente calvo, que, mal avistou Ubaldo, disse jovialmente:
- Salve, Duroi!
- Boa noite, delegado. Sempre no batente, mesmo nas horas da madrugada, hem?
O homem deu uma olhada desconsolada ao relógio:
- Convenho que às três da manhã, seria melhor estar dormindo. Mas, pelo que vejo, você também esteve em atividade.
- Sim, estive. . . Sou caçador noturno, caçador de raposas...
- Ah, ah, ah! E esse aí bem parece uma raposa velha, apesar de ser ainda bastante jovem.
Ubaldo fitou Afonso, que continuava a perder sangue pelo lábio partido e respondeu:
- Isso mesmo... Este bandido está precisando tirar umas férias na cadeia...
O delegado se levantou e caminhou em direção a Afonso.
-Que fez ele para merecer essas férias no melhor dos nossos hotéis?
Ubaldo lhe pôs a mão nas costas, satisfeito:
- Simplesmente, ele é o camarada que apunhalou Flora Sardon, no palacete do conde Fernando de Chanteloup. Além de ser um assassino, também é gatuno.
Àquelas palavras, Afonso urrou, como um doido:
- Não é verdade! Ele mente!... Sou inocente! Não fiz isso! Deixem-me ir embora!...
- Não grite assim, idiota! - exclamou Ubaldo... – Basta que Flora seja acareada com você e estará frito! Mais vale ficar calminho e aceitar a coisa com filosofia.
O delegado voltou-se para os dois agentes:
- Guardem o mocinho lá dentro, na cela mais "confortável".
Afonso, vendo que agora nada mais podia fazer, desesperado, todo amarrotado, sujo de sangue, ainda arriscou:

   
- Está certo... Fui eu, sim, que esfaqueei a tal Flora Sardon. Mereço ser preso. Mas esse homem - e apontou, acusador, o dedo para Ubaldo, que se limitava a olhar para ele com ar de compaixão - esse sujeito merece ir para a cadeia, porque é um delinquente, talvez pior do que eu! Prendam-no também!
Mas se o ladrão imaginara, com isso, por a perder o astuto investigador, acusando-o de ser um marginal, um criminoso, enganara-se redondamente.Ubaldo, voltando-se para o delegado e abrindo os braços com ar de vítima, exclamou:
- Que se há de fazer? É a mesma estória, sempre...
- A culpa é sua, Ubaldo! - disse o delegado. - Sua especialidade é disfarçar-se e fazer-se passar por um deles... E sabe representar com tanta propriedade o papel de marginal, que eu às vezes, senão o conhecesse tão bem, seria capaz de ficar em dúvida...
- Mas é preciso, meu caro delegado! Para apanhar esses malfeitores, é preciso o policial se meter no meio deles, fingir-se um deles. Não há sistema melhor!
- Tem razão - respondeu o homenzinho calvo, lançando um olhar de poucos amigos na direção de Afonso. - De qualquer maneira, esse aí, pelo menos, por alguns anos não dará mais aborrecimentos a ninguém. Vocês podem levá-lo...
A ordem foi prontamente executada, pelos dois agentes. Durante alguns segundos os protestos e gritos do ladrão chegaram ainda aos ouvidos do delegado e de Ubaldo Duroi. Depois, no vasto casarão da Chefatura de Polícia, voltou a reinar o silêncio.

2 comentários:

  1. Esse Ubaldo é cara-de-pau e parece muito perigoso. Qual será o próximo passo dele? É esperar para ver...

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  2. Paulo, não sei exatamente o que Ubaldo pretende, mas adorei esse capítulo, e a prisão de Afonso! Agora resta esperar pra saber o que acontecerá com Denise. Muito bom! Bjs.

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