O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
2ª
Parte - Capitulo IV
AS
FLORES DESPEDAÇADAS
Mal
o doutor George penetrou no quarto de Marta Aubert, que estava mergulhado na
penumbra, foi logo sentindo um forte cheiro de violetas, o perfume preferido da
louca, que impregnava o ambiente.
O
local estava mobiliado com simplicidade, com sóbrio bom gosto e tudo fora
disposto de modo a tornar o mais confortável possível a permanência de uma
pessoa que apenas muito raramente saía ao ar livre.
Marta
trajava um vestido branco singelo, que fazia ressaltar ainda mais a alvura de
seus cabelos, estava recostada num canapé e nem sequer virou o rosto para ver
quem havia entrado. Seu aspecto não havia mudado muito desde o dia em que o
conde Fernando a fizera transportar para o palacete, embora estivesse sendo
tratada com todo o carinho.
Continuava
muito magra, pois de lá viera esquelética e de uma palidez cadavérica, mas o
que nela mais impressionava ainda eram os olhos, que pareciam ser a única coisa
dotada de vida naquele corpo que se encaminhava para a morte. Tinha sempre
entre os braços uma boneca, que beijava com muita frequência, mantendo-a
apertada ao coração e embalava para fazer dormir, com voz mansa e suave,
repetindo sempre uma canção de ninar infinitamente triste.
George,
de fronte enrugada, braços cruzados, esteve a observá-la de certa distância, demoradamente,
sem que ela parecesse perceber a sua presença ou que alterasse em nada seu
comportamento.
Depois
o médico avançou uns passos para vê-la mais de perto e, então, Marta Aubert
pareceu vê-lo, fixando nele os olhos de alucinada. Então, apertando desesperadamente
a boneca contra o peito, pulou do canapé onde estivera até então recostada e
correu a colar-se contra a parede, tremendo convulsivamente.
O
médico, com a calma própria da profissão que exercia e a experiência do trato
com outros doentes daquela natureza, sem fazer o menor movimento brusco, para
que ela não se assustasse mais ainda, aproximou-se mais um pouco. Então, de
repente, a louca soltou um grito estridente, dilacerante:
-
Socorro! Socorro! Querem me tirar a menina! Socorro!
Àquele
grito a porta se abriu de repente e Pedro penetrou no aposento.
-
Doutor, que aconteceu? Precisa de mim?
George
se voltou algo contrariado:
-
Parece que eu lhe disse que desejava estar aqui sozinho!
-
Desculpe "doutor". Ouvi os gritos dela e não pude me conter.
-
Bem, já que está aqui, diga-me uma coisa. Você não tem ideia de que o conde
Fernando tenha tido um filho com essa senhora?
-
Sim, teve, doutor. Uma filha. É a atual baronesa Denise de Rastignac...
-
É muito, muito estranho...
Pedro
se aproximou um pouco mais, ao tempo em que a doente que provavelmente havia
reconhecido nele alguém que lhe era familiar, foi se tranquilizando com
impressionante rapidez e voltava a sentar-se, sempre ninando a boneca.
-
Que é que o senhor acha estranho, doutor?
-
Que a filha esteja viva e aqui perto dela, que ela, apesar disso, continue sua
fixação sentimental numa boneca... Nunca soube de um caso como esse tão
estranho e tão sem justificativa. O normal, o que sucede sempre, é o paciente
maníaco transferir todo o seu afeto, sua atenção, seu apego, para algo que lhe
traga a lembrança de uma pessoa que lhe foi arrebatada ou que morreu, como
poderia ser, por exemplo, essa boneca. Mas, uma vez que a filha está viva e que
ela a pode ver, essa transferência maníaca não tem causa, carece praticamente
de fundamento...
-
Mas... Se ela é uma louca, doutor... Como quer que ela saiba?
-
Aí é que você se engana, Pedro. Em todas as ações cometidas pelos alienados ou
os que chamamos loucos, até mesmo as mais extravagantes e inexplicáveis, há
algo de lógico, e isso é o que é difícil perceber, tornando o tratamento
custoso. Mas assim é. Estudando atentamente esses atos, essas reações, pode-se
chegar ao motivo, à causa que desencadeou o impulso ou, então, a descobrir o
motivo causador de determinado ato que se repete, recordando outro que foi a
origem da perturbação, que lhe alterou o funcionamento normal da mente.
George
se aproximou de Marta, que desta feita não reagiu como anteriormente e lhe
tomou o pulso para contar as pulsações. Agiu como médico, evidentemente para
assim se impor no espírito da doente.
-
Quem é o senhor? - perguntou de repente a enferma.
-
O médico que está incumbido de tratá-la, de pô-la boa, senhora.
-
Por que isso? Quem está doente? Não preciso de médico. Vá embora!
George,
impassível, em vez disso, sentou-se ao lado dela, olhando-a fixamente.
-
Mas eu vim tratar também de sua filhinha - disse, com toda a naturalidade.
Marta
lançou um olhar carinhoso, mas apreensivo à boneca.
-
Doutor, não deixe que tirem minha filhinha. Ela é o único bem que me resta
neste mundo e não saberia... Mas a menina está doentinha?
-
Receio que sim, minha senhora.
-
Sim, sim, é isso mesmo! Está doente... Envenenada! Agora me lembro... É isso!
Foi envenenada...
-
E a senhora sabe quem a envenenou?
A
louca baixou a cabeça, como se procurasse rebuscar no cérebro confuso um nome.
E de repente ergueu o rosto e exclamou, arregalando os olhos:
-
Claro que sei! Sei quem foi! Foi ela!
-
Ela, quem? - perguntou George, sem se alterar.
-
Ela! A mulher que me roubou o amor de Fernando e que me mantém prisioneira
aqui! Oh, pobre de mim! Ninguém me ajuda! Ninguém me salva!
Excitada,
Marta Aubert se atirou para trás, desesperada, deixando-se cair sobre o encosto
do canapé. Grossas lágrimas lhe rolavam pelo rosto descarnado.
George
havia escutado com o máximo interesse tudo o que ela deixara escapar,
esforçando-se por compreender o que havia de escondido no significado daquelas
queixas e daquela acusação. Compreendeu que o trabalho de tratar daquela pobre
doente e de lhe penetrar na mente, para procurar trazê-la à cura, ia ser bem
árduo, mas decidiu que tudo faria para alcançar aquela vitória, logrando seu
objetivo.
Fez
menção de levantar-se, para deixar a doente, porém esta o agarrou pela manga e
puxou-o:
-
Doutor... Não permita que me tirem a menina... Faça com que deixem a menina
comigo... Ela é tudo o que resta em minha vida!
-
Ninguém levará a menina, ninguém tocará nela, minha senhora. Fique tranquila.
-
Mentira!... Está mentindo!... Sei que querem levá-la - lamentou-se a louca - e
eu vou ficar sozinha, sem a minha filhinha, sem ninguém!
O
doutor George, lentamente, quase com ternura, fez-lhe uma carícia na cabeça...
-
Acalme-se, minha senhora. Vai ver como ninguém tocará um dedo na sua filhinha.
Acalme-se e agora vá descansar.
Estranhamente
obediente, Marta, sempre com a boneca apertada nervosamente contra o colo,
cedeu em se estender no canapé e reclinou a cabeça numa das almofadas que
tinham estado embaixo de suas costas.
-
Então... Não vão levar mesmo a minha filhinha?
-
Não. Pode ficar tranquila. Não tenha receio.
-
Graças a Deus!
Quando
George saiu do quarto, perguntou ao mordomo:
-
A baronesinha Denise costuma vir visitar a mãe?
-
Veio uma vez, doutor.
-
E qual foi a reação da doente? Como a recebeu?
-
Não sei muito bem, doutor, porque não vim com ela. Mas o conde ficou desolado.
Ela a repeliu como começou a fazer hoje com o doutor...
O
bom velho observou ansiosamente o rosto do psiquiatra.
-
Acha... Que há alguma esperança doutor?
-
Não sei... Não sei... Há certos aspectos que não entendo, há coisas que preciso
esclarecer e só então poderei dar uma opinião. Enquanto não conseguir
estabelecer certas ligações com o passado, nada feito. Sem isso, não podemos
esperar nenhuma cura.
Conseguirá George, montar esse quebra-cabeça e descobrir a causa da loucura de Marta? Denise não irá tentar impedir? Paulo, está muito boa essa história! Bjs.
ResponderExcluirGeorge já percebeu a dificuldade que terá. Será vai conseguir desmascarar a impostora Denise? Vamos ver...
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