domingo, 9 de setembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 12 - PRIMEIRA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA






O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL

Capítulo XII

LOBO NÃO COME LOBO

O doutor Démon, metido num avental branco, dava uma última olhadela às fichas clínicas dos seus pacientes, antes de ir dormir. A clínica se achava imersa na obscuridade e no silêncio, e apenas de vez em quando alguma enfermeira, deslizando como um fantasma, atravessava as enfermarias.
Súbito, ao ouvido do médico chegou um ruído de vidros quebrados, seguido de leve rumor de passos. Convencido de que um dos dementes tentava fugir, Démon, sem hesitação, tocou a campainha de alarma, que produziu um som estridente, alcançando os pontos mais distantes do manicômio.
Gritos de apelo chegaram logo do jardim, ao passo que os ruídos de portas que se abriam e fechavam chegavam de todas as direções.
Démon sorriu, seguro de si. Nem saiu de onde estava, tão certo se sentia de que, se alguém havia tentado evadir-se, logo seria apanhado.
Desde que Benedito fugira com a pequena "Flor de Amor", muitos anos antes, ele havia usado toda sua diabólica inteligência na criação de dispositivos que tornassem quase impossível uma fuga do manicômio.
Havia estudado cada pormenor, desde as portas de fechamento automático à corrente que percorria ao simples abaixar de uma alavanca, às grades do jardim, pondo os fugitivos na impossibilidade de tocarem nelas, colocando assim uma barreira invisível entre eles e a liberdade.
Mais uma vez todos os engenhos deviam ter funcionado devidamente por que, apenas cinco minutos depois de ter sido dado o alarma, o telefone tocou no gabinete do diretor.
Uma enfermeira entrou no gabinete do médico, e com voz excitada disse:
- Doutor, pegamos um ladrão na clínica!
- Estão certos de que não se trata de um espião?
- Certíssimos! Um dos enfermeiros o conhece, chama-se Afonso Houdin, e é um dos ladrões mais conhecidos de Nova Orleans!
- Se é assim, ele escolheu muito mal seu campo de ação, mande trazê-lo aqui em cima, para mim. Quero trocar umas palavrinhas com ele...
Serviu-se de um cálice de conhaque, tirando a garrafa de um pequeno armário, em seguida sentou-se numa poltrona, esperando tranquilamente.
Segundos depois, a porta se abriu e um rapaz, com os cabelos encaracolados foi literalmente arremessado para o gabinete, ao empurrão brutal de dois homens que vestiam o uniforme branco de enfermeiros do manicômio.
- Então, você é um assaltante profissional! - observou Démon, olhando o grande amor de Denise. - Vejo que não é muito inteligente... Não sabia que a minha clínica é vigiada como uma prisão, ou pior ainda?
Afonso afastou os cabelos dos olhos, com um movimento brusco da cabeça.
- Para ser franco, eu sabia que esta clínica era vigiada, mas não a este ponto. Se o tivesse imaginado, resistiria à tentação de entrar aqui - respondeu, sem se mostrar excessivamente assustado e sacudindo os ombros para se libertar das mãos dos que o dominavam.
Démon ia falar, quando a marquesa Renata, atraída pelo sinal de alarma, entrou no aposento, exclamando:
- Que houve? Quem fugiu?
- Ninguém, marquesa, ninguém - tranquilizou-a, calmo, o médico, descobrindo num sorriso, os dentes amarelados. - É que temos visita e, para ser mais preciso, a visita do belo Afonso, um dos ladrões mais populares das redondezas!
E, voltando-se depressa para o rapaz sem esperar resposta, continuou:
- Ouça uma coisa, mocinho! Que diria se, em vez de entregá-lo à polícia, como seria minha obrigação fazer... Eu o pusesse novamente em liberdade?
- Eu pensaria que o senhor é mais doido do que seus clientes, ou então, que está com vontade de brincar - respondeu Afonso, evidentemente preocupado com sua situação.
- Nenhuma coisa nem outra. Estou falando sério! Que daria para ficar livre?
O rapaz encolheu os ombros.
- Eu nada possuo, pois se fosse rico, eu não furtaria. O senhor poderia contar apenas com minha gratidão!
- Para mim basta - disse Démon, fazendo saltar de assombro o prisioneiro. - E para a senhora, marquesa?
Um clarão de inteligência brilhou nos olhos verdes de Renata.
- Este aí, bem... - admitiu ela, sorrindo - podemos deixá-lo ir... - Mas, contanto que ele faça um trabalhinho para nós.
- Agora entendo! - disse Afonso. -Parece que os senhores têm um conceito de honestidade mais ou menos igual ao meu, não é verdade? Querem que eu roube alguém, então? Que assalte uma casa? Dêem-me o nome, o endereço, e lhes garanto que serão bem servidos! Não é para me gabar, mas na minha profissão não há muitos melhores do que eu.
- Aprecio a sua boa vontade - disse a marquesa. - Mas não temos necessidade de um ladrão, e sim de um... Agente secreto, ou coisa parecida.
O ladrão fez um gesto de indiferença.
- Os senhores é que decidem. Para mim, basta que seja solto.
Judas Démon acenou aos dois enfermeiros para que se retirassem, depois, pondo-se de pé, explicou:
- É um trabalho simples e fácil, trata-se de ficar de olho em duas pessoas do palacete do conde Fernando Chanteloup, sabe onde é, não? Sei que poderíamos utilizar um detetive particular, mas como talvez seja preciso fazer alguma coisa que um homem... Honesto não aprovaria, preferimos dar a incumbência ao senhor. Lembre-se, deve vigiar de modo especial a condessinha Maria, filha do conde Fernando...
- Está bom - respondeu Afonso. - E diga-me, não haveria a possibilidade, talvez, de ganhar alguma coisa? Ando meio ruim de dinheiro, estes dias... Por isto, fiz a estupidez de entrar na sua clínica...
Démon lançou a Renata um olhar interrogativo e esta acenou que sim, com a cabeça, o médico tirou então do bolso umas moedas de ouro e disse, oferecendo-as:
- Saiba que tem de trabalhar bem, se quiser ganhar mais! E fique avisado de uma coisa, não tente bancar o esperto. Nunca ninguém conseguiu pregar-me peças, sem arrepender-se amargamente depois. Se eu ficar satisfeito, saberei recompensá-lo.
Afonso se apressou a fazer desaparecer as moedas num dos bolsos do paletó.
- Não tenha dúvidas - garantiu. - Eu sou ladrão, mas quando dou minha palavra, mantenho-a. Serei como a sombra das pessoas que tencionam vigiar.
- Então, estamos entendidos - concluiu a marquesa Renata.
- Você nos manterá informados diariamente do que acontecer no castelo.
O rapaz fez um gesto, como para dar a entender que não deviam preocupar-se e depois, indicando a porta, perguntou:
- Então... Posso ir?
Démon fez um gesto afirmativo com a cabeça. E Afonso apressou-se a ir embora.
Na manhã seguinte, Afonso, vestindo uma roupa que condizia particularmente com o seu físico vigoroso, perambulava, com ar de turista em férias, à volta dos altos muros que delimitavam o jardim do palácio do conde Fernando.
Havia algum tempo que Afonso refletia, tentando descobrir o modo de exercer mais de perto a vigilância sobre as pessoas que lhe interessavam, porém nada de adequado lhe vinha à mente.
Já pensava em tocar a campainha e apresentar-se como um visitante qualquer, desejoso de admirar de perto as belezas do palácio, quando o portão se abriu.
Então Afonso viu uma carruagem com dois briosos cavalos atrelados, que estava para sair. O cocheiro estava na boléia, esperando sem dúvida aos seus senhores.
Afonso, com raciocínio veloz de delinquente calejado, ao ver aquilo, imediatamente discorreu um plano de ação que, se desse bom resultado, permitir-lhe-ia eliminar de uma só vez todos os obstáculos que naquele momento se interpunham entre ele e as pessoas que lhe interessavam. Aproximando-se do cocheiro, exclamou admirado:
- Caramba, que animais formidáveis! Vê-se logo que são puros-sangues, hem?
- Pode dizer bem alto! - respondeu o interpelado. - São dois trotadores maravilhosos, não tem igual em toda Nova Orleans!
- Mas olhe, há o perigo de acontecer algum acidente, deixando uma correia tão frouxa... - resmungou Afonso, fingindo observar atentamente as correias que prendiam os animais à carruagem. E acrescentou: - Se quiser, eu mesmo posso apertar a correia que está frouxa.
O cocheiro, caindo na cilada do malandro, aceitou de bom grado a colaboração do desconhecido. Afonso aproveitou da ingenuidade do empregado para, tirando habilmente do bolso um aguçado e pequeno furador, que fazia parte de seus apetrechos de arrombador, cravou rapidamente no peito de um dos cavalos.
No momento em que Afonso, a bom passo, se distanciava do palácio, acomodavam-se na carruagem o conde Fernando e sua falsa filha Denise.
Depois de ter percorrido alguns metros da estrada estadual, Afonso detivera-se observando atentamente o que acontecia no portão do parque.
Avistou então o conde Fernando e uma jovem da qual não pôde distinguir o rosto; devido ao chapéu que em grande parte o encobria.
Viu-os subir à carruagem e porem os cavalos a trote. Os dois animais, por alguns segundos, comportaram-se normalmente; depois, o da esquerda, cujo movimento, ao correr, havia feito cravar a ponta metálica nas carnes, soltou um relincho e, após empinar vigorosamente saiu em disparada arrastando consigo o seu companheiro.
O conde Fernando, apesar de ter um pulso de ferro, não conseguia controlar os animais só com o auxílio das rédeas e Denise, percebendo o tremendo perigo que estava, correndo, começou a gritar:
- Socorro!... Socorro!...
Chegara o momento de agir, Afonso precipitou-se na direção da carruagem. Com o risco de ser arrastado, estacou diante dos animais e, agarrando-os pela rédea, reunindo toda a sua força, que devia ser quase hercúlea, obrigou-os, depois de inauditos esforços a parar. Seu esforço fora alcançado.



- Espero que não se tenham ferido! - disse depois, aproximando-se da carruagem e tirando a poeira da roupa, que havia ficado em condições lamentáveis. – Mas veja! A mocinha perdeu os sentidos!
Fernando, segurando entre os dedos o pulso da jovem, ficou a ouvir, por alguns segundos, as pulsações, e depois, enquanto seu rosto se iluminava, disse:
- Não é nada, apenas um pequeno desmaio, provocado pela emoção. Daqui a pouco ela voltará a si. O senhor, sim, é que se arriscou a ser pisoteado pelos cavalos!
- Oh, coisa à toa - respondeu Afonso, com falsa modéstia.
O conde estendeu a mão e apertou calorosamente a do rapaz.
- Não sei mesmo como agradecer - disse. - É um rapaz de muita coragem! Nunca esquecerei o que fez pela minha filha e por mim.
- Repito que foi coisa à toa, o senhor teria agido do mesmo modo, em meu lugar. Mas vamos carregar a moça e colocá-la um pouco na relva. Tenho a impressão de que este desmaio está demorando um pouco demais...
Afonso se curvou para a moça e a tomou nos braços, deitando-a em seguida na relva. Enquanto isto, Denise que começava a voltar a si, abriu os olhos e fixou o rosto do homem que estava frente a ela.
- Afonso... Você?... - balbuciou ainda aturdida... - Não é possível... Devo estar sonhando...
Felizmente estas palavras tinham sido pronunciadas em voz baixa e o conde Fernando não pôde ouvi-las, pois estava ocupando-se dos cavalos, juntamente com o cocheiro.

Um comentário:

  1. Afonso se deu bem! E vai aprontar muitas! E Denise ficou muio bem, com o amado por perto! Por enquanto os maus estão levando vantagem! Muito bom Paulo, mas torço pra ver os maus se dando mal também kkkk. Bjs.

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