O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XVI
A FUGA DE LUÍS PAULO
De que maneira Luís Paulo havia chegado ao
palácio de Chanteloup e, desventuradamente a tempo de servir de viva
confirmação para a infame tramoia urdida pelo bandido Afonso?Até pouco tempo
antes, Luís Paulo estivera trancafiado na clínica do doutor Démon, entregue aos
cuidados da marquesa Renata, disfarçada de irmã de caridade, dera-lhe a
entender que ele se encontrava num quarto de hospital. Mas a confiança que Luís
Paulo depusera na sua enfermeira, que tinha para com ele toda sorte de amorosas
atenções, fora diminuindo quando percebera que, com o passar dos dias, em vez
de recuperar as energias, pouco a pouco as perdia, sem poder explicar a causa
de semelhante fato.
Seu médico assistente, um homem alto, impassível,
que falava pouquíssimo, respondia sempre assim às suas perguntas:
- O senhor sofre de uma grave febre cerebral...
Mas que agora está a caminho da cura.
- Mas doutor, eu me sinto tão fraco!
- É natural! Depois de um período adequado de
convalescença, há de recuperar completamente as forças!
- Mas eu quero sair do hospital!
- Tolice... Trate de ficar calmo...
O comportamento estranho do doutor, e o inexplicável
desejo de dormir que lhe davam os medicamentos ministrados com o escopo de
acelerar, segundo diziam, a recuperação das suas energias, fizeram nascer no
rapaz as primeiras dúvidas sobre a falsidade de sua situação. Num dia em que a
falsa freira estava sentada, em silêncio, junto do leito, fixando-o
intensamente, ele lhe perguntou:
- Irmã Catarina, por que nunca levanta esse véu
que lhe cobre o rosto?
- Porque ele faz parte da indumentária das irmãs
da minha Ordem.
- Eu já disse mil vezes ao doutor que telefonasse
a meu pai, para que ele não fique preocupado, coitado, e ainda não recebi
resposta nenhuma! Por quê?
- Recebeu resposta, sim: seu pai não pode vir
visitá-lo porque não está muito bem, mas encarregou-nos de dispensar-lhe todos
os cuidados necessários. Não é preciso ter medo!
- Mas meu pai estava tão bem, há pouco tempo!
- A saúde dos velhos é vacilante, como o senhor
sabe.
E o tempo ia passando, enquanto Luís Paulo
alternava momentos de lucidez com outros de pesado torpor.
Certa
tarde, quando se achava mergulhado em tristes reflexões, fazendo esforços para
reagir ao sono que lhe entorpecia os membros, o rapaz ouviu muito barulho
debaixo de sua janela e uma voz feminina gritando, a tremer de horror:
- Largue-me! Socorro!... Socorro!...
Imediatamente à súplica, seguiu-se a voz metálica
e bem conhecida do doutor Démon:
- Façam calar essa idiota! Levem-na daqui!...
Uma série de pensamentos se aglomerou no cérebro
cansado de Luís Paulo, obscurecido pelos tranquilizantes, se ele se encontrava
realmente num hospital comum, que fazia ali o doutor Démon, diretor do
manicômio? Por que se ouviam aqueles gritos? .
“Isto não é um hospital comum!” - disse consigo.
“Eu continuo no terrível manicômio do doutor Démon...” Com esforço desceu do
leito e, embora as pernas lhe tremessem, tentou aproximar-se da janela e olhar
para fora tendo a confirmação das suas suspeitas... Mas justamente naquele
instante ouviu, no corredor, os passos da "irmã" que se aproximavam,
apressados. Mas teve tempo de voltar para debaixo das cobertas e fingir que
dormia, irmã Catarina entrou no quarto, com os olhos cintilando estranhamente
por trás do véu.
Mantendo as pálpebras cerradas, Luís Paulo
refletia: "Essa mulher que gritou deve ser mais uma das vítimas do doutor
Démon... Pedidos de socorro não se escutam num hospital normal... enquanto que
são frequentes num lugar de tortura como o manicômio desse homem."
“Que haverá de impossível nisto? Talvez todas as
palavras tranquilizadoras da irmã Catarina não passem de mentiras e eu me
encontre ainda nas mãos do homem que conserva prisioneira a minha pobre Maria
"Flor de Amor"! Oh, que idéia infeliz tive eu, no dia em que quis
internar-me aqui, julgando enganar esse maldito médico com o meu
comportamento...”
"Como poderia imaginar que eu iria lidar com
um demônio? Sim, é isto! Tenho a certeza de que continuo em poder dele! E
depois, os olhos dessa irmã... Acho que já os vi em algum lugar..."
Súbito, no cérebro de Luís Paulo apresentou-se,
agora clara a solução do seu problema:
"Sim, esses olhos... São os de Glória
Lantier, a mulher que quase me fez matar a minha adorada Maria".
Involuntariamente, abalado pela avalancha de seus
pensamentos, agitou-se no leito. Logo ouviu a voz da irmã, exageradamente doce
perguntar, enquanto uma fria mão descansava em sua testa:
- Sente alguma coisa? Posso ajudar?
Luís Paulo descerrou as pálpebras e viu os olhos
verdes fixados nele. Sua suspeita transformou-se em firme convicção.
Fazendo grande esforço para não agarrar a mulher
pelo pescoço, murmurou:
- Não sei... Estou muito preocupado... Meu pai
não veio saber de mim? Não mandou nenhum recado?
- Ainda não... Mas já mandamos notícias suas,
pode ficar tranquilo.
- Irmã Catarina, a senhora já me repetiu isto
mais de cem vezes, enquanto isto o tempo vai passando, passando, e é como se
ninguém soubesse que estou aqui, imobilizado numa cama, quase sem forças! Deve
ter acontecido alguma coisa! Meu pai me adora, não ficaria longe de mim, mesmo
que estivesse agonizante!
- Certo, certo, mas tenha calma... Prometo-lhe
que amanhã, quando acordar, seu pai estará aqui, ao seu lado. Confie em mim,
Luís Paulo.
- Como sabe meu nome?
- Ora... Não me contou tudo a seu respeito?
- Engraçado... Não me lembro disto, nem um pouco!
Novamente a mão fria passou leve, pela testa do
rapaz,
- Não faça esforço com o cérebro, por favor.
- Outra coisa, irmã Catarina: já pedi várias
vezes para falar com o médico chefe deste hospital. E se não me engano, até
encarreguei a senhora, que avisasse ao meu médico assistente. Por que ele não
me aparece?
A mão da irmã se retraiu, ao mesmo tempo em que o
brilho verde de seus olhos se ocultava por trás das pálpebras.
- Garanto-lhe que já estive no gabinete dele
diversas vezes, mas é que ele está muito ocupado estes dias...
- Mas será possível que quando se trata de mim,
ninguém pode vir aqui? Estão todos ocupadíssimos?
- Calma, Luís Paulo, é hora de dormir! Sabe que
já são nove horas? Vou lhe dar agora as gotas de costume.
O rapaz se retraiu, num movimento instintivo.
- Não quero tomar as gotas, hoje. Tenho a
impressão de que elas não me fazem bem.
- Vamos, deixe de caprichos, não é mais criança
e, se quiser sair curado daqui, tem de obedecer escrupulosamente a todas as
prescrições do doutor. Esse remédio é necessário para... Para o seu equilíbrio
mental. Se amanhã, à hora da visita, ele notasse que o senhor não tomou as
gotas, eu é que seria severamente repreendida. E o senhor não quer isto, quer?
- Está bem, tomarei as gotas, mas quero esperar
uns minutos mais, se for possível.
- Como queira...
- Enquanto isto, irmã Catarina, quer ir buscar
para mim outro travesseiro? A noite passada dormi mal... Faltou-me o ar...
- Os travesseiros que tem aí não bastam?
- Não, não bastam...
Luís Paulo acompanhou com os olhos a falsa irmã
que saía do quarto, tendo o cuidado de fechar bem a porta atrás de si. E, logo
que teve a certeza de estar completamente só agarrou o copo em que haviam sido
colocadas as gotas, que havia ficado sobre a mesinha de cabeceira, e derramou
seu líquido embaixo da cama. Em seguida, encheu-o de água de uma garrafa que
estava a seu lado.
Mal havia depositado o copo na mesa de cabeceira,
quando a falsa freira entrou, com um travesseiro na mão.
- Pronto - disse, acomodando-o atrás de sua
cabeça. Depois pegou imediatamente o copo, ajuntando: - E agora, beba esse
excelente remédio, que tanto bem lhe deverá fazer!
Obediente, Luís Paulo levou o copo aos lábios e
bebeu o seu conteúdo. Depois, o rapaz, perguntou:
- Irmã Catarina, quer explicar por que, logo que
tomo este remédio uma forte sonolência se apodera de mim? É como se minha
cabeça adquirisse um peso fora do comum, e não consigo deixar de fechar os
olhos!
A Irmã ficou silenciosa por um instante, antes de
responder:
- Para ser sincera, eu não conheço a composição
deste preparado... Mas sei que, sem ele, o senhor estaria muito mal, não
conseguiria dormir e seria novamente atacado pela febre.
- Compreendo. - murmurou Luís Paulo, fitando-a
intensamente. -Veja... Passaram-se uns poucos minutos e já estou sentindo um
torpor enorme... Não posso resistir...
- Durma, então...
- Sim... Boa noite... - balbuciou o rapaz,
fechando os olhos.
A marquesa Renata Duplessis permaneceu mais
alguns momentos imóvel no meio do quarto, contemplando o belo rosto do rapaz,
que parecia imerso no mais profundo sono. Quando teve a certeza de que não
havia mais perigo de ele acordar, deslizou silenciosamente para a porta e saiu
ao corredor.
Ouviu-se a chave rodar na fechadura, depois os
passos dela, se afastaram, na obscuridade.
Logo que tudo ficou em silêncio, Luís Paulo
sentou-se no leito, dizendo para si, com voz sufocada:
- Ah, miserável!... Você me narcotizava! Por
isto, eu não ficava bom nunca!
Depois de um momento de incerteza, desceu do
leito. As pernas estavam ainda pouco firmes, mas podiam sustentá-lo.
Aproximou-se da porta, mas constatou que, como
sempre, estava fechada à chave, não era possível fugir por ali.
Então, sem perder tempo, abriu a janela e olhou
para baixo, a fim de calcular, aproximadamente, a altura que o separava do
solo.
Depois, rápido, aproximou-se do leito e, tirando
os lençóis, amarrou um no outro, formando uma espécie de corda, bastante
comprida e resistente para sustentar seu peso. Correu em seguida a um pequeno
armário de metal branco, onde estavam suas roupas e, vestindo-as
precipitadamente, deixou-se descer pela janela.
Aquela ala do manicômio do doutor Démon
geralmente era usada para o alojamento dos enfermeiros e do resto do pessoal da
clínica. As janelas, naturalmente, eram desprovidas de grades e davam para a
estrada estadual, que passava por trás do manicômio. Luís Paulo havia sido
colocado num daqueles quartos para que tivesse a ilusão de estar mesmo num
verdadeiro hospital.
Agora, enquanto se afastava ligeiro pela estrada,
agradecia a Deus por isto, intimamente sentia um estranho peso nas pernas, mas
esforçava-se por continuar a caminhar, a fim de colocar o maior espaço possível
entre si e o manicômio do qual havia conseguido milagrosamente escapar.
A estrada estadual não era das mais frequentadas
e, àquela hora, não se via vivalma em torno.
Passada uma hora, ele ouviu atrás de si o trotar
de cavalos e, voltando-se, avistou uma carruagem que se aproximava, decidido,
postou-se no meio da estrada e abriu os braços para ser visto e para pedir a
quem guiava a carruagem que parasse.
De fato, puxando violentamente as rédeas, o
cocheiro parou a carruagem e prorrompeu, algo assustado:
- Eh, você aí! Está maluco? Ou queria ser
atropelado? Veja se sai do caminho!
Aproximando-se da carruagem, Luís Paulo disse,
com voz amável:
- O senhor queira desculpar, não tenho a intenção
de perturbá-lo, mas... Estou perdido nestas paragens e não sei como
arranjar-me...
Um pouco mais calmo, e tranquilizado pela aparência
distinta do rapaz, o cocheiro respondeu:
- Esta é a estrada que leva à cidade, mas temos
ainda uns quinze quilômetros para chegar lá.
- Quer me dar uma carona?
- Com prazer, mas vou ficar muito antes, no
começo da propriedade do conde Fernando Chanteloup...
- Conheço muito o conde, obrigado. Por esta noite
pedirei hospitalidade a ele.
- Ótimo! - respondeu o cocheiro, fazendo sinal
para que ele subisse.
Naquele justo momento, outra carruagem preta,
surgiu a pouca distância deles.
Luís Paulo, em vez de subir na carruagem parada,
vendo a outra passar ao galope de seus briosos cavalos, correu de novo para o
meio da estrada, gritando:
- Pare! Pare! Papai, sou eu! Pare!...
Mas o veículo já desaparecia numa curva.
Sentando-se ao lado do cocheiro, o jovem murmurou
desconsolado:
- Era a carruagem de meu pai, o barão Ernesto de
Rastignac. Que pena! Não consegui fazê-lo parar! Mas estou certo de que o
alcançarei, provavelmente vai ao palácio do conde Fernando, que é nosso grande
amigo...
Um pouco sugestionado por todos aqueles nomes
ilustres, mas não totalmente certo de que seu passageiro não fosse um pouco
aloucado, por causa de sua estranha maneira de agir, o cocheiro não disse uma
palavra e continuou silenciosamente a guiar os seus cavalos.
Uns vinte minutos depois, deteve a carruagem,
dizendo:
- Pronto! Chegamos. Aquele é o palácio do conde
Fernando. Veja, ainda está todo iluminado!
- Muito obrigado, amigo! - disse Luís Paulo,
descendo e dando-lhe algumas moedas.
- Por nada, senhor. Agradeço! Boa noite!
Ficando sozinho, Luís Paulo permaneceu ainda algum tempo pensando,
incerto sobre que decisão deveria tomar. Depois, inteiramente lúcido e bem
disposto, graças ao ar fresco da noite, dirigiu-se a passos rápidos para o
portão principal do palácio próximo, ignorando a terrível acolhida que o
aguardava...
Pobre Luís Paulo, antes tivesse ficado lá na clínica do Doutor Démon, fingindo tomar os remédios e saindo em melhores condições. Mas, como os maus sempre levam vantagem nesse folhetim, tudo deu errado para ele. E para os maus, melhor não poderia ser! Quantos sofrimentos ainda estarão reservados a Luís Paulo e Flor de Amor? Dramático!
ResponderExcluirMe emociona a sua emoção, Maria. Não é atoa que carrego comigo as partes deste folhetim desde 1973. Já casei, descasei, casei novamente mas nunca me separei do folhetim...
ExcluirPaulo, além dos vilões, as coincidências estão atrapalhando os heróis. Vamos ver quando a má sorte vai terminar.
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